Instrução Capacitação

Crise na educação

Se estamos enfrentando alguns problemas na educação convencional, imaginem na educação esportiva... Como lidar com isso?


Acredito demais em trocar informações com profissionais que trabalham em outras áreas do conhecimento humano para ter insights que possam ser úteis em nosso dia a dia profissional de educadores através do tênis.

Durante alguns dias de férias no Chile, conversei com pessoas que trabalham em museus – curadores, relações públicas, pesquisadores de história, conservadores do acervo, jornalistas – sobre como está a educação no país. Eles me respondem que a crise no setor educacional é mundial. No Chile, a educação vai de mal a pior, com pessoas chegando às universidades sem saber ler e escrever, como no Brasil.

A conversa também versou sobre como a ditadura militar chilena usou o sucesso de atletas como Hans Gildemeister, no tênis, e Eliseo Salazar, no automobilismo, e de times de futebol como Cobreloa, para fazer a propaganda do regime nos anos 1980. Precisamos lembrar a situação paralela das vitórias da Seleção Brasileira de Futebol e do piloto de Fórmula 1 Emerson Fittipaldi sendo usadas pelo também governo militar por aqui nos anos 1970? Acho que não.

No entanto, mais do que discutir a situação política do Chile ou de nosso País, ficou evidente que a crise na Educação tem razões políticas, sim – quanto menos preparados, menos conscientes e menos autônomos, mais manobráveis são os cidadãos.

Educação formal na era digital

Ao mesmo tempo, acontece uma crise no próprio sistema educativo para os tempos modernos. O que é educar bem uma criança hoje em dia? Que informações é preciso passar? Que habilidades desenvolver?

Se na internet encontramos tanta informação disponível, então – dizem as crianças – estudar, decorar, para quê? Se a transmissão cultural era uma das funções da educação formal de antigamente, hoje parece que a cultura produzida pela humanidade está toda lá, digitalizada, é só procurar. Mas, o que fazer com a informação? Colocá-la à serviço da evolução do ser humano e da comunidade, sim.... Mas como isso pode se relacionar com a educação esportiva, você deve estar se perguntando.

 

Como defensores entusiasmados do tênis como ferramenta educativa, não podemos deixar de lembrar aos professores de tênis que lidam com crianças que, há muito mais em jogo do que apenas ensinar forehands e backhands. Podemos escolher entre sermos “adestradores”, ensinando golpes através de infinitas repetições – os gestos esportivos –, ou sermos educadores, pensando na evolução daquela criança no longo prazo.

"Há muito mais em jogo do que apenas ensinar forehands e backhands"

A função do educador

Educadores pensam nos valores que desejam plantar enquanto desenvolvem suas crianças através do esporte. O tênis possui valores em sua essência – fair-play ou jogo justo, respeito, convivência entre homens e mulheres – que podemos usar e reforçar para desenvolvermos cidadãos plenos. Quando ensinamos aos nossos atletas que confiem nas marcações do adversário, que voltem o ponto quando tiverem dúvidas, que cumprimentem o adversário no final com gratidão, podemos dar sinais de que o espaço do jogo é um lugar seguro e agravável para se viver e se desenvolver.

Ao terem de resolver seus problemas no campo de jogo – não sabemos até quando, pois a experiência de treinadores poderem dar instruções nos torneios profissionais femininos parece que veio para ficar –, as crianças têm uma excelente oportunidade para se concentrarem, para pensarem nos desafios táticos que o adversário lhes apresenta e para criativamente desenharem suas próprias soluções. E a vida não é assim, resolução de problemas todos os dias? Para que atrapalharmos esse processo? Para que evitarmos que cresçam e sejam independentes?

Por que dar instruções “escondidas” durante suas partidas em torneios? Por que não educamos os pais a não interferirem durante as partidas de seus filhos? Entendemos que dessa maneira negamos às crianças algo que o tênis especificamente pode trazer de mais precioso aos seus praticantes: autonomia, coragem, força interior.

Experiência esportiva para a vida

O tênis ainda proporciona, àqueles que resolvem competir em torneios federados ou independentes, a oportunidade de jogar em campos diferentes, com diferentes pisos, em diferentes cidades, estados, países, quiçá... Quanto podem ganhar os tenistas em cultura, compreensão das diferenças, tolerância? Quanto nossas crianças podem ganhar?

A vida de um atleta, mesmo de um atleta amador, é difícil. Envolve muito sacrifício, dedicação, trabalho duro, bons hábitos de alimentação e de repouso, persistência, e também envolve tolerância aos desapontamentos, às derrotas e às frustrações. Mas a vida de qualquer cidadão bem sucedido também envolve tudo isso – ele só não aparece nos jornais do mundo todo beijando o troféu.

Professores, atenção! Temos possibilidades ilimitadas de proporcionar experiências esportivas plenas de emoção e significado para as crianças, usando as bolas do Play and Stay, planejando sequências pedagógicas coerentes aos níveis de habilidade de nossos alunos, e criando eventos esportivos competitivos e educativos ao mesmo tempo, com a participação de toda a família ao redor do esporte.

Agindo criativamente, podemos trazê-las para nosso mundo cheio de aventuras. Aumentando os desafios gradativamente, podemos criar um ambiente para que elas se sintam sempre capazes de enfrentá-los. Ministrando aulas divertidas, aumentaremos sua motivação para que sigam praticando.

Ou podemos também escolher fazermos tudo como sempre fizemos, re-pe-ti-ti-va-men-te. E perdermos a batalha contra os tablets. E perdermos a oportunidade de Educar com E maiúsculo, para uma sociedade mais justa e evoluída, formada por cidadãos plenos e conscientes. Está em nossas mãos.

Por Suzana Silva

Publicado em 23 de Outubro de 2015 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista