Gabriela Sabatini

Para muitos, ela foi a primeira das musas do tênis. Gaby encantou multidões e ainda hoje continua belíssima. Desde que abandonou as quadras, aos 26 anos, não quis mais saber da raquete e preferiu "viver"


Arnaldo GrizzoA avenida del Libertador é uma das principais de Buenos Aires. Em sua extensão há diversos clubes de tênis e quadras públicas em parques. Mas é em um elegante prédio comercial que vamos encontrar uma das primeiras musas do tênis feminino, a argentina Gabriela Sabatini.

Sem os músculos da época em que jogava, ela parece ser ainda mais bela atualmente. Seu sorriso, o charme portenho e a simpatia aturdem. Assim que entro em seu escritório, ela cumprimenta cordialmente com a imponência de uma rainha. Mas, com verdadeira solicitude, ela logo pergunta sobre Guga e começamos a conversar sobre o tênis brasileiro e argentino.

Doze anos após se aposentar, Gaby ainda se interessa pelo esporte que a eternizou, mas vê-la em quadra é praticamente impossível. Desde que anunciou sua aposentadoria abruptamente - em uma conferência de imprensa no Madison Square Garden em Nova York, na quinta-feira, 24 de outubro de 1996 -, com apenas 26 anos e ainda em 29º lugar do ranking feminino, a argentina se afastou das quadras em definitivo. Não fez turnê de despedida, deixou de treinar e não quis mais saber de jogar. Só muito raramente aceita participar de uma exibição. Dizia que queria "viver".

A conversa continua e ela pergunta sobre o Brasil, com real interesse. Contudo, preciso começar a entrevista. É importante entender por que aquela mulher deixou o tênis tão subitamente. Mas a verdade é que, para quem tomou a raquete na mão com seis anos, naquela altura ela já tinha 20 anos de carreira. Menina prodígio, aos 13 anos se tornou a mais jovem campeã do Orange Bowl de 18 anos. Três anos depois já era top 10 no ranking profissional feminino.

É preciso também saber por que seus melhores momentos foram ao lado de um técnico brasileiro, Carlos Alberto Kirmayr. Foi com o auxílio dele que Gabriela mudou seu estilo de jogo - de defensivo para ofensivo - e, com isso, ganhou seu único Grand Slam, o US Open de 1990. Ela ainda esteve a dois pontos de se tornar número um do mundo na final de Wimbledon do ano seguinte, quando perdeu para sua principal rival, a alemã Steffi Graf. Hoje, elas são amigas.

Trabalhando com sua marca de perfumes, Gaby agora é empresária. A primeira fragrância com seu nome foi lançada em 1989. Atualmente, a marca está em mais de 70 países e um dos principais mercados é o Brasil. Sempre simpática, Gabriela Sabatini conversou longamente com a Revista TÊNIS e falou sobre diversos temas, mas preferiu manter a privacidade sobre sua vida pessoal. Diante de seu olhar é difícil não ficar embevecido. É como se dela emanasse um aroma inebriante irresistível. Então, só resta dizer: Extasie-se com Gaby!

Hoje se fala muito da beleza das tenistas, mas, para muitos, você foi uma das primeiras divas do tênis...
Obrigada! (risos)

Quando falavam de sua beleza, isso lhe incomodava?
Eu não dava tanta importância. O que mais me interessava era poder jogar um bom tênis, me concentrar em melhorar e seguir subindo. Quando me diziam isso, não me aborrecia.

Arnaldo GrizzoVocê é uma pessoa vaidosa?
Não me considero vaidosa. Para nada. Para mim, o mais importante sempre foi me sentir bem, além de me ver bem. Acho que se uma mulher se sente bem, o que transmite é bom. E esse é o meu segredo: poder comer bem, fazer exercícios - que é o que mais gosto de fazer -, e ser saudável. A melhor maneira de uma mulher estar bem é se sentir bem, se preocupando em progredir e crescer.

Vamos ao tênis. Qual a importância de Kirmayr para o título do US Open de 1990?
Foi muito importante. Cada um dos treinadores que tive foram importantes. Todos sempre contribuíram com algo. Mas acho que Carlos soube encontrar um outro lado de mim. Soube tirar a outra pessoa, a qual podia desfrutar também do tênis, de pequenas coisas. E depois tudo isso se refletia na quadra. Carlos deu muita alegria ao meu tênis. E entendeu bem por onde tinha que ir, por onde tinha que trabalhar. E encontrou. De fato, foram estes anos em que joguei meu melhor tênis.

Foi mais uma mudança mental ou técnica também?
Acho que foi mais mental. Técnica também, mas creio que comigo ele teria que trabalhar mais o mental. Porque tinha muito a ver com eu estar motivada. E Carlos soube tirar tudo isso, soube fazer com que me sentisse mais incentivada dentro da quadra.

Ainda mantém contato com Kirmayr?
Sim. O tempo todo. É um bom amigo. Ele veio aqui várias vezes depois. Agora faz um par de anos que não vem, mas já veio várias vezes e saímos para comer.

E você costuma ir ao Brasil?
Agora faz um tempo que não vou. Mas, sim, vou habitualmente pelos perfumes também, porque no Brasil eles estão muito bem. Normalmente vou por isso.

"A conduta da imprensa é difícil de conduzir, ainda mais quando se é jovem. Levantar pela manhã e ler o jornal que dizia algo como: "Gabriela é preguiçosa". Me afetava muito tudo isso"

Você se lembra como foi a noite anterior à final do US Open?
Não dormi bem durante todo o torneio. Nas noites antes de jogar uma partida, não conseguia dormir. E todas as noites me imaginava levantando o troféu. Já estava antecipando. Antes de dormir pensava nisso e sentia o nervosismo dessa situação. Até que chegou a final, em que estava nervosa, mas todos os dias estive nervosa, e foi incrível. Sabia que se a partida fosse muito longa, eu poderia ficar cansada. Me lembro que ganhei o primeiro set por 6/2 e me pressionei muito para tratar de ganhar em dois sets, porque saiba que contra Steffi - uma garota que luta até o final e já estava acostumada a jogar finais de Grand Slam - eu poderia me cansar um pouco. E, por sorte, pude terminar no segundo set. Foi como tocar o céu. Foi um momento que não experimentei com nenhum outro triunfo que tive.

fotos: arquivo pessoal
Sabatini ganhou o Orange Bowl aos 13 anos

O que Kirmayr lhe disse sobre a tática?
Falamos muito disso. De fato, nesse torneio foi quando comecei a jogar com mais agressividade, ir mais à rede. Na semifinal joguei contra Mary Joe Fernandez e creio que a surpreendi. Perdi o primeiro set e segui perdendo 4/3 o segundo. E comecei a ir à rede a todo momento. Voltei à partida, ganhei e contra Steffi tratei de fazer o mesmo. Me senti com muita confiança nesse tipo de jogo. Foi muito pensada a partida contra Steffi. Conversamos muito porque sabíamos que devia seguir muitíssimo à tática. E essa foi a tática que me fez ganhar dela tantas vezes. Porque era um jogo que me aborrecia muito. Então, foi fundamental o plano de jogo.

"Só sei que chegou um momento em que não desfrutava do tênis. Me levantava de manhã e pensava: "Tenho que ir treinar". E não queria. Foi uma época muito difícil. Senti uma grande necessidade de viver"

Quase um ano depois, você e Graf jogaram a final de Wimbledon e você esteve perto de ganhar novamente. Se ganhasse, seria número um do mundo. Como foi?
Estive a dois pontos de ganhar. Quando comecei a jogar Wimbledon naquele ano, comecei sem confiança, insegura e quase perco a primeira partida. E, depois, sentei para falar com Carlos e fizemos um plano. Devia mudar essa sensação de nervosismo, tensão. E dissemos que devia fazer meu jogo, sem me preocupar com nada, sendo agressiva e mudar a atitude. E comecei ganhar bem as partidas. Segui jogando igual e me encontrei com Steffi. Era uma partida que poderia ter ido para mim como foi para ela. Não me recrimino em nada e a mudança que fiz durante o torneio foi muito importante. Obviamente que não fico satisfeita por não ter ganhado. Mas o tênis é assim. E me sinto tranqüila de que fiz tudo o que pude. Joguei bem, e não foi para mim. (risos)

#Q#

Qual sua maior dificuldade jogando contra Graf?
Gostava de jogar contra Graf. Não era algo que dizia: "Isso me aborrece". Sabia que era uma jogadora que lutava por cada ponto, que não dava nada de presente. Mas me motivava muito. Ganhar dela era algo especial. Quando jogava com Steffi, tirava o melhor de mim. Era minha melhor partida. Havia outras jogadoras que, aí sim, me incomodava jogar, como Arantxa Sanchez, por exemplo. Porque era uma pessoa muito aguerrida, lutadora. E era incômodo isso, porque chegava em todas as bolas e devolvia todas.

Você se aposentou muito jovem. Kirmayr dizia que você era muito determinada, mas também já estava um pouco exausta da vida do circuito. Foi por isso que se aposentou?
É difícil saber. Só sei que chegou um momento em que não desfrutava do tênis. Me levantava de manhã e pensava: "Tenho que ir treinar". E não queria. Foi uma época muito difícil. Comecei a me sentir um pouco longe do tênis. Não estava feliz, não estava desfrutando e não sei qual foi o motivo. Não sei se, por aí, algumas partidas que perdi que me doeram muito. Pode ser também o ambiente e não poder desfrutar de outras coisas. Quando decidi deixar de jogar, senti uma liberação, porque disse: "Agora vou poder viver as coisas simples que vive qualquer pessoa". Se quero me deitar um pouco mais tarde, vou poder. Antes não podia porque era tudo muito rígido. Era como me liberar e não estar seguindo tanto uma rotina: todos os dias levantar cedo, treinar, comer bem, descansar, treinar... Então, chegou um momento que me cansou muito. Senti uma grande necessidade de viver.

fotos: arquivo pessoal
Com Kirmayr, Sabatini mudou seu estilo de jogo, passou a ser agressiva e venceu o US Open de 1990

A falta de privacidade lhe incomodava?
Sim, certamente, isso é outro tema. A conduta da imprensa é difícil de conduzir, ainda mais quando se é jovem e tem que ir aprendendo com os golpes (risos). Foi duro. Levantar pela manhã e ler o jornal que dizia algo como: "Gabriela é preguiçosa", não tem vontade, não gosta de treinar. Eu via isso e dizia: "Por que dizem isso?" Me afetava muito tudo isso. Até que um dia disse: "Não posso mais ler os jornais, mais nada. Tenho que me isolar, porque senão sofro". E você começa a se fechar, a cuidar de sua privacidade, sua intimidade, porque é muito penoso o que ocorre. Então, é um tema difícil de ir conduzindo, porque as pessoas se metem demais e, especialmente a imprensa, porque tem que buscar notícias. Era difícil às vezes.

"Carlos (Alberto Kirmayr) deu muita alegria ao meu tênis. E entendeu bem por onde tinha que ir, por onde tinha que trabalhar. De fato, foram estes anos em que joguei meu melhor tênis"

E como é hoje?
Quando estou aqui, na Argentina, não se nota praticamente. Porque sinto que este é o lugar onde vivo. Então, quero estar tranqüila, desfrutar. Quero que cada vez passe mais despercebida. E isso é o que estou tratando de conseguir. Não apareço muito nas notícias porque não quero. Estou feliz com isso. Prefiro desfrutar e fazer as coisas de que gosto e é isso.

Dizem que um dos maiores problemas das meninas para ingressar no tênis profissional é que elas costumam sentir muita saudade da família. Como foi isso para você?
No início era difícil porque gostava muito de estar aqui. Me encantava jogar tênis, era algo que queria fazer, mas sentia muita saudade. Queria estar aqui, com minha família, amigas. Quando vinha para cá e ficava uns dias, sofria para ir embora depois. Mas, uma vez que viajava, treinava, me concentrava nos torneios, pouco a pouco, ia começando a me desapegar.

Você sempre foi muito emotiva. Chorava muito após as partidas?
Não chorei tantas vezes, mas as que chorei foram duras. (risos)

Você prefere ver uma partida entre homens ou entre mulheres?
Honestamente, acompanho mais os homens. Primeiro porque há muitos argentinos e segundo porque sinto muita admiração por Federer. Gosto muito. E, no tênis das mulheres, vejo algumas partidas que são mais interessantes. Gosto de como joga Justine Henin também. Mas, em geral, vejo mais os homens.

Falta variação no tênis feminino?
Acho que sim. Isso desapareceu um pouco. Eventualmente, isso vai voltar. Também creio que esse é um tipo de jogo para ganhar das que batem forte. Porque elas jogam muito cômodas a esta altura (coloca a mão no nível da cintura), mas quando alguém joga mais alto, mais baixo, elas se sentem incomodadas. Acho que este é o jogo para vencê-las.

Qual a sua relação com o tênis hoje? Ainda ajuda a Escola Nacional Argentina de formação de novos tenistas?
Ajudo esse programa da Escola Nacional e não tenho muitas relações mais. Acompanho o tênis. Às vezes vou aos torneios, mas muito pouco. Mas nada mais. Tenho contato com algumas jogadoras. Com Steffi ainda tenho bastante contato. Somos amigas hoje.

Como você vê o tênis argentino hoje?
Há uma quantidade muito grande. Quando eu jogava, havia uns tantos também, como Martin Jaite, Alberto Mancini, Horacio de La Peña, que agora são técnicos. E houve um momento agora que tivemos três no top 10. Acho que isso é muito bom para o tênis, porque é contagioso. As pessoas voltam a jogar nos clubes. Estou contente com o que está acontecendo. Tudo é muito positivo, como foi o momento de Guga para o Brasil. São coisas que se deve aproveitar.

Mas você se sente parte disso?
Sim, acho que já fui parte disso e me alegro de ter sido parte disso, porque o tênis para mim é um esporte maravilhoso. Difícil, pois nem todo mundo pode chegar ao lugar mais alto, mas maravilhoso.

#Q#

O que você pensa quando as pessoas lhe comparam com Vilas?
É um orgulho, uma honra que me comparem com Guillermo. Ele foi muito importante, uma referência, começou a tornar o tênis mais popular aqui. E todos os tenistas sentimos uma admiração especial por Guillermo, pelo que ele fez, seu esforço e sua mentalidade.

Qual foi o legado que Gabriela Sabatini deixou ao tênis argentino?
Pelo lado das mulheres, não evoluiu, apesar de que saíram jogadoras. Mas gostaria que houvesse mais mulheres jogando. Também tem a ver com a situação econômica do país. No caso das mulheres é difícil que saiam para jogar sozinhas. Os pais não têm dinheiro suficiente para as viagens e tem que pagar o treinador, que não conhecem. Por isso, às vezes, acho que é mais difícil para as mulheres que escolham o tênis, porque é muito solitário. Para o homem, é mais fácil viajar sozinho. Para um pai, decidir que uma filha jogue tênis, é uma decisão difícil. Mas, voltando ao que pude deixar, sinto muito carinho das pessoas e sinto que fui parte de todo esse progresso que aconteceu aqui. Tomara que sigam trabalhando para criar bons tenistas.

Costuma jogar tênis ainda?
Não, muito pouco, quase nada. (risos)
Não passa pela minha cabeça jogar.

É verdade que criaram um tipo de rosa que leva o seu nome?
Foi quando eu jogava. Uma pessoa que trabalhava com plantas deu meu nome a uma das flores. Muito estranho, não? Porque não tinha nada a ver. (risos) Mas não foi algo comercializado, nem nada. Ele me enviou várias flores e as sementes para que as pudesse cultivar aqui. Muito lindas.

Por que você começou a trabalhar com perfumes?
A realidade é que uma empresa alemã me ofereceu a criação de um perfume com meu nome. Isso foi em 1986. Aceitei e me lembro que era muito interessante, porque ia jogando os torneios e me mandavam as diferentes fragrâncias e odores para que aprovasse. Era um mundo novo para mim. Mas, aos poucos, você vai escolhendo o aroma, o frasco, o pacote, tudo. Assim, em 89, saiu o primeiro perfume. Aí, a cada dois anos, uma linha nova. E agora, há três ou quatro anos, há uma linha nova todo ano. Agora há por volta de 15 perfumes diferentes com meu nome. Vende-se em mais de 70 países do mundo e, por isso, viajo bastante para promovê-los.

"Acho que é mais difícil para as mulheres que escolham o tênis, porque é muito solitário. Para um pai, decidir que uma filha jogue tênis, é uma decisão difícil"

E onde vendem mais?
No Brasil. Sério! Brasil, Alemanha, Leste Europeu. No Brasil está muito bem.

Quando jogava, você recebia muitas cartas, muitas cantadas. Quais as mais estranhas?
A mais surpreendente foi uma vez em Wimbledon. Me mandaram 500 rosas. Não sabia quem era, porque pôs as iniciais e nada mais. Os jornalistas se encarregaram de averiguar. Era um motociclista muito conhecido. Acho que era um austríaco Kevin Schwantz (na verdade ele é norte-americano). Me lembro que não entrava de nenhum lado. Colocaram todas em uma banheira com água. Era muito lindo. Isso (receber cartas) nunca me incomodou. As pessoas sempre mandam seu carinho e afeto. Sempre é muito lindo receber.

Perfil

Arquivo peossalGabriela Beatriz Sabatini

Nascimento
16 de maio de 1970 em Buenos Aires, Argentina

Altura e peso (quando jogava)
1,75m e 59kg

Carreira
Tornou-se profissional em 1985 e se aposentou em 1996
Foi número um juvenil em 1984
Venceu 27 títulos em simples (incluindo o US Open de 1990) e 14 em duplas (um em Wimbledon com Graf)
Foi medalha de prata nas Olimpíadas de Seoul 1988
Prêmios - US$ 8,785,850
Melhor ranking - 3º lugar em simples e duplas

Família
Osvaldo, pai, e Beatriz, mãe
Osvaldo Jr, irmão

Arnaldo Grizzo

Publicado em 2 de Abril de 2008 às 06:58


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista