ENTREVISTA del Potro

Juan Martin del Potro

Protótipo do jogador moderno - alto e rápido - a jovem promessa de Tandil explodiu em 2008 e tem tudo para ser o tão sonhado número um argentino


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Quem acompanha o tênis juvenil ouve falar do argentino Juan Martin del Potro desde 2002, quando ele tinha 14 anos e venceu a Copa Gerdau em Porto Alegre. O menino, já alto para a idade, ainda venceria o Orange Bowl no fim do ano também. Ali, muitos prognosticavam que ele se tornaria um grande nome do tênis. Seis anos depois, o garoto mostrou que as previsões tendem a se confirmar. Sempre cercado de grande expectativa, ainda mais pela mídia argentina cada vez mais eufórica com seus prodigiosos tenistas dos últimos anos, o garoto evoluiu e, com 18 anos, já era top 100. Logo passou a ser apontado como um provável número um. Na temporada seguinte, em 2007, já terminou entre os 50 primeiros. No início deste ano, contudo, uma lesão nas costas (na terceira vértebra lombar) parecia que seguraria seu crescimento.

Afastado por dois meses, del Potro começou a trabalhar com Franco Davin, top 30 na década de 90 e ex-treinador de Gaston Gaudio. Em maio, na primeira rodada do Masters Series de Roma, novo problema nas costas o tirou da tumultuada partida contra Andy Murray. Adversários desde os tempos de juvenil, o britânico discutiu com o argentino que teria falado algo sobre sua mãe. O clima ficou tenso. Dias depois, em Roland Garros, “Delpo”, “Palito” ou “Potrillo” – como tem sido carinhosamente chamado – já estava recuperado da lesão e, ao que tudo indica, pronto para os títulos.

Em julho começou uma incrível seqüência de quatro conquistas, duas no saibro, em Stuttgart e Kitzbuhel, e duas em quadra dura, Los Angeles e Washington. Foram 19 vitórias e apenas dois sets perdidos pelo caminho. Eram os primeiros títulos de ATP do jovem de Tandil – cidade da província de Buenos Aires, onde também nasceram Juan Monaco, Diego Junqueira, Maximo Gonzalez e Mariano Zabaleta. Nunca antes um tenista havia conseguido série parecida após seu primeiro troféu. Juan Martin del Potro também igualou o feito de outros 11 adolescentes ao vencer tantos torneios no mesmo ano. Melhor ainda saber que 10 deles futuramente se tornaram número um do mundo.

O argentino chegou ao US Open como 17º cabeça-de-chave e venceu mais quatro partidas (Guillermo Cañas, Thomaz Bellucci, Gilles Simon e Kei Nishikori) antes de reencontrar Murray nas quartas. Delpo, visivelmente cansado devido à extenuante seqüência de jogos, novamente perdeu, mas não sem lutar por mais de quatro horas. Logo o garoto apareceu para a coletiva. Com olhos marejados, respondeu as poucas perguntas em inglês e, em seguida, como de praxe, uma roda de jornalistas argentinos se formou ao redor do mais novo ídolo do país. O jovem, porém, desabou em lágrimas após três perguntas dos compatriotas. Seu resultado foi incrível, mas, internamente, ele queria mais e sabia que podia ter ido ainda melhor. No fim, os jornalistas o consolaram, pois sabem que del Potro tem muito ainda para dar. Nesta entrevista, realizada pouco antes do US Open, por Eduardo Puppo, diretor editorial da revista argentina Solo Tenis, você descobrirá o que pensa o jovem que tem tudo para ser o primeiro argentino número um da história.

Você começou o ano com algumas mudanças, de treinador, corte de cabelo…
Sim, queria fazer algo radical, mudar o rumo de alguma maneira. Mudei de cabelo comprido para curto porque sempre é bom renovar a imagem. Te dá mais vontade, ao menos foi como senti: ano novo, novo penteado... Mas, a princípio, não foi muito bem porque me lesionei duas vezes. Tinha feito uma pré-temporada muito boa e esses problemas atrapalharam tudo. Só pensava em voltar a jogar o quanto antes e não sentir dor. Por sorte isso se reverteu. Em junho já me senti bem e com a ajuda de Franco (Davin) rearranjei minha carreira em um momento que parecia muito complicado.

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Quando percebeu que a lesão estava superada?
Senti que as coisas mudavam desde a partida que perdi em Roland Garros contra (Simone) Bolelli. Tinha jogado muito bem, percebi que estava recuperando meu nível e era questão de tempo. Franco me dizia todos os dias que não tinha chance de errar, pois, com o saque que tenho e a maneira como estava jogando, os resultados viriam. Trabalhamos nas coisas que precisávamos e, em pouco tempo, pude ganhar. Tenho que seguir assim e dar crédito a Franco. Estava preparado para enfrentar a quem viesse, não esperava ganhar tão rápido e em uma superfície que não é minha preferida, em que os jogos são mais longos. Mas aceitei isso muito bem, porque tirou um grande peso de cima das costas, pois todos falavam de mim como uma promessa e não acontecia nada. Isso me deu tranqüilidade e mais força.

Josh Merwin - RCA Productions/BEImages Sports

O tempo parado serviu para refletir?
Quando alguém está tanto tempo parado começa a pensar se está fazendo as coisas bem, se está errando em algo, se os técnicos são os adequados, se o calendário programado é o correto. Milhões de variáveis. Mas precisei passar por coisas ruins no início do ano – só Deus sabe por que precisei passar por isso depois de tanto esforço prévio. Mas superei e tudo de ruim ficou para trás. Isso me deixou feliz. Ganhei torneios seguidos e sem sentir dores. Tomara que a partir de agora tudo seja alegria. A primeira lesão foi a mais difícil, pois fiquei dois meses sem jogar. Depois veio uma fissura, quase lógica, segundo explicaram os médicos, conseqüência da lesão anterior. Por isso me senti tão feliz de jogar tantas partidas seguidas sem sentir dor. Trabalhei muito e confiei nas pessoas que tenho ao meu lado. Esse sofrimento por ver que não podia dar o máximo repercutiu em um estresse que, por ser alto, concentrou-se nas minhas costas. Quando voltei a jogar, tinha que tirar todas as coisas negativas ganhando, não havia outra forma. Por isso festejei tanto as vitórias. Em Stuttgart, ria de nervoso, de tão bem que joguei, da garra que empreguei, da emoção que sentia... Na Áustria foi mais fácil, mas também festejei porque não se ganha títulos todos os dias...

"Tirou um grande peso de cima das costas, pois todos falavam de mim como uma promessa e não acontecia nada"

Quanto influiu a pressão para que evoluísse?
Tive dias muito ruins. Com a lesão e a pressão das pessoas, já não sabia muito bem o que fazer. Mas, ao começar a treinar com Franco, que é uma pessoa muito segura de si e trabalhou com tenistas muito bons, me acalmei. Ele sabe o que sinto e tira a pressão que os que amam o tênis põem sobre mim.

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E assim começaram as vitórias...
Muitos me diziam que podia ganhar, que não estava tão longe. Inclusive com referências de alguns dos melhores do mundo, coisa que me surpreendeu. Mas, se as pessoas que entendem de tênis opinam desse modo, quer dizer que devo ter algo de bom, ainda que custe estar tranqüilo depois do ano ruim que tive com os problemas físicos. Nestes torneios pude demonstrar que podia jogar de igual para igual contra qualquer um. O melhor é que começo a acreditar nisso. Agora vão esperar que eu ganhe, não que chegue às quartas-de-final ou semi, e isso talvez pressione um pouquinho, mas o importante é terminar de definir meu jogo, mais do que ganhar. E estabilizar meu saque, que é uma arma fundamental para jogar partidas importantes. Quando tudo isso estiver pronto, tentarei dar um saltinho a mais. A princípio, não nos pusemos uma meta de ranking, mas ao passar ao 25º, a distância até o 15º e 12º não é tão grande, então pode-se aspirar a isso para antes do fim do ano. Mas o essencial é seguir melhorando para me consolidar e iniciar 2009 da melhor maneira possível.

Jeff Zelevansky/Getty Images

Agora você é candidato a título em todos os torneios...
Isso é bom, mas também há muitos outros melhores que eu que são favoritos indiscutíveis. É importante que te classifiquem assim, mas isso quer dizer unicamente que estou no caminho certo, não que seja uma obrigação ou uma pressão sobre mim. Já me comparam com Nalbandian, dizem que posso conseguir as coisas que ele fez ou mais... E, na realidade, só tenho condições para tentar chegar a esse nível, nada mais.

O que você trabalha com Davin para ter um saque contundente e seguro?
Desde criança soube que era fundamental, mas como machucava mais do fundo do que com o saque, não me preocupava muito. Hoje vejo que é vital e que tenho a chance de aproveitar melhor. Para ganhar dos melhores, tenho que contar com um grande serviço. Tem que ser bom, mas, além disso, executá-lo com a maior confiança possível, se não, complica. Com a minha altura e com a técnica que tenho, devo aproveitar isso ao máximo. Se ganho meu saque, depois é questão de tentar quebrar. E sinto que os rivais temem um cara de quase dois metros que saca a 230 km/h. É uma vantagem natural que tenho. Variamos o movimento, a técnica um pouquinho e melhorou o problema das costas, porque antes repercutia nesse local. Agora é mais natural e não saco tão forte quanto posso, pois devo cuidar das costas a qualquer custo.

Qual foi o ganho que teve com Davin como treinador?
Ele tem muita experiência, viveu grandes momentos. Quando ganhei Stuttgart me fez ver que estava pronto para isso e muito mais. Ele me disse as palavras certas nos instantes-chave. Contra Bolelli, na Alemanha, disse que, se não começasse a pegar mais forte, perderia. E teve razão. E, como essa, tantas outras coisas. É muito bom ter uma pessoa como ele ao lado. Depois de analisar as propostas que tinha, ele era quem mais se aproximava de mim. Mas, acima de tudo, por sua simplicidade e sabedoria. Sinto-me muito cômodo e feliz com a decisão. Ele me dá confiança e vê o tênis de uma maneira especial e, por enquanto, não está errando.

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Incomoda que sempre comentem sobre sua estatura, que fiquem lembrando o quão alto você é?
Já me acostumei. Para o tênis, não me incomoda em nada e, na vida, tampouco. Sou alto, mas não que as pessoas digam: “Veja que animal”. Para o tênis, isso é bárbaro para o saque, o alcance, as alavancas, os braços compridos; é fundamental. Hoje em dia, ser alto e se mover bem são vantagens. Com o avanço no trabalho físico, se transformou em vantagem. Toda minha família é alta e já sabíamos que seria alto. Mas trabalhei meu físico desde pequeno, desde os 10 anos, e, por isso, posso suportar as exigências. De qualquer forma, sei que tenho que cuidar mais do meu físico e esse é o principal ponto de atenção. Tenho que ser prudente com o trabalho, não fazer turnês muitos extensas, jogar poucos torneios ou os mais importantes. Não estou pronto para jogar quatro torneios seguidos com partidas todos os dias. Preferimos mais qualidade que quantidade.

Todos dizem que você joga bem em qualquer piso. O que acha?
Sim, tenho a sorte de me adaptar, mas é preciso acreditar também. Por mais que venham e te digam o quanto joga bem, se você não acha que pode, não conseguirá. Nasci em quadra de saibro e me sinto cômodo ali, mas gosto mais das quadras rápidas. Nos torneios que ganhei sobre saibro, havia um pouco de altitude e isso me ajudou. É um tênis mais rápido, o saque quica muito mais. Visamos a turnê de quadras lentas e fui muito bem, porém a última parte do ano é em quadra rápidas e tenho que aproveitar.

Quem são os tenistas de sua geração que você acredita que podem ir bem?
Acho que Ernests Gulbis e Marin Cilic são dois que estão no mesmo nível que eu. Também são altos e nasceram em 1988. Tomara que seja uma nova tendência! Por enquanto, estou um pouquinho melhor, mas há poucos meses, eram eles que estavam bem. Se os três fizerem as coisas que devem ser feitas e seguirmos melhorando, quem sabe amanhã estaremos juntos lutando muito mais acima.

"Nestes torneios pude demonstrar que podia jogar de igual para igual contra qualquer um. O melhor é que começo a acreditar nisso. Agora vão esperar que eu ganhe, não que chegue às quartas-de-final ou semi, e isso talvez pressione um pouquinho, mas o importante é terminar de definir meu jogo, mais do que ganhar"

Que diferença você vê entre juvenis e profissionais?
Estava acostumado a ganhar jogos seguidos, sempre voltava das turnês com algum troféu, alguma final. Fazia dois anos que tudo isso já não existia para mim, se bem que ganhei um par de Challengers. Entre os profissionais é diferente, mas é muito bom participar dos melhores torneios juvenis, os Grand Slams, porque essa experiência depois é vital. Serve para conhecer o terreno que você vai pisar quando o tênis se transformar em seu trabalho. Tem que desfrutar disso somente como um jogo quando se é mais jovem.

Arnaldo Grizzo

O que lhe atrapalhou mais ao passar ao profissionalismo?
O salto foi muito rápido e, por sorte, não tive tantas complicações como os outros. Acho que com 16 anos comecei em 1000º do ranking e terminei em 150º e, no ano seguinte, já estava 80 e pouco na metade do ano. Foi muito rápido, quase sem pensar. Estanquei um pouco em 2007, quando as pessoas esperavam mais de mim. Mas não pude cumprir, não com as minhas expectativas, mas, sim, com as coisas que prognosticavam. Em 2008, dei a volta em tudo, passei pelas coisas ruins e vieram as boas.

Qual torneio juvenil mais recorda?
O que mais alegria me deu, não ganhei. Uma espécie de Grand Slam, a Copa Bonfiglio, na Itália. Também o Avvenire, que venci com 14 anos e o Orange Bowl. Porque foram torneios em três categorias distintas, nos 12, 14 e 16 anos. Aqueles triunfos você não esquece nunca. Hoje acho que vou me lembrar também dos torneios ATP que ganhei, não somente o primeiro, porque foram juntos.

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Quais são seus modelos no circuito?
Gosto muito do Hewitt e do Safin, são meus dois ídolos. Me agrada a qualidade do jogo que Marat possui e o estilo. Gosto de imitá-lo. E Hewitt pela entrega e a presença que tem dentro de quadra. Se posso mesclar essas coisas seria bom, mas também gostaria de ter meu próprio estilo, um pouco de originalidade.

Como está lidando com a mídia?
É meio louco chegar ao aeroporto e ver que todos começam a te aplaudir, que haja câmeras e telefones o tempo todo. Mas se isso está acontecendo é porque as coisas ocorreram, porque fomos bem e tomara que isso siga porque qualquer um gostaria de estar falando a uma câmera de televisão de coisas boas que aconteceram. Espero que isso tudo prossiga, que não termine e, inclusive, que venham coisas melhores.

Josh Merwin - RCA Productions/BEImages Sports

O que acontece em Tandil para ter tantos tenistas?
Em Tandil está “Negro” (Marcelo) Gomez (treinador), que nos pega quando crianças e nos faz jogar bem, não há nada que se possa fazer. A cidade é bárbara, bom clima, clubes lindos. Dão condições para que saiam jogadores. Tomara que continue assim para que se fale de Tandil em todo o mundo. Somos vários os que hoje estamos no circuito e nos ajudamos. No dia da final de Stuttgart, Monaco me mandou vários conselhos por mensagem, que entrasse tranqüilo e desfrutasse... E isso, que veio de alguém que é tão amigo, me deu uma tranqüilidade extra.

"Por mais que venham (Guillermo) Vilas ou Deus e te digam que vai ser número um do mundo, se não trabalha ou não faz bem as coisas, não vai conseguir..."

Alguma vez Marcelo Gomez disse que você ia ser número um do mundo?
Sim, me disse. Acho que é algo muito, muito grande, um sonho que temos – o maior sonho de todos – e acima de tudo meu. Mas deve-se ir passo a passo. Este ano comecei muito complicado e agora dei a volta e posso desfrutar de coisas lindas, de me ver bem no ranking – em que gostaria de me ver ainda mais alto. Talvez termine a temporada entre os 15 melhores, o que seria muito bom para começar bem em 2009, quando não tenho nada para defender.

Gomez é o “mago” de Tandil?
Ele descobriu muitos jogadores e nunca errou. Igualmente, podem saber muito de tênis e podem dizer que você vai ser um bom jogador, mas depois alguém precisa levar a cabo. Se você tem as armas e sabe utilizá-las, talvez amanhã tenham razão, mas é preciso passar por alguém. Por mais que venham (Guillermo) Vilas ou Deus e te digam que vai ser número um do mundo, se não trabalha ou não faz bem as coisas, não vai conseguir...

Você é muito religioso? Toda vez que ganha se benze várias vezes...
É pela minha irmã, que me apóia sempre lá do céu. Gosto de fazer isso e cada vez que faço algo lindo ou vou bem no que tento fazer, ofereço a ela, porque ela cuida de mim.

Tem alguma superstição?
Nos torneios que ganhei, o que fiz antes de cada final foi pôr uma camiseta do Boca Juniors na raqueteira.

Eduardo Puppo

Publicado em 1 de Outubro de 2008 às 09:23


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Artigo publicado nesta revista