Jovem alagoano Tiago Fernandes tornou-se primeiro juvenil brasileiro vencer um torneio de Grand Slam. A vitória do menino, que atualmente treina na academia de Larri Passos (ex-técnico de Guga), enche Brasil de esperança e mostra quão forte pode ser tê...
Banhada por 15 praias, com um mar ora verde, ora azul, Maceió é uma das mais belas cidades brasileiras. Pequena se comparada a outras capitais, destaca-se pelas águas mornas e cristalinas, além dos arrecifes que formam exuberantes piscinas naturais. Conhecida pelas paradisíacas paisagens, porém, não tem a mesma força e estrutura econômica das vizinhas nordestinas Recife e Salvador, muito menos das mais distantes São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e demais capitais do eixo Sul-Sudeste.
Cenário calmo e muitas vezes distante da grande mídia, desperta a paixão de quem lá vive, mas cai muitas vezes no esquecimento do resto do país. Neste quadro, regado ao mesmo tempo de beleza e falta de apoio, despontou um garoto daqueles que podemos chamar de "jóia rara", um menino que viria a levar o nome da cidade para o topo do tênis mundial - pelo menos por enquanto, entre os garotos. Na Austrália, na semana em que completava seus 17 anos, Tiago Fernandes entrou para a história do esporte brasileiro. Jogando um tênis de gente grande, que nada deve a muitos hoje já profissionais, este alagoano de sorriso fácil, boa conversa e bastante simpatia tornou-se apenas o quarto brasileiro a vencer um título de Grand Slam. Antes dele, apenas a paulista Maria Esther Bueno (com seus 19 títulos), o catarinense Gustavo Kuerten (tricampeão de Roland Garros) e o gaúcho Thomaz Koch (campeão de duplas mistas também na França) - todos nascidos no Sul e Sudeste do país - haviam alcançado tal façanha.
Se o sotaque não nega as origens, as palavras de Tiago também mostram o orgulho e o carinho que tem por sua terra. Descartando fazer previsões para o futuro, dedica o importante título a todos os nordestinos, além de prometer ajudar no que for preciso para estruturar o tênis na região.
Direto de Melbourne, momentos após bater o australiano Sean Berman na decisão do Australian Open juvenil, o mais novo pupilo de Larri Passos falou com exclusividade à Revista TÊNIS. A ficha, segundo ele, ainda não havia caído, mas nada que o impedisse de contar a curiosa e batalhada história que o fez cruzar o País e passar a treinar sob os cuidados do ex-técnico de Guga - justamente seu ídolo e maior nome da história do tênis no Brasil - em Balneário Camboriu
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"Não só apareci para o mundo do tênis como pude jogar ao lado do meu maior ídolo" |
Fale sobre a sua história no tênis, como começou a jogar?
Comecei fazendo natação no meu clube de Maceió, o Jaraguá Tênis Clube. Após as aulas, ficava o dia inteiro por lá sem fazer nada. Então, pedi para minha mãe me colocar na escolinha de tênis, já que meu pai já batia uma bolinha. Eu tinha seis anos, justamente na época em que o Guga estava no auge, em 1999. Então comecei a jogar, inspirado nele. Aos 12, comecei a jogar torneios brasileiros, comecei a me destacar.
A partir daí, como seguiu a sua rotina de treinos?
Até os 12, treinava três vezes por semana, divididos entre o Jaraguá e a Bio Tênis, uma academia também de Maceió. Com 14 anos, enquanto disputava um torneio em Brasília, o Chapecó (apelido do ex-tenista Carlos Chabalgoity) se ofereceu para ser meu técnico, me chamou para um período de testes em São Paulo. Durante um ano inteiro segui viajando com ele em todos os torneios, mas continuava treinando em Maceió. Foi uma experiência bem legal, me ajudou bastante.
Quando e como surgiu a oportunidade de mudar para Santa Catarina e treinar com o Larri?
No meu segundo ano dos 14, estava jogando bem e obtendo grandes resultados. Ganhei o Eddie Herr e fiz quartasde- final no Orange Bowl, ambos nos Estados Unidos. Foi quando chamei a atenção do peruano Jorge Salkeld, que hoje é meu empresário. Ele já trabalhava com o Guga desde antes do primeiro título em Roland Garros, o que lhe dava bastante credibilidade. Ele conversou com meu pai, viram o que era melhor para mim e nos acertamos. Com a relação já estreita que ele tinha com o Larri, me convidou para fazer alguns testes lá em Balneário. Fui, gostei e acabei ficando.
Qual a importância, mesmo muito jovem, de já ter um agente cuidando dos detalhes de sua carreira?
Realmente isso faz uma diferença grande. Primeiro assinamos um contrato de um ano para ver como seria, e continuo com ele até hoje. Ele vê questões de contratos, patrocinadores. Reserva para mim os hotéis, casas, viagens. Tudo que preciso fora das quadras. Só preciso me concentrar na bolinha e na raquete.
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A partir daí, como passou a ser sua vida em Santa Catarina, a milhares de quilômetros de distância de Maceió?
Tem sido muito legal, me adaptei melhor do que imaginava. No começo, foi um pouco difícil, fiquei longe da família. Mas sempre que possível eles vêm me visitar ou o Larri me libera para ir a Maceió. Infelizmente, no Brasil, não temos muitas opções. Nós, garotos, temos que mudar para os grandes centros, onde teremos uma estrutura adequada para treinar. Mas a cidade de Balneário Camboriu é muito tranquila, tem a praia, é bem parecida com minha terra [risos]. Hoje moro em um apartamento com o Bruno (Semenzato, amigo e também juvenil), dá para se virar legal.
E o seu tênis, em que velocidade passou a evoluir?
Pô, cara! Acho que tive um processo de evolução bem grande. No ano passado começamos a viajar bastante e já comecei a ter alguns resultados legais. Venho crescendo bastante a parte física, evoluindo a parte mental, aprendo realmente como jogar, o que fazer em quadra. Hoje viajo junto com o Marcus Barbosa, o Bocão, meu técnico, um cara muito experiente e que conhece muito bem o circuito. Esse acompanhamento é muito importante, essa estrutura ajuda bastante. Ele já sabe o que fazer, a rotina que devo seguir. Acredito que já saio com uma vantagem em relação aos garotos que viajam sozinhos.
Em 2008, Guga lhe convidou para disputar a chave de duplas do Aberto de Santa Catarina, um dos últimos torneios dele como profissional. Como foi essa experiência?
Eu já estava treinando com o Larri, ainda nos primeiros meses. Essa oportunidade que eles me deram foi incrível. O Guga se despedindo de sua vitoriosa carreira, dentro do Brasil, todos os olhares voltados para o torneio. Foi a primeira vez que vivi um momento como esse, passei a ser conhecido e procurado. Hoje, quando vou para a quadra para um jogo importante já vou mais vivido, mais experiente. Aquele friozinho na barriga eu já passei, já sei como é. Joguei com quadra cheia, uma experiência até então desconhecida. Perdemos, mas certamente jamais me esquecerei desse momento. Não só apareci para o mundo do tênis como pude jogar ao lado do meu maior ídolo.
Hoje, qual a sua relação com o Guga?
O Guga para mim, além de um espelho, é um amigo. Ele está sempre que possível lá na academia, bate uma bola com o pessoal. Ele está sempre ligando para o Larri e perguntando como estou, como vai meu jogo. Está sempre preocupado não só com a minha evolução, como a de todos os meninos que treinam por lá. Nunca vou esquecer a oportunidade que ele me deu. É um cara fantástico como pessoa e, como jogador, não preciso nem falar, né? O que ele e o Larri fizeram é algo impensável no Brasil, ganhou três Grand Slams, liderou o ranking por quase um ano. Foram incríveis!
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Pouco mais de um ano depois, outro grande momento. Mais novo entre todos os inscritos, você atingiu as quartas no US Open juvenil e perdeu para o já profissional e revelação australiana Bernard Tomic. Conte-nos um pouco sobre o torneio.
Para mim ali foi uma espécie de começo. Já tinha jogado Roland Garros e Wimbledon, mas não tinha ido tão bem. Comecei o torneio e fui me destacando. Ganhei três bons jogos, sendo de dois cabeças, o Andrea Collarini e o Julien Obry (então dois dos melhores juvenis no ranking). Mas, nas quartas, contra o Tomic, não deu. O cara já era profissional, já tinha experiências que eu ainda não tinha. Mas acho que daqui a pouco vou pegar ele por aí, vou alcançá-lo. Estou trabalhando para isso.
Para você, qual a importância de estar jogando os Grand Slams juvenis?
O mais importante é estar no clima de um torneio como esse, poder ver como os caras (profissionais) fazem. Ver como é a rotina deles, assistir vários jogos, estar sempre aprendendo. Tenho a chance de treinar com alguns profissionais, na maioria das vezes os próprios brasileiros. Além disso, se um dia eu voltar aqui para jogar como profissional, já vou saber como funcionam as coisas, já tive a chance de jogar na quadra central. Com certeza, as coisas serão mais fáceis para mim do que para garotos que ainda não viveram essa experiência.
Nos últimos anos, o Brasil sempre teve bons juvenis no ranking da ITF, mas nenhuma grande campanha em Grand Slam. Agora, com você e com o Guilherme Clezar (chegou nas quartas-de-final em Roland Garros 2009 e no Australian Open 2010) as coisas parecem estar mudando. O que vocês têm de diferente?
Realmente sempre tivemos bons juvenis. Não sei te dizer o porquê de eles não terem conseguido repetir esses resultados em Grand Slams. Posso falar pelo Guilherme e principalmente por mim. Hoje a gente têm uma estrutura muito boa de treinamento, estamos fazendo as coisas certas. Os resultados são frutos do nosso trabalho, que acredito tem sido muito bem feito. Espero que daqui para frente essa história mude, que possamos ver vários brasileiros realizando grandes campanhas nesses torneios.
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"O Guga para mim, além de um espelho, é um amigo" |
Conte um pouco sobre o título. Já caiu a ficha? Qual a sensação de ser um campeão de Grand Slam?
Não caiu a ficha ainda não. Estou muito feliz. Consegui manter bem o controle no começo do jogo, conter o nervosismo, o que foi muito importante. Na semana passada cheguei aqui e vi o jogo do Hocevar na Rod Laver, contra o Hewitt, e sequer imaginava que iria jogar ali. Quando ganhei a semifinal e me falaram que eu jogaria nesta quadra até me arrepiei. Agora é aproveitar esse momento, desfrutar e, em seguida, voltar a treinar forte, como sempre fiz.
E como está sendo agora lidar com o acesso da mídia, ter de realizar entrevistas em inglês, ser procurado por todas as partes?
Pô... Espero que sempre aconteçam essas coisas. Isso só acontece quando você joga bem, quando ganha. Caras bons estão acostumados a isso e espero sempre passar por isso também. Mas são coisas novas, claro, ainda é um pouco estranho. Fiz até exame antidoping pela primeira vez. É tudo muito novo.
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Como você se vê daqui a alguns anos?
Para ser sincero, espero apenas desfrutar um dia após o outro. Procurar trabalhar duro sempre, já que acredito que nada acontece sem muito esforço e dedicação. Tem que sofrer, tem que gostar de sofrer, mas sofrer feliz. Tem que treinar, fazer fisio, correr, suar. Não gosto de visualizar muito daqui a alguns anos, e sim trabalhar bastante e seguir desfrutando cada momento.
Como é a repercussão de seus resultados em Maceió?
O pessoal lá me acompanha bastante. Sempre que volto de grandes torneios me procuram para entrevistas, conversam comigo. Algumas pessoas me reconhecem, o que é bastante legal. Não sei como está sendo agora, porque durante torneios prefiro ficar um pouco afastado dessas coisas.
Como é ser um tenista do nordeste?
É incrível isso, né, cara? Maceió, uma cidadezinha que não tem cultura tenística nenhuma. No Brasil, o pessoal vive o tênis mais no Sul e no Sudeste, o que dificulta para nós do Nordeste. Como nordestino, queria agradecer todo o pessoal da minha terra e dizer que procuro dar ainda muitas felicidades para eles. É um povo sofrido, batalhador, merece tudo isso e muito mais. Amo muito aquilo ali, a cidade que me criou, onde tudo começou. Dedico esse título a todos eles, a meus pais, meus irmãos e toda a minha família e amigos.
Se algum dia você realmente vier a ser um tenista consagrado, acredita que seu sucesso possa alavancar o tênis do Nordeste?
Olha cara, como disse, não penso muito no futuro. Mas, sinceramente, espero muito que o tênis cresça por ali. Que tenhamos mais academias, mais quadras. Espero, claro, poder ajudar. Seria um sonho. Se no futuro eu vier a ser um profissional, com certeza vou tentar ajudar, mais ou menos como o Guga tenta fazer em Floripa. Ele está sempre por lá, integrando todo mundo, falando com as crianças. Quem sabe um dia eu tenha essa chance de poder ajudar as pessoas da minha terra.
Sabemos que você não gosta de fazer muitas previsões sobre o futuro, mas qual o seu grande sonho no tênis?
Em curto prazo, meu sonho foi realizado hoje aqui, que era ganhar um Grand Slam juvenil. Meu grande sonho, porém, é ganhar um Grand Slam profissional, claro. Acho Roland Garros e Wimbledon um pouco mais especiais, mais charmosos, tradicionais. Mas Grand Slam é Grand Slam, né? Sonho também em jogar a Copa Davis, sentir aquele espírito de equipe, defender as cores do meu país. Seria uma oportunidade incrível. Para tudo isso, claro, volto a falar: tenho que treinar ainda mais, não medir nenhum esforço. Isso que ganhei hoje, espero, foi apenas o começo.
Tiago Fernandes
Nascimento
23/01/1993
Campanha No Australian Open 2010
1 rodada
venceu Cedrick Commin(FRA)
3/6, 6/3 e 6/4
2 rodada
venceu Tobias Blomgren (SWE)
7/5 e 6/2
Oitavas-de-final
venceu Mitchell Frank (USA)
6/3, 4/6 e 7/5
Quartas-de-final
venceu Suk-Young Jeong (KOR)
7/6(4) e 7/5
Semifinal
venceu Gianni Mina (FRA)
4/6, 7/6(5) e 6/2
Final
venceu Sean Berman (USA)
7/5 e 6/3
Publicado em 22 de Fevereiro de 2010 às 13:36