Formação

Quando meu filho deve começar a jogar torneios de tênis?

Esta dúvida sempre surge na cabeça dos pais, que precisam entender as fases de desenvolvimento dos filhos antes de lançá-los ao mundo da competição


Queimar etapas pode acabar com uma carreira

PROFESSORES, TREINADORES E PAIS precisam saber quanto o jogo pode contribuir para o desenvolvimento da inteligência na criança. O jogo de tênis, com toda a complexidade tática, psicomotora, física e emocional, oferece infinitas possibilidades de desafios imprevisíveis, que exigem do jogador constantes adaptações. Qual seria então o problema de competir precocemente?

E por que alguns jogadores parecem se desenvolver tão menos do que outros, mesmo trabalhando duro?

Para responder a essas questões, analisaremos dois processos: como o simples “jogar” evolui para o “competir”, e como a heteronomia (apenas obedecer ordens externas) se desenvolve para a autonomia. De acordo com o psicólogo e pedagogo suíço Jean Piaget, o jogo é um tipo de atividade particularmente poderosa para o exercício da vida social e da atividade construtiva da criança. A elaboração do pensamento lógico passa pela discussão de pontos de vista diferentes e pela elaboração conjunta das regras de um jogo. Esta capacidade humana natural foi identificada pelo suíço ao observar crianças brincando, entre outros jogos, de bolinha de gude nos idos de 1932.

Observando as crianças durante jogos de gude em Genebra e entrevistando-as, Piaget encontrou quatro níveis de jogo:

JOGO MOTOR INDIVIDUAL
Se pensarmos no comportamento de um bebê, ele passa grande parte do seu tempo consciente brincando com seu próprio corpo e com os objetos ao seu alcance: é o período sensório-motor. Piaget classifica esse “jogo” como “motor e individual”. O bebê brinca consigo mesmo, percebendo seu corpo e o mundo ao redor com seus cinco sentidos.

JOGO EGOCÊNTRICO
Já dos dois até cinco anos aproximadamente, acontece o jogo egocêntrico: a criança joga/brinca sozinha, pois é totalmente inábil para perceber outro ponto de vista. Não se incomoda em achar um parceiro, nem em tentar ganhar. Quando muitos jogadores estão envolvidos, todos podem ganhar nesse nível, uma vez que ganhar significa “se divertir fazendo aquilo que estava prescrito para ser feito”. As regras representam apenas rituais a serem seguidos. Podemos observar, nesta fase, crianças explorando seus brinquedos, sem compartilhá-los, ou imitando jogos adultos, sem a consciência clara das regras.

COOPERAÇÃO INCIPIENTE
A capacidade de comparar desempenhos e competir em jogos geralmente começa a se manifestar entre os cinco e os seis anos, pois a criança, nesta fase, começa a se perceber em relação aos outros, saindo de sua fase egocêntrica.

Existe uma diferença entre comparar desempenhos e competir. A primeira é uma condição necessária, mas não suficiente para a segunda. A competição é uma comparação de desempenho, mais alguma coisa – tentar exceder ou superar os desempenhos dos outros. Nesse processo, a criança pode se tornar orgulhosa, agressiva e ofensiva, principalmente quando alguns adultos reforçam seu sentimento de superioridade, dando-lhe prêmios, dizendo “Bravo!”, e geralmente valorizando o fato de ganhar.

Os professores têm uma justa preocupação com o tipo de competição que provoca rivalidade e sentimento de fracasso e rejeição; por isso, os adultos deveriam lidar com a competição mais naturalmente, para que a criança também possa encarar o fato de ganhar como nada mais do que ganhar.

Cooperar significa operar junto, ou seja, operar diferentes pontos de vista sob regras comuns, ou negociar regras que pareçam justas para todos. A cooperação incipiente aparece entre sete e oito anos e caracteriza-se pela tentativa dos jogadores de vencer. Enquanto ninguém estiver tentando vencer, não há necessidade de regras para que as performances das pessoas possam ser comparadas. Quando a competição aparece, no entanto, as crianças terão de cooperar sobre formulação das regras e poder segui-las.

CODIFICAÇÃO DE REGRAS
Aparece entre 11 e 12 anos a necessidade de jogos com regras bem codificadas e conhecidas por todos os participantes, para que a performance de cada um possa ser comparada e, consequentemente, para que haja um vencedor.

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DAS BOLAS DE GUDE PARA AS BOLAS DE TÊNIS
Se pudermos aprender como a criança desenvolve naturalmente sua participação em jogos através da observação de seu comportamento espontâneo no jogo de bola de gude, como aplicamos esse conhecimento para o jogo de tênis?

O jogo de tênis evoluiu – desde a Idade Média até os dias de hoje – para se transformar em um esporte altamente competitivo, com um calendário extenso de torneios em diferentes partes do planeta. Desde a adolescência, o calendário é intenso; e o equilíbrio entre estudos e competições é um malabarismo.

Além das regras codificadas para serem justas, a intensidade do jogo é alta, sob todos os pontos de vista (físico, mental, emocional). A demanda psicológica que o esporte individual impõe ao atleta, que precisa resolver seus problemas e lidar com as emoções da partida “com todo mundo olhando” é enorme. Fora isso, há um longo caminho do aprendizado até a alta performance, característico também da complexidade deste esporte.

Do jogo espontâneo ao tênis de alto rendimento, as etapas são inúmeras e queimá-las pode trazer consequências desastrosas, não só em termos de perda de praticantes – quantos jovens tenistas saem do tênis para nunca mais voltar? – mas principalmente em termos de perda de saúde, auto-estima, confiança e autonomia dos jovens.

A competição precoce com cobrança de resultados nos anos formativos do atleta (até por volta de 12 anos) pode gerar também sequelas físicas (ligamentos, articulações, postura etc). Por isso, o acompanhamento atento ao crescimento e à saúde da criança que compete é crucial.

Por fim, “vencer a qualquer custo” precocemente pode inibir a formação de um jogador completo no futuro. Quantas crianças chegam às finais de torneios com empunhaduras extremas ou biomecanicamente ineficientes no saque? E para mexer nisso depois? Dá um trabalho... (veja matéria “Revolucionando a empunhadura” na página 32).

Jogos entre crianças passam por diversas fases antes de chegar à competição

AUTONOMIA
Crianças que jogam apenas com adultos por perto – dizendo o tempo todo como elas devem jogar e zelando pelo cumprimento das regras – demoram mais para desenvolver a autonomia, que é a capacidade de agir por si mesmo, com responsabilidade e percebendo as consequências dos seus atos direta e imediatamente.

Crianças acostumadas a receber ordens todo o tempo têm maiores dificuldades de pensar por si e resolver problemas criativamente. Por isso, é importante a atuação de professores que sugerem problemas, que organizam tarefas desafiadoras, que fazem boas perguntas. Bons professores criam bons exercícios, organizam boas disputas e torneios e fazem as boas perguntas (veja exemplos no box).

A responsabilidade de cumprir as regras e de zelar pelo seu cumprimento encoraja o desenvolvimento da iniciativa, da mente alerta e da confiança em dizer honestamente o que pensa.

Assim, encorajamos as crianças a ter experiência com arbitragem em partidas próprias e dos colegas em torneios internos e intercâmbios.

É assustador verificar como atletas maduros de mais de 20 anos – no auge de seu desenvolvimento motor e físico – possuem dificuldades intelectuais e emocionais parecidas com as dificuldades de crianças de 10, 11 anos. Provavelmente em pontos críticos de sua trajetória esportiva não foram estimulados a pensar taticamente, a canalizar suas forças emocionais e a recuperar-se física e mentalmente de um placar desfavorável.

ANSIEDADE E A PROJEÇÃO DOS PAIS
De acordo com o filósofo inglês Alain de Botton, “além do nível de ansiedade em relação à sobrevivência, a sociedade acrescentou um novo tipo, que chamo de ansiedade de status. Trata-se de uma preocupação sobre nossa permanência no mundo, se estamos por cima ou por baixo, se somos ganhadores ou perdedores. [...] Nos preocupamos em ter status porque não conseguimos confiar em nós mesmos caso as pessoas pareçam não gostar muito de nós ou não nos respeitar muito.”

Quando os pais projetam essa ansiedade de sucesso em seus filhos, exibindo-os como troféus ou buscando reconhecimento pelos feitos deles, o problema da competição de crianças pode ser bem acentuado.

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ATITUDE DE PROFESSORES E PAIS INTELIGENTES

A condução de aulas, jogos e torneios pode fazer a criança crescer muito cognitiva, afetiva
e moralmente. Pais e professores conseguem estimular esse desenvolvimento fazendo as
perguntas certas.
A seguir exemplos de perguntas que podemos fazer aos alunos que jogam/competem:
1. Para estimular o pensamento lógico/dedutivo e a criatividade
- Como você venceu?
- Quais os pontos fracos do adversário?
- Que estratégia de jogo você usou hoje? Ela funcionou?
- Em que momento o jogo mudou? Como você solucionou a mudança de estratégia do
adversário?
- Como pode vencer da próxima vez? O que você precisa aprender/melhorar para vencer
este adversário?
2. Perguntas que estimulam o desenvolvimento afetivo
- Naquele momento que você percebeu que o adversário claramente estava sendo
desonesto, que atitude poderia ter tomado?
- Você acredita que reclamar consigo mesmo melhora a sua performance? Haveria outra
maneira de se incentivar ou de se acalmar?
- Como você gostaria que fosse o incentivo da sua torcida? Alguma coisa de fora da quadra
influiu em sua performance? O que e de que maneira?
- O que você pode fazer para manter sua motivação mesmo quando está perdendo?
3. Perguntas que incentivam o desenvolvimento moral
- Você concorda com as regras do tênis? Acredita que elas podem melhorar de alguma
maneira? (Observação – as regras do tênis possuem um senso de justiça extremo.
Por exemplo, há uma série de trocas de lado para que os jogadores sejam afetados
igualmente pelos fatores climáticos)
- Como você acredita que seu adversário se sentiu quando mostrou uma marca claramente
diferente daquela onde a bola quicou? Você gostaria que acontecesse com você?
- Como você se sente tendo vencido apesar de ter errado a contagem a seu favor? Se o seu
adversário tivesse cometido o mesmo erro e tivesse vencido, aceitaria a derrota?

Uma das críticas mais ouvidas ao estímulo da competição em crianças pequenas diz respeito a já intensa competição em nosso sistema socioeconômico. Pelo menos de três maneiras a competição num sistema socioeconômico difere da competição em jogos, pois num sistema socioeconômico: o objetivo é um ganho material; os competidores tentam se eliminar permanentemente; os competidores não concordam com regras antes de entrar na competição. Numa corrida por recursos naturais, por exemplo, os competidores não concordam de antemão em começar ao mesmo tempo, do mesmo lugar, e cobrir a mesma distância.

Num jogo organizado pelas próprias crianças, não existem ganhos materiais ou acumulação de riqueza, e a eliminação ou ganho tem efeito somente durante determinados períodos de tempo. Aqueles que não jogam honestamente são constantemente rejeitados pelo grupo e nem mesmo têm chance de competir.

Desse modo, o papel do professor que ensina o jogo de tênis não é evitar jogos competitivos, mas guiar crianças para que elas se tornem jogadoras justas, inteligentes e capazes de comandar a si próprias (autônomas).

Etapa Idade Aproximada Orientaçãoda federação internacional de tênis
Iniciação 6- 8 anos

TENNIS 10’S
-competição de baixa intensidade, sem frustrações, com diversão e aprendizagem
- auto-competição (estí mulo para autoreflexão sobre como melhorou durante a prática)
- competição com bolas vermelhas e por equipes - garotos e garotas competem juntos - provas de tênis, de corridas, de habilidades no mesmo evento
Instrução 9-10 anos

TENNIS 10’S
- torneios de incentivo com bolas laranja e verde, com desafios progressivos e coerentes
- iniciação à competição como forma de incentivo
- garotos e garotas podem competir juntos
- aproximadamente 15 simples e 30 duplas por ano
Desenvolvimento 11- 12 anos - ênfase no fato de jogar com bom rendimento, não em ganhar
- torneios em quadras de saibro, se possível
- introdução aos torneios estaduais e nacionais
- 2 períodos de competição por ano
- aproximadamente 50 jogos de simples e 30 jogos de duplas por ano
Rendimento 13- 15 anos - estabelecimento de objetivos, enfatizando 100% de esforço
- introdução aos torneios nacionais e internacionais
-2 períodos de competição por ano
- variação de superfí cies
- 70 simples e 35 duplas/ano
- coeficiente de 2:1 em vitórias e derrotas
Alto rendimento 16- 18 anos - máxima carga de competição
- 80-100 simples e 40-50 duplas por ano
- coeficiente de 2:1 entre vitórias e derrotas

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OS TORNEIOS SÃO COMPETIÇÕES COM PRÊMIOS
As competições com prêmios podem fazer com que as crianças persigam os prêmios e não o prazer e a fascinação intrínsecos do aprendizado, assim sendo, é preciso ficar alerta. A criança que precisa se preocupar com o ranking, que por sua vez significa gratuidades em passagens e estadias para participar de mais torneios, pode perder a motivação para melhorar seu jogo e estagnar seu potencial como atleta. Com isso, a posição da Federação Internacional de Tênis (ITF) é clara: os primeiros anos de tênis são para estabelecer bons fundamentos técnicos e táticos e para a criança se divertir (ver box das etapas de aprendizado do tênis). Caso os desafios progressivos sejam bem assimilados e aceitos pelas crianças, podemos oferecer desafios de maior complexidade.

Competições com prêmios fazem com que as crianças persigam os prêmios e não o prazer pelo aprendizado

Perder é desconfortável quando se torna sinônimo de fracasso. Pais e professores têm um papel importante no desenvolvimento da postura – ganhar um jogo não é nada mais do que ganhar um jogo. Não significa que quem perde seja inferior, incompetente e mereça rejeição. Sem aceitar a possibilidade de perder, não se pode jogar. Se a criança preferir, deve ficar assistindo até poder enfrentar o jogo. Não devemos forçá-las a situações com as quais não podem lidar favoravelmente.

A orientação do departamento de competições juvenis da ITF para saber se um torneio está num nível adequado ao tenista é que ele permita que o jovem vença pelo menos duas partidas antes de perder (ver box). Se ele entra em torneios nos quais cai sempre na primeira rodada, o nível está muito alto.

Para equilibrar isso existem as competições internas, entre os tenistas da mesma turma, do mesmo clube: para criarmos desafios progressivos de dificuldade. Outra medida interessante é organizar, além das partidas de tênis, corridas e provas de habilidade para que a criança possa se expressar em outras frentes com chance de sucesso.

Os maiores termômetros para saber se seu filho joga tênis e compete adequadamente são: alegria de jogar e bem estar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Kamii, C. ; DeVries, R. Jogos em grupo na educação infantil: implicações da teoria de Jean Piaget. São Paulo: Trajetória Cultural, 1991.
Peres, M.F. “Por cima, por baixo: O filósofo inglês Alain de Botton explica como o desejo de status social espalha ansiedade em países como o Brasil”. Revista Cult 158 (2011): 22-24
Crespo, M.; Miley, D. Manual para treinadores avançados da ITF. London: International Tennis Federation, 1999.

Suzana Silva

Publicado em 12 de Janeiro de 2017 às 12:00


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Artigo publicado nesta revista