SABR: conheça a história do golpe revitalizado por Roger Federer

O tenista suíço resgatou uma antiga tática e causou alvoroço em 2015. Saiba como usar essa estratégia

Por Arnaldo Grizzo em 30 de Novembro de 2015 às 19:00

Foto: Arquivo

Roger Federer surgiu com uma nova tática que deixou todo o mundo atônito em 2015. Diante de alguns segundos serviços de seus oponentes, ele simplesmente avançou até quase a linha de saque, golpeou a bola de bate-pronto e pegou seus oponentes desprevenidos, tendo que forçar uma passada. A estratégia mostrou-se bastante eficaz e o suíço a executou, sem receio, contra um dos maiores sacadores da atualidade, Kevin Anderson, mas também contra Andy Murray e Novak Djokovic. Tendo sucesso contra todos.

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A nova tática de Federer espantou muita gente, especialmente os mais jovens, que estão acostumados a ver os tenistas “do novo milênio” jogarem quase que 100% do tempo no fundo da quadra, vindo para a rede em pouquíssimas oportunidades – basicamente para finalizar o ponto quando já está tudo dominado. Ir à rede logo após a devolução de saque deixou de ser “moda” no final dos anos 1990.

Então, foi preciso que um treinador “das antigas” como Stefan Edberg – exímio expoente da tática de saque-e-voleio – instasse seu pupilo a tentar essa “nova jogada”. Segundo Federer, tudo começou como uma brincadeira nos treinamentos. “Fiz isso nos treinos mais como uma piada, mas fui tentando e tentando, e não me pareceu muito difícil de fazer”, revelou logo após a vitória sobre Murray em Cincinnati, no último mês de agosto. O novo golpe foi batizado pela equipe técnica de Federer de “Sabr” , que seria o acrônimo de “Sneaky attack by Roger”, algo como “Ataque surpresa de Roger”.

Para um dos tenistas mais habilidosos de todos os tempos, pegar uma bola de bate-pronto, não importa o local da quadra ou a situação da partida, realmente não é de se estranhar. Mas Federer não assumiu essa tática somente por ter facilidade na execução do golpe, mas por ela ser eficiente e extremamente incômoda para os adversários.


Tática de Federer é uma adaptação do chip-and-charge, muito usado até os anos 1980

Novidade antiga

No entanto, estaria Federer, mais uma vez, reinventando o esporte com essa novidade? Convenhamos, devolver o saque de dentro da quadra, ou mesmo perto da linha do “T” não é algo tão novo assim. Aliás, pelo contrário, é bastante antigo. Vídeos dos “primórdios” do tênis mostram os tenistas dentro da quadra (alguns muito dentro da quadra) esperando o serviço rival. Em uma época em que não havia tanta potência nos golpes, esse posicionamento fazia muito sentido, pois, dessa maneira, você tirava um pouco do tempo de reação do oponente.

Vale lembrar ainda que, até os anos 1990, muitos dos pontos do tênis eram definidos na rede. Apesar de ser muito mais lento do que hoje, as táticas eram muito agressivas. Mesmo quem não ia à rede, tentava agredir o saque de alguma forma. Basta lembrar de Michael Chang que, com 1,75 m, era um dos melhores devolvedores de sua geração. Uma de suas principais estratégias ao esperar o saque rival era entrar na quadra para, ao mesmo tempo, pressionar o adversário e cortar os ângulos. Ele executou isso com maestria especialmente na final de Roland Garros em 1989, quando venceu Edberg e se tornou o mais jovem a conquistar um Grand Slam, com meros 17 anos e quatro meses.

O Grande trunfo da estratégia não é necessariamente a conquista do ponto em questão, mas mexer com o psicológico do sacador

No entanto, desde os primórdios surgiu uma estratégia muito usada até os anos 1980, o chip-and-charge – artifício que consiste em devolver um saque com slice baixo e subir à rede para matar o ponto no voleio. Isso, aliás, está por trás da “nova” tática de Federer, já que um dos mestres na execução do chip-and-charge foi Edberg, seu treinador hoje. O golpe do suíço é uma variação disso, em que o slice, algumas vezes, é trocado por um bate-pronto seco, porém, com um avanço na quadra muito mais incisivo do que se costumava fazer antigamente. Isso talvez seja a maior causa do espanto que a nova tática vem causando.

Comprometimento

O grande trunfo da nova estratégia do suíço não é necessariamente a conquista do ponto em questão, mas mexer com o psicológico do sacador. Ninguém gosta de ter seu segundo saque atacado impiedosamente, mesmo que seja no estilo “tradicional”, com o devolvedor no fundo da quadra. Imagine então o sentimento de impotência quando você percebe que seu saque foi interceptado antes de ter tido a chance de se arrumar para a segunda bola? Quando você percebe, a bola já está no seu pé e seu rival está com a barriga grudada na rede. Por mais experiente e habilidoso que você seja, não é fácil reagir a tempo.

Assim, quando seu adversário mostra que tem esse poder intimidador, capaz de fazer um bate-pronto em seu saque, sua cabeça começa a conjecturar diversas possibilidades. E, quanto mais você pensa (no seu rival) na hora de executar o serviço, maior as chances de errar. “Isso pode quebrar o ritmo. Talvez isso possa mexer um pouco com a cabeça. Além disso, a taxa de sucesso é de mais de 50%, portanto, por que não usar com mais frequência?”, avaliou Federer.

Outro ponto que ele fez questão de ressaltar ao falar sobre essa tática foi o do “comprometimento”. Antes de “inventar” essa nova modalidade de ataque ao segundo serviço rival, Federer por vezes já executava o famoso chip-and-charge. Segundo o suíço, a nova tática é ainda mais focada do que o clássico, pois não há possibilidade de volta. “Isso faz com que você jogue mais comprometido. Às vezes [depois de bater um slice na devolução], eu ficava lá e pensava: ‘Devo ou não devo ir [à rede]’. Agora é como: ‘Ok, não importa, estou indo’”, revelou.

Ou seja, ao avançar e fazer o bate-pronto quase sobre a linha de saque, não há mais como retroceder. É preciso seguir caminho à rede e tentar finalizar o ponto ali, não importa o que aconteça. “Quando se tenta e perde o ponto, você se sente um pouco ridículo”, lembra Federer. Portanto, para funcionar, o golpe precisa ser bem executado, algo complicado já que estamos falando de um bate-pronto, uma técnica difícil de controlar.

O “SABR” pode e deve ser usado para atacar o segundo serviço do adversário. Se bem executada, estratégia pode render muitos frutos

Mas, se Federer é capaz de realizar isso diante de grandes sacadores, o que impede você de tentar contra o pessoal do seu clube? Na verdade, como essa tática depende muito de timing, ela pode funcionar ainda melhor entre os amadores, já que a velocidade dos saques (especialmente dos segundos) é muito inferior à dos profissionais, o que facilita um pouco a vida dos mais ousados.

Como executar o SABR

Para poder executar o “Sabr”, além de habilidade e timing, é preciso compreender a situação do jogo, assumir os riscos e ter um dose extra de confiança. Por isso, o segundo saque será sempre o alvo mais fácil, pois é um golpe um pouco mais lento (o que dá mais tempo de reação) e que geralmente não quica tão perto das linhas. É importante ainda ter uma boa leitura do serviço oponente. Se você percebe que ele sempre executa um segundo saque fechado no lado do iguais, por exemplo, fica mais fácil se preparar.

Outro detalhe a ser observado é a antecipação. Quem viu Federer jogando em Cincinnati e no US Open deste ano certamente notou que ele – diferentemente de Chang, que já ficava posicionado dentro da quadra para pressionar o adversário –, em um primeiro momento, fica em sua posição de devolução convencional, atrás, porém perto da linha de fundo. Quando ele se movimenta para a frente? Quando o adversário começa a lançar a bola para cima. Por quê? Porque é quando ele não tem mais visão do que o recebedor está fazendo, pois precisa estar concentrado somente na bola.

Assim, quando o sacador volta os olhos para a quadra novamente, o recebedor já está fazendo contato com a bola, que está voltando para o seu lado da quadra sem lhe dar muito tempo de reação. Mais do que isso, o devolvedor continua indo em direção à rede para criar ainda mais pressão no próximo golpe.

Ok, você se antecipou, entrou na quadra e agora? Realizar o bate-pronto não é tarefa das mais simples, especialmente diante do saque, pois o seu tempo de reação é muito curto. Mesmo Federer passou apuros ao tentar essa jogada, errando algumas bolas ou então deixando-as lentas e fáceis para que o adversário fizesse a passada.

Portanto, é interessante ter uma empunhadura definida desde o começo independentemente da direção do serviço. Aí, a Continental sai ganhando, pois pode ser usada dos dois lados (forehand e backhand) facilmente. Além disso, é preciso ter um movimento muito curto e rápido da cabeça da raquete para poder pegar a bola na subida, na altura da cintura ou até mais baixo que isso e, na frente do corpo.

Lembre-se: para um bate-pronto, não é preciso força. Você estará usando o peso da bola do oponente. Isso, teoricamente, já será suficiente para fazer com que ela volte rápido para a quadra adversária, complicando a vida do sacador.

Para onde mandar a devolução? Executar o bate-pronto já não é fácil, imagine conseguir direcionar com precisão. Ainda assim, é mais simples ter em mente uma direção, mesmo que você não consiga uma execução perfeita para que a bola vá onde você desejou. Mas, a ideia não é conseguir um winner e sim um erro do rival ou uma segunda bola tranquila para finalizar o ponto. Dessa forma, para facilitar, tente mirar nos pés do sacador, por exemplo. Isso tira ainda mais o tempo de reação dele. Outra alternativa é buscar o golpe mais fraco (como sempre) ou aquele em que você percebe que seu adversário tem mais dificuldade quando tem menos tempo para armar a batida.

A devolução por si só já gera muita pressão, mas a tática completa requer ir para a rede para finalizar o ponto. Assim, depois do contato com a bola, você precisa seguir seu caminho até a rede – lembre-se de ir em direção à bola para cobrir os ângulos e não direto para o meio da quadra. Se seu oponente conseguir fazer a bola voltar, provavelmente você terá um voleio ou um smash tranquilo para matar o ponto. E, lembre-se também: mesmo que a jogada não tenha sido executada com primor, siga “comprometido”. Vá à rede, tente fechar os ângulos, mesmo que, às vezes, pareça ridículo, como o próprio Federer admitiu.

Um detalhe: por precisar de timing quase perfeito, essa tática funciona melhor nas quadras rápidas, em que o quique da bola é mais regular. No saibro, diante de bolas que podem desviar, fica muito mais complicado, quando não, impossível.

Outro lembrete importante é o treino. Federer confessou que a ideia para a jogada nasceu de uma brincadeira que ele fazia nos treinamentos. Ou seja, ele não tirou esse coelho da cartola do nada. Portanto, se você quer tentar, primeiro é interessante treinar para não fazer um papel ainda mais ridículo. De qualquer forma, por mais ridículo que você possa parecer, talvez valha a pena tentar.

Como neutralizar o SABR

Mas e se algum adversário seu resolver dar uma de Federer e partir para cima do seu saque? Muita calma nessa hora. Primeiramente, lembre-se que executar esse bate-pronto não é fácil. Ou seja, a chance de erro é enorme. Ele não vai acertar a todo o momento, a não ser que esteja num dia muito inspirado ou seu saque seja muito previsível.

Pois bem, o segundo ponto é exatamente variar o serviço. A partir do momento em que você começar a alternar efeitos e direções, fica ainda mais complicado o timing para o bate-pronto de devolução.

Outro bom ponto, talvez o mais eficaz, é usar uma estratégia de saque que muitos ignoram: sacar no corpo. Em entrevista, Boris Becker, atualmente técnico de Djokovic, disse que os tenistas de sua geração não teriam “piedade” de Federer e sacariam em seu corpo. O alemão, obviamente, deu a entender que eles poderiam tentar acertar o suíço caso ele ousasse executar essa jogada (lembrando que caso o saque atinja o recebedor antes de tocar no chão, o ponto é do sacador), mas você não precisa chegar a esse extremo. Mirar em direção ao corpo do recebedor já é uma alternativa muito eficaz para anular essa jogada, pois diminui ainda mais o tempo dele de reação.

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