Onde foi parar o slice?

Recurso extremo ou opção tática? Golpe "caiu em desuso" com o tempo porque não tem mais serventia ou porque os jogadores não treinam mais? Alguns dos principais treinadores do Brasil respondem essas questões


Ron C. Angle/TPL

QUEM É "DAS ANTIGAS" CERTAMENTE se lembra daquelas partidas em que os tenistas ficavam cruzando intermináveis slices de backhand que passavam rasantes sobre a rede e não davam oportunidade de o adversário atacar. Naquela época, o primeiro que tentasse mudar a direção ou o efeito da bola geralmente era penalizado pelo oponente, que teria a oportunidade de ataque.

"Hoje, o domínio da técnica do slice não é tão solidificada. Mas, os que dominam essa técnica conseguem incorporar isso como opção tática"

 

 

Ron C. Angle/TPL

Até a década de 1980, o slice ainda era golpe em voga. Todos os jogadores que batiam o backhand com uma mão sabiam usá-lo muito bem. E mesmo os que golpeavam com duas mãos também utilizavam esse recurso e com eficácia, basta lembrar de Bjorn Borg e Jimmy Connors, por exemplo.

Na década de 1990, a esquerda com duas mãos ficou ainda mais popular e o slice começou a perder espaço, sobrevivendo apenas na habilidade de alguns gênios, como Patrick Rafter. No anos 2000, mesmo os raros tenistas que batiam o revés com uma mão pouco usavam o slice (preferindo o spin) e este golpe parecia fadado a desaparecer. Isso só para citar o circuito masculino. Nos feminino, o slice também havia entrado em desuso especialmente depois que as irmãs Williams impuseram a força de seus backhands de duas mãos.

No entanto, quando menos se esperava, o slice renasceu. Entre os homens, seu maior expoente foi Roger Federer - cuja técnica tão perfeita e clássica permitia retomar o uso desse golpe e incorporá-lo novamente como opção tática - e, entre as mulheres, Justine Henin - que conseguia suportar a potência das Williams com seu revés de uma mão e, ao mesmo tempo, ludibriá-las com o slice. Agora, contudo, Henin parou e Federer usa bem menos esse recurso. Então, qual o destino do slice?

Fotos: Ron C. Angle/TPL
Henin usou muito o slice em uma época que a maioria das mulheres havia abandonado o golpe. Atualmente, tenistas como Stosur fazem bom uso desse recurso

ÚLTIMO RECURSO OU OPÇÃO TÁTICA?
Durante os últimos anos, cada vez mais vimos o slice ser usado apenas como um "último recurso", quando o tenista é deslocado para fora da quadra e usa esse golpe para se esticar e jogar a bolinha para o outro lado da rede, ganhando um pouco de tempo para voltar ao ponto. Fora isso, o slice quase não aparece.

João Zwetsch, capitão do Brasil na Copa Davis, lembra um dos porquês desse golpe ter "sumido": "O primeiro fator para o uso do slice ter sido reduzido é o backhand de duas mãos ter se difundido nas últimas duas décadas. Quando não existia a necessidade do braço complementar, era muito mais frequente ver jogadores como Boris Becker, Stefan Edberg, John McEnroe, Pete Sampras, Steffi Graf e Martina Navratilova usando o slice como forma de variação e aproximação à rede. Hoje, o jogo está cada vez mais veloz e há muita ênfase na força física do atleta".

Mesmo assim, a maioria dos treinadores (incluindo Zwetsch) garante que o slice ainda continua sendo um golpe eficaz. "O Alexandr Dolgopolov provou isso atrofiando o Novak Djokovic nas quartas-de-final do US Open", aponta Paulo Cleto, ex-capitão do Brasil na Davis e comentarista do canal ESPN. Quem corrobora a opinião é Larri Passos, ex-treinador de Guga e atual de Thomaz Bellucci: "Se o Djokovic não fosse humilde, ele não ganharia aquele primeiro set. Ele passou a bola, deu uns balões na esquerda do adversário para depois achar a direita. O número um do mundo tem humildade de ficar girando a bola quando o adversário usa uma tática muito complicada. Contra os slices, você não consegue entrar em jogo. Então, ele ficou girando a bola até saber quando poderia atacar".

E o técnico de Bellucci lembrou de outro jogo recente cujo uso do slice foi determinante: "No jogo contra o Juan Martin del Potro no Masters 1000 de Cincinnati, do primeiro ao último ponto o Federer chamou o Delpo para a frente com o slice curto, para bater da linha do "T". Para quê? Para o Delpo ter de girar a bola alta e o Federer pegar de direita em seguida. Então, o slice é uma baita opção tática".

"O slice deve ser usado no estilo 'água mole em pedra dura'. Até minar o oponente"

Outro treinador que ainda acredita no slice como estratégia de jogo, apesar de saber que ele, atualmente, é muito mais usado como um recurso extremo pelos tenistas é Ricardo Acioly, técnico de João Souza, o Feijão. "Hoje, o domínio da técnica do slice não é tão solidificada. Mas, os que dominam essa técnica conseguem incorporar isso como opção tática", afirma Pardal, que diz que os jogadores "treinam pouco o slice, trabalham pouco esse fundamento, assim como trabalham pouco os fundamentos de rede também". "Ninguém quer treinar", lembra Larri Passos, que é complementado por Carlos Alberto Kirmayr: "Os bons jogadores usam slice. Os demais, não sabem executá-lo".

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Fotos: Ron C. Angle/TPL
Dolgopolov não tem medo de utilizar o slice até no forehand, o que atrapalha todos os adversários

NÃO SE USA PORQUE NÃO SE SABE USAR? OU NÃO SE SABE USAR PORQUE NÃO SE USA?
"O padrão de qualidade do slice atualmente no circuito, de 0 a 10, está em 5. Por isso ninguém consegue usá-lo. Então, quando alguém usa e se dá bem, é mais pela insistência e nem tanto pela qualidade do golpe. Slice precisa ter qualidade. O Andy Murray usa bem. Entre os 50 primeiros do mundo você vê um ou dois tenistas que conseguem usar", lamenta Cleto.

"O tênis se tornou muito rápido e agressivo. Sendo assim, o golpe de esquerda batida é mais agressivo do que o slice", aponta Cesar Kist, diretor do departamento de capacitação da CBT. "Se a parte física está mais trabalhada, você se mexe bem e está bem posicionado para bater, tende a deixar de usar o slice", comenta Acioly, cuja opinião foi seguida pelo treinador do Club Athletico Paulistano, Carlos Omaki: "O slice já foi um golpe de saibristas, mas, se você usá-lo no saibro hoje, é suicídio devido ao preparo físico dos tenistas. Então, é mais usado na quadra rápida, pois é mais útil". E ele continua: "Slice na paralela era uma arma antigamente, mas hoje existe uma 'bitola' - um treino próprio para anular isso. Os caras trocam esquerdas cruzadas até um jogar um slice na paralela para o outro entrar em diagonal na quadra e contra-atacar batendo na cruzada de forehand."

"No ano 2000, falei para o Guga: 'São duas coisas que temos que melhorar: seu slice - quando você bate na corrida para salvar e descansar - e sua paralela de direita'. Acho que ele chegou a número um do mundo porque melhorou esses dois golpes. Então, investir no slice ainda é uma boa, mesmo no saibro, pois em um momento importante você pode fazer uma 'pegadinha', dar um slice curto, chamar o cara para a frente e dominar o ponto, atacando com a direita", garante Larri Passos.

Fotos: Ron C. Angle/TPL
Para Larri Passos, Guga só alcançou o topo do ranking depois de melhorar seu slice

ATAQUE OU DEFESA?
Todos os treinadores reconhecem que o slice atualmente passou a ser um golpe muito mais defensivo do que qualquer outra coisa. "É um golpe de defesa, porque até o gesto dele é defensivo. E esse tipo de golpe tende a sofrer, a acabar", diz Omaki. Para Cleto, "é muito mais uma situação de transferência de defesa para o ataque, e uma coisa de mudar o ritmo do ponto, tirar o ritmo do adversário", mas ele também acha que o slice é um golpe ofensivo em alguns momentos, que ainda "pode ser usado para ir à rede. Mas tem que saber usar para fazer isso - utilizar o slice baixo na paralela no backhand do oponente".

Já João Zwetsch aponta a defesa como a principal característica do slice, que deve ser usado "quando não se tem condições de estabelecer uma base dentro do ponto, e quebrar o ritmo". Contudo, é Omaki quem aponta a "ofensividade" por trás desse golpe tão peculiar: "Slice é um ataque à técnica. Você ataca a técnica do adversário." Acioly complementa: "Para quem sabe usar, ele é um golpe efetivo. Tanto que, quando um tenista vai jogar contra um jogador que bate muito slice, logo pensa: 'Esse cara é chato de jogar'". "Você vai gastar um pouco o mental do seu adversário", aponta Passos.

Cleto resume a tática "agressiva" dessa jogada: "O slice deve ser usado no estilo 'água mole em pedra dura'. Você tem que usar até minar o oponente. Uma tática para atrofi ar". E Omaki revela a difi culdade "oculta" do slice: "É uma bola complicada de devolver batendo, pois é a inversão do efeito. É uma grande difi culdade trocar o lado do efeito, fazer a bola girar para o outro lado, passar de slice para spin".

"Em nível amador, o slice é extremamente efi ciente. Se as pessoas soubessem o quanto, usariam mais"

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Nadal costuma usar o slice em situações extremas - quando percebe que vai atrasar o golpe -, mas soube incorporar esse recurso em seu arsenal

SITUAÇÕES POUCO CONVENCIONAIS
Recurso de defesa ou "ataque de técnica", a verdade é que o slice ainda pode ter diversos usos. Zwetsch, por exemplo, acredita que "por ser uma bola mais baixa e menos potente, ele pode ser utilizado como um recurso de variação de jogo". Para Larri Passos, essa é uma "tática que tem que ser usada para descansar, para recuperar o fôlego, fazer o adversário abaixar".

"O slice deve ser usado contra tenistas com empunhadura extrema e também para se defender. É muito efetivo para se defender, pois tira o peso, joga a bola no fundo, ela vai mais lenta e você consegue voltar para a quadra. Vai lhe dar um tempo. Dependendo do adversário é uma ótima alternativa", aponta Cleto, que é seguido por Omaki: "Slice é uma defesa estratégica. É usado para situações extremas e, nelas, ele é muito útil, mesmo quando sob ataque na direita - você sai da quadra e dá um slice de direita para voltar ao ponto, ao invés de dar uma bica e rezar para entrar".

O treinador do Paulistano vai além e afi rma que o slice é um golpe de precisão, usado quando você necessita que a bola atinja um determinado alvo com segurança. Para ilustrar isso, basta lembrar de Steffi Graf. A alemã tinha um revés com spin muito bom, porém, quase só usava o slice, pois era a bola com a qual tinha mais confi ança.

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VALE A PENA USAR O SLICE?
"No circuito atual, todo mundo tem um jogo muito parecido. Então, o slice acaba sendo uma arma para poucos jogadores, para quebrar o ritmo dos ataques adversários e mudar a direção da bola", diz Jaime Oncins, técnico da promessa do tênis português, Gastão Elias. Acioly concorda: "É bom usar, especialmente nessa época que ninguém sabe fazer".

Já Cleto, apesar de incentivar o uso do golpe, admite que "não dá para viver só de slice como antes, por isso, ele tem que ser uma opção." "O slice teve uma involução. Muita gente deixou de usar e preferiu bater reto, com spin. Deixou de ser um golpe e virou uma alternativa. Quando passaram a bater o backhand com duas mãos, o golpe acabou se escondendo. Então, hoje é mais um 'último recurso' para a maioria dos jogadores do que um golpe verdadeiramente".

Carlos Omaki, por sua vez, diz que é necessário "ensinar o tenista a dar slice". "Se não ensinar, ele não vai ter curtinha, porque a todo momento que o jogador tirar a mão da raquete, você saberá que ele vai dar uma deixada. Ou seja, ele não esconderá o golpe", afi rma. O treinador ainda é enfático: "Em nível amador, o slice é extremamente efi ciente. Se as pessoas soubessem o quanto, usariam mais."

Cesar Kist vai além na defesa do ensino do slice: "Não acho que ele caiu em desuso, pois, apesar de o jogo ter se tornado mais rápido, pela evolução técnico/tática, é necessário que os jogadores tenham cada vez mais recursos técnicos para determinadas situações, como variação do ritmo de jogo, approaches, deixadas, lobs etc. Para todas essas situações, é fundamental o uso do slice". Kist lembra ainda que o uso do sistema "Play and Stay" com raquetes mais leves, quadras menores e bolas mais lentas ajuda a formar atletas mais completos, e que Federer e Henin são frutos desse programa. "Aos poucos isso vai resgatando alguns traços mais clássicos do jogo", aponta João Zwetsch.

Por fi m, Larri Passos se mostra um grande defensor do slice para uso tático e também para o mental: "Os técnicos têm que continuar investindo no ensino do slice. É uma maneira de acalmar o jogador nos treinamentos. Às vezes, o tenista está muito excitado, aí você faz 'um slice e uma direita na corrida' para ajustar a empunhadura. Slice não é só para a tática, mas para melhorar a parte mental do jogador dentro da quadra".

EM QUE SITUAÇÕES USAR O SLICE?

Para variar o ritmo de jogo - "Diminui a velocidade do ponto, quebra o ritmo, mantém a bola baixa", Acioly
Bloquear a devolução (especialmente de primeiro saque) - "Federer usou muito o slice curto de devolução no lado da vantagem para atrair o adversário para a rede e depois construir o ponto em cima disso", Cleto
Approaches - "É uma opção para chegar à rede. Quando se vem para a frente com slice, que é uma bola mais lenta, dá tempo para se posicionar melhor na rede, mas também dá mais tempo de o adversário chegar na bola", Acioly. "Tem que saber usar para ir para a rede. O slice deve ser baixo, no backhand, na paralela", Cleto.
Deixadas - "Tem que ensinar o slice. Se não ensinar, o tenista não vai ter curti nha, pois não conseguirá esconder o golpe", Omaki
Responder bolas baixas - "Deve ser usado contra tenistas com empunhaduras extremas", Cleto
Devolver bolas muito abertas e longe do corpo em situações extremas - "Bom para começar o ponto do zero", Cleto
Executar um lob - "É uma bola de precisão", Omaki

Arnaldo Grizzo

Publicado em 23 de Setembro de 2011 às 09:08


Técnica/Drills

Artigo publicado nesta revista