Os irmãos Bryan são a melhor dupla de tênis do mundo, já quebraram quase todos os recordes da modalidade e pretendem continuar jogando até quando aguentarem. O que os faz tão bons?
QUANTAS VEZES ROGER FEDERER já respondeu à questão: "O que lhe faz ainda jogar tênis depois de ter conquistado quase tudo na carreira?" É difícil imaginar qual o quesito motivador que ainda alimenta o tanque de combustível do suíço, que, aos 31 anos, já venceu, entre tantos feitos, 17 Grand Slams em simples e se tornou o maior líder do ranking mundial, com um recorde de 302 semanas como número um do mundo.
O questionamento serve de base também para a norte-americana Serena Williams, que, como mais uma representante dos "trintões", já experimentou de tudo no tênis. O puro amor pelo esporte fez a atleta também de 31 anos liderar a tabela da WTA, erguer 28 taças de Major e subir ao lugar mais alto do pódio nas Olimpíadas em quatro ocasiões (três ouros em duplas e um nas simples).
Para campeões de qualquer modalidade, o ideal, dizem, é parar quando ainda está no auge. No entanto, o que se pode fazer quando o maior plano de um atleta é ficar em quadra, trabalhar para evoluir e vencer cada jogo como se fosse o último?
A filosofia é arrojada e poderia pertencer a outros dois gênios que também escreveram uma nova era no tênis e que foram celebridades no Gillette Federer Tour. Os irmãos norte-americanos Bob e Mike Bryan são raridades que, assim como Federer e Serena, desafiam os limites do tempo e continuam a quebrar marcas a cada temporada.
Inseparáveis desde o nascimento, os gêmeos impressionam pelo entrosamento e são exceção em uma modalidade em que é normal a troca excessiva de parceiros. A paixão pelas duplas veio desde os primórdios no esporte, quando ainda eram aprendizes na famosa academia de Nick Bollettieri. Foram vários anos se preparando em um local por onde um dos seus grandes ídolos passou na infância: Andre Agassi, outro que, assim como os Bryan, ultrapassou a barreira dos 30 em sua carreira profissional. "Temos vários ídolos nos quais nos inspiramos. Andre Agassi é um deles. É alguém por quem temos grande respeito", declarou Mike, em nome dos irmãos, em entrevista exclusiva à Revista TÊNIS durante o Gillette Federer Tour, em São Paulo.
"Nós nos sentimos muito confortáveis jogando juntos, temos uma química, uma comunicação especial. Parece que, quando entramos para jogar, somos uma unidade em quadra"
"Ao longo de nossa carreira, olhamos para grandes jogadores de simples e de duplas, em quem nos inspirarmos. Fomos assistir à Copa Davis pela primeira vez aos 10 anos. Gostávamos de Rick Leach, que jogou muito bem no time americano da Davis. E é claro que adorávamos os 'Woodies' (australianos Todd Woodbridge e Mark Woodforde), que eram realmente acima da média", cita Mike Bryan, lembrando também dos irmãos Luke e Murphy Jensen, de quem "roubaram" a ideia da batida de peito quando vencem um ponto e a alegria depositada dentro de quadra.
Ofuscados por Pete Sampras e Agassi, que duelavam pela hegemonia no final da década de 1990, a carreira de Bob e Mike no individual foi modesta e efêmera. Desde que se tornaram profissionais, em 1998, a melhor classificação de algum dos dois foi a 116ª de Mike (em 2000), o destro dos Bryan. Já Bob, o canhoto, se limitou à 246ª posição e, devido a uma lesão de Mike, ambos optaram por debandarem para as duplas.
COMO VENCER OS MELHORES DO MUNDO?Tão logo acabou a partida de exibição entre Bob e Mike Bryan e Bruno Soares e Marcelo Melo, a Revista TÊNIS perguntou aos brasileiros: "Quais os pontos fracos da dupla americana? Como pretendem vencê-los na estreia da Copa Davis em 2013 - assim como já venceram duas vezes anteriormente?" Melo tomou a dianteira da resposta, afirmou que há poucas fraquezas no jogo dos irmãos e preferiu apontar os pontos fortes da dupla: "Eles mudam de tática o tempo todo. Eles não jogam de uma só maneira. Quando você está ganhando e acha que pode continuar fazendo a mesma coisa até o fim, eles mudam, dão um jeito de alterar o panorama da partida", revela Melo. Já Soares ressaltou outro ponto: "Eles já entram em quadra em um ritmo muito forte, muito intenso, pressionando o tempo todo. Poucos conseguem acompanhá-los, então, quando a partida se estende, acaba sendo melhor para eles, pois conseguem manter esse ritmo o tempo todo". Falando em pontos fortes, os irmãos Bryan complementam: "Temos a grande vantagem de um ser canhoto e o outro destro, então podemos jogar com ambos os forehand no meio". |
Em pouco mais de uma década, os irmãos Bryan alcançaram inúmeros recordes e deixaram adversários e até lendas para trás nos livros - foram 12 títulos de Grand Slam e um total de 82 canecos juntos, 300 semanas como líderes no ranking de duplas da ATP e incríveis oito temporadas encerradas como os melhores da modalidade. Tudo isso construído sem deixar de lado a irmandade que vem desde o berço. "Nós nos sentimos muito confortáveis jogando juntos, temos uma química, uma comunicação especial. Parece que, quando entramos para jogar, somos uma unidade em quadra", conta Mike. "Mesmo em uma exibição, lutamos por cada ponto, tomamos cuidado com todos os detalhes. Ele [Bob] espera o melhor de mim, eu espero o melhor dele. Sempre exigimos o melhor de cada um, por isso mantemos nosso nível tão alto", completa o destro dos Bryan, 3 centímetros menor que o irmão.
Para quem acompanha de perto um jogo dos americanos, como foi o caso no Ibirapuera, é nítida a sintonia fina. Parece que nem precisam combinar as jogadas, dar sinais um para o outro entre os pontos, tampouco demorar mais alguns segundos para pôr a bola em quadra. Espécie de telepatia?
"É mais uma questão de comunicação não-verbal, um instinto nosso em que ambos sabemos, por exemplo, onde o outro vai rebater a bola ou onde vai estar em quadra. Ele [Bob] tem um dos melhores saques do mundo, canhoto. Já eu devolvo melhor. Ele tem um grande forehand; eu sou melhor no backhand. É bom já ter a certeza do que ele vai fazer. Você não precisa sempre combinar. Apenas flui naturalmente. Mas essa sintonia leva tempo", conta Mike.
O mesmo tempo que desgasta e acaba com relações de longa data e até de duplas bem-sucedidas é um fator que não preocupa os Bryan. Para Mike, a manutenção da parceria ajuda a criar um espírito de tranquilidade entre os jogadores, algo que pode auxiliar nos momentos decisivos da carreira. "Vocês veem, anualmente, que quatro ou cinco das melhores duplas do mundo se separam. Acreditamos que, quanto mais tempo os dois jogam juntos, e nós jogamos há 30 anos, mais os dois evoluem a cada ano. Nós temos essa lealdade de que não vamos abandonar um ao outro. E é reconfortante saber que você tem um parceiro que jogará ao seu lado para a vida inteira. E é por aí que esses times têm uma espécie de falha e têm que recomeçar", destaca Mike.
Mas para quem, às vezes, discute, briga e perde a linha com o companheiro com menos de um ano de trabalho, é compreensível que dois irmãos, criados e treinados para manter a mesma rotina exaustiva de campeões, também pensem em dar um tempo e até compreendam o motivo de separações alheias no circuito, como aconteceu com os mineiros Marcelo Melo e Bruno Soares.
"Muitas vezes, a tensão aumenta com as duplas. Em uma derrota dura, os jogadores acabam não falando nada. E as coisas vão caminhando, continuando daquele jeito por uns seis meses até que chega a um ponto em que os dois não se suportam mais. Quando nós perdemos, às vezes, brigamos, gritamos, cobramos um do outro, lavamos a roupa suja, mas depois deixamos esfriar a cabeça. Isso é bom porque nos ajuda a sair um pouco do sistema, a recarregar as energias, a assimilar as derrotas", revela Bob.
E quem imagina que os dois nunca deixaram de dividir o mesmo teto ao longo da rotina diária engana-se. Ambos são casados e, há um ano, vivem e treinam em cidades diferentes dos Estados Unidos. Casado com Michelle Alvarez e pai de Micaela, de 10 meses, Bob se mudou para Sunny Isles, na Flórida, a cerca de 3.000 km de Mike, o mais velho - por dois minutos -, que permanece na cidade natal de Camarillo, Califórnia, ao lado da esposa Lucille Williams.
A experiência inédita em fazer a pré-temporada treinando separadamente no ano passado foi a comprovação de que nem a distância poderia atrapalhar o foco dos duplistas. "É bom, porque ele tem os amigos dele, eu tenho os meus, ficamos longe um do outro por um tempo, mas mantemos contato, geralmente por telefone. E pelo fato de estarmos juntos no circuito, quando voltamos para a casa, largamos as raquetes, os treinos e ficamos juntos. Mas depois, tudo volta ao normal, batemos algumas bolas, treinamos e nos focamos para chegar preparados ao Australian Open", lembra Bob, que também é reconhecido por sua paixão pelo Twitter. Sua conta e também a que criou para a filha tem quase 100 mil seguidores.
Além dos milhões de torcedores que conquistaram ao longo de 15 anos de carreira, os Bryan também somam amigos, entre eles os brasileiros. Rivais no circuito e na primeira rodada da Copa Davis em 2013, Melo e Soares são alguns dos principais colegas dos americanos, porém um nome, também vindo de Minas Gerais, merece destaque na lista: André Sá.
O brasileiro com mais participações em Jogos Olímpicos (três aparições) e que figurou por muito tempo no top 50 da ATP treinou na mesma academia de Bob e Mike e, por várias vezes, ficou hospedado na casa dos amigos durante torneios menores no início da carreira. Bons de memória, os gêmeos contam as várias histórias que passaram juntos de Sá, um dos seus melhores amigos e também uma das "vozes mais belas" entre os jogadores.
"Somos bem próximos. Crescemos na mesma época. Lembro que um dos nossos primeiros jogos no circuito foi contra o André e Nelson Aerts, foi um dos tiebreaks mais longos que jogamos. Nós perdemos por 21 a 19 em San Jose. Uma vez, lembro que treinamos com ele a semana toda e vencemos quase todas as vezes com placares de 6/1, 6/0, ele estava horrível. Na semana seguinte, fomos jogar um Challenger, a chave de simples. André ficou com o título e nós perdemos cedo. Pensamos: 'Uau, ele sabe mesmo dar um passo adiante quando precisa'. Todos o adoram. Ele é só mais um exemplo de como os brasileiros são legais e divertidos. Nos torneios, às vezes, tocamos juntos [Bob e Mike têm uma banda - 'The Bryan Bros.' -, em que o primeiro fica no teclado e o segundo toca bateria e guitarra], gravamos algumas músicas, ele tem uma bela voz. Às vezes, é tímido para usá-la, mas tem talento. Em quadra, ele tem uma das melhores devoluções do circuito. O seu serviço, às vezes, deixa-o em apuros. Dizemos que quanto mais longo fica o jogo, melhor para André, é mais difícil batê-lo", comentam, fazendo referência à partida de estreia nas Olimpíadas de Londres, em que ficaram a dois pontos de perder para Sá e Thomaz Bellucci.
Em 2013, mais uma temporada começa para os irmãos Bryan e, caso cheguem à 13ª taça de Grand Slam, tornar-se-ão os maiores vencedores da série na modalidade, ultrapassando os australianos Tony Roche e John Newcombe. Talvez seja o único feito que ainda lhes resta bater. Mas, com família para criar, filha para trocar fraldas, contas bancárias gigantescas, voltemos ao princípio - por que eles continuam na luta? Eis a palavra, sempre em dupla, dos protagonistas: "Apreciamos muito a experiência de jogar, de aproveitar os torneios. Sabemos que não jogaremos esses torneios para sempre, teremos mais três ou quatro Wimbledon, esperamos que mais uma Olimpíada. Então, sempre procuramos nos pressionar a vencer quando entramos em quadra, tentamos melhorar e procurar evoluir, imaginar maneiras de nos mantermos como número um do mundo. Ver os outros jogadores mudando de parceiros, tentando nos alcançar faz com que voltemos ao plano inicial a fim de tentarmos coisas diferentes, sermos melhores atletas. Acho que é isso o que nos mantém motivados a continuar jogando, o desafio de descobrir como melhorar conforme você envelhece."
RAIO-XRobert Charles Bryan (Bob Bryan) Michael Carl Bryan (Mike Bryan) JUNTOS12 títulos de Grand Slam |
Publicado em 26 de Dezembro de 2012 às 09:05
Analisamos os golpes do suíço em São Paulo