Tênis Juvenil

Conduta profissional

Com a quantidade de torneios no Brasil atualmente e tantas facilidades para um juvenil passar ao profissionalismo, é preciso tomar cuidado para não se acomodar e não se iludir


ENTRE NO SITE DA ASSOCIAÇÃO dos Tenistas Profissionais (ATP) e veja quantos torneios são disputados no Brasil ao longo da temporada. Em 2013, o calendário marcou 15 Futures, 12 Challengers e um ATP 250 em solo nacional. Tudo isso contribui para que muitos jovens tenham a oportunidade de conquistar seus primeiros pontos no ranking, e ganhem experiência para encarar o circuito profissional logo cedo.

De quebra, alguns desses torneios oferecem hospedagem e não é preciso sequer se preocupar com estadia. Parece uma ótima maneira de incentivar os jovens a tentar a carreira no tênis, mas nem sempre foi assim.

A geração de Gustavo Kuerten, Fernando Meligeni, Marcos Daniel, entre outros jogadores, não teve essas regalias, e muitos tinham que viajar “em bandos” ao redor da América do Sul para disputar os torneios juvenis e depois os antigos Satélites, equivalentes aos Futures. A falta de torneios no Brasil fazia com que grandes atletas tivessem que disputar um mesmo torneio, com chaves fortíssimas e recheadas de talentos de todo o continente.

Dessa forma, era quase impossível ver garotos de 14, 15 anos ingressarem em chaves de torneios adultos. Só raras exceções queimavam a largada e já atuavam no circuito em plena adolescência como Rafael Nadal, que venceu seu primeiro jogo de ATP com 15 anos. Mas, nos torneios atuais pelo Brasil, tornou-se costume ver novatos se ariscando no qualifying de Futures e até vencendo jogos, o que mostra uma profissionalização precoce dos nossos juvenis.

Postura de gente grande

Observa-se hoje uma maior seriedade na preparação dos mais jovens, que investem em hábitos adquiridos dos tenistas mais experientes para já estrearem nas competições do circuito profissional. Assim, é normal vermos juvenis se preocupando em estudar os adversários, dormir cedo na véspera dos jogos e fazendo uma preparação adequada visando o aspecto físico, tão primordial no tênis dominado por Nadal e Djokovic. Tudo isso faz com que o juvenil se torne mais profissional em menos tempo.

O paulistano Ricardo Hocevar lembra da sua transição do juvenil para os torneios adultos e reforça que os garotos de hoje, além da mentalidade mais séria, estão aprimorando seu jogo cada vez mais cedo e contam com vários integrantes que lhes dão suporte em suas equipes. “Quando passei pelo juvenil, eu não tinha esse nível que os garotos dessa fase jogam. Consegui chegar ao nível do Thiago Monteiro e do Guilherme Clezar quando fiquei um pouco mais velho. O meu primeiro ponto na ATP aconteceu quando tinha 20 anos. Eles, com 19, já estão entre os 300, 200 do mundo. Eles têm um time nos bastidores que assume algumas responsabilidades e podem assim se preocupar apenas com a parte técnica, evolução tática, física e mental. Hoje há um maior respaldo para eles”, opina o jogador de 28 anos.

Há dois anos priorizando o circuito profissional, Clezar aponta a regularidade como diferencial

Até 2012, Monteiro, jogador treinado por Larri Passos, mesclou torneios juvenis com profissionais em seu calendário para ganhar mais bagagem. Ele conta que a saída do circuito júnior não é fácil, porque o atleta, às vezes, acostuma-se com a rotina de vitórias e títulos, realidade que pode não acontecer nos torneios maiores. “Quando você joga o profissional, enfrenta atletas muito mais velhos, experientes, de estilos diferentes. No juvenil, os pontos são mais curtos, alguns meninos lhe respeitam, mas isso não existe no profissional. A média de idade dos jogadores no top 100 é de 26, 27 anos e, por isso, a parte física é primordial. Sei que tenho mais uns quatro anos para me estabelecer no circuito”, reconhece o cearense.

Por sua vez, Clezar, de 20 anos, já vem priorizando o circuito profissional há dois anos e destaca a maior regularidade dos rivais como principal obstáculo para quem acaba de sair do juvenil. “Para atuar nesse nível mais consistente, devo melhorar muita coisa no meu jogo, a movimentação, subida à rede, preciso me defender bem. Nesse nível, qualquer vacilo é fatal, então preciso estar sempre consciente em quadra”, afirma o gaúcho, hoje top 200.

Queda de nível

Entretanto, se a grande quantidade de torneios no Brasil permite que muitos jogadores novos se arrisquem cedo em eventos profissionais, ela também traz certa ilusão de que muitos deles têm, realmente, nível para disputar torneios do mais alto escalão. Fernando Meligeni, comentarista dos canais ESPN, faz uma comparação da sua época como juvenil com a atual e lembra que a dificuldade de entrar nas chaves é o que fazia os jogadores atuarem em seu melhor nível. “Jogar os Satélites era praticamente impossível se você não tinha pontos. Não existiam campeonatos abertos e as chaves dos torneios fechavam muito duras. Hoje, você vê garotões de 15 anos, o meu sobrinho [Felipe Meligeni Alves] jogando quali de Challenger e chegando na última rodada. Isso não mostra que ele é um fenômeno, mas que os atletas que atuaram eram da mesma idade dele. Portanto, essa precocidade acaba sendo ruim”, observa.

Marcos Daniel também não teve moleza nessa fase de transição e conta que o nível das competições era muito mais forte em comparação com as listas de hoje. “Não existiam muitos torneios no Brasil, então muitos jogadores viajavam juntos para o mesmo campeonato, o nível era altíssimo. Quando jogávamos os Satélites, eu embarcava junto com o Mariano Puerta, Gastón Gaudio, Fernando Gonzalez, Nicolas Massú, vários que viraram top 20, top 10 posteriormente. Como a dificuldade era maior, isso forçava com que nosso nível também fosse mais alto”, relata o gaúcho.

Muito arroz e feijão

Segundo ex-tenistas, juvenis não devem se iludir ao ganhar torneios em que só enfrentam outros brasileiros. É preciso testar o seu nível contra adversários diferentes

Dessa maneira, muitos jogadores e veteranos preferem que os jovens atletas do país não se arrisquem no circuito profissional sem um planejamento adequado. Experiente no circuito, o rio-pretense Thiago Alves garante que jogar torneios fracos apenas no Brasil não é uma decisão certa quando o objetivo é o amadurecimento do jovem tenista. “O juvenil tem que se preparar para os torneios da sua categoria. Só depois, se tiver nível, deveria jogar torneios em outros países, como nos Estados Unidos, Europa. Se ficar aqui e jogar um Future com uma chave só de brasileiros, o que estará acrescentando? Ele precisa conhecer outros estilos, ter contato com escolas diferentes para melhorar seu nível”, opina. Meligeni apoia o argumento: “Há muitos garotos de 15, 16 anos que têm 10 pontos no ranking só por jogar torneios fracos aqui. Sinto muito, mas ele não tem nível para nenhum ponto. Vencer com uma chave só de juvenis ou jogadores sem tanta expressão é uma ilusão. Se quer saber como está seu nível, vá para a Espanha, França, Alemanha, sendo Futures ou Challengers, e jogue. Porque, se ganhar pontos apenas no Brasil e tomar porrada na primeira rodada na Europa, é bom abrir o olho”, emenda.

Flávio Saretta também viveu na época da escassez de torneios em casa, mas crê que a experiência foi fundamental para torná-lo mais forte. No entanto, o ex-tenista, que trabalhou como treinador em São Paulo, desanima ao ver os jovens não dando valor à facilidade para jogar tênis de hoje. O paulista se assusta com a falta de vontade de muitos deles, até influenciados pelos pais, a partir do momento em que é necessário o mínimo de esforço na rotina diária do esporte. “Sinceramente me assustei com o fato de ninguém querer ‘sofrer’ um pouco mais para evoluir. Se o moleque ganha um torneio, os pais já acham que chegou em algum lugar. Daí, se você força um pouco mais o filho no treino, já reclamam ou você recebe uma ordem de cima para segurar a onda. Tratando-se de um esporte sério e visando um futuro atleta competitivo, não há tempo a perder e deve-se trabalhar muito para ser um tenista top”, defende o ex-top 50 do ranking.

Nesse contexto, vemos muitos jovens se aventurando nos primeiros torneios adultos em contato com pontos e dinheiro, que já fazem parte da nova rotina de um tenista capacitado. As maiores oportunidades estão logo à frente e de maneira mais simples do que acontecia há 10 anos, mas para terem sucesso profissional, esses meninos precisam levar a sério suas rotinas de trabalho, com comprometimento e foco.

Por Matheus Martins Fontes

Publicado em 25 de Novembro de 2013 às 00:00


Juvenil/Capacitação Associação dos Tenistas Profissionais ATP Nadal Djokovic Ricardo Hocevar

Artigo publicado nesta revista