Como se comportar quando seu oponente parece estar catimbando em quadra
Após a dupla-falta cometida pelo sérvio Novak Djokovic, aquela que deu o título de Roland Garros ao espanhol Rafael Nadal em junho de 2014, muitos fãs pensaram: “Se até ele faz...”. A partir daquele dia, quando cometemos uma dupla-faltazinha de vez em quando em pontos importantes, temos sempre esse precedente para lembrar: “Se até Djoko fez dessas em um match-point, estou desculpado...”.
O atual número 1 do mundo voltou a ser “lembrado” mais uma vez após a vitória sobre o britânico Andy Murray na final do Aberto da Austrália deste ano, mas agora por outra razão: “catimbando” para vencer o jogo. Não ficou claro nem para a imprensa internacional, nem para a percepção do público, o que realmente aconteceu. Mas que Andy Murray despencou de performance depois que o adversário pareceu machucar a mão num voleio baixo e deu umas mancadinhas em seguida, isso ninguém pode negar.
Catimba é uma palavra de origem africana, que significa “procedimento que visa prejudicar o adversário através de recursos astuciosos ou contrários ao espírito esportivo”. Será que após cair para alcançar aquele voleio, a mão de Djoko ficou doendo mesmo? E o andar claudicante de quem estava sentindo câimbras, foi real?
Esta que vos escreve quase perdeu uma final do Circuito Juvenil Sul-América por sair completamente do jogo devido ao mal-estar da adversária: ela sentou, pediu água, voltou ao jogo, parou de novo, voltou, contorceu-se, melhorou, e ficou até o fim. A partida teve uma reviravolta justamente devido à empatia sentida pelo sofrimento alheio, e consequente perda de foco da tática do jogo. Quem já não passou por isso?
Anos de experiência em quadra mais tarde, catimbas e mais catimbas adversárias depois, podemos analisar essa situação de várias maneiras.
O tenista que usa esse tipo de recurso para vencer, pode até ser que o tenha desenvolvido de modo inocente num primeiro momento, percebendo que causa pena no adversário quando se sente mal. Pode-se ganhar tempo, voltar ao jogo um pouquinho melhor, o adversário pode demorar para voltar à concentração e o placar desfavorável pode ser revertido.
Quando certos tipos de jogadores conseguem resultados importantes agindo dessa maneira, podem vir a utilizar essa “catimba” em vários jogos futuros, quando percebem que os recursos técnicos, táticos, físicos e mentais foram esgotados para vencer aquele adversário naquele dia. Aqui vale registrar que há também outros tipos de catimba – duvidar das marcações do adversário, chamar o juiz ou brigar com ele, demorar nas viradas ou para sacar, reclamar da torcida, implicar com o pegador, entre outras “artimanhas”. Todas essas formas podem devastar os tenistas menos avisados.
Se Murray entendeu que Djokovic estava perdendo a condição física durante o terceiro set da final do Australian Open, e perdeu o foco tático nesse momento, quem errou, o “catimbeiro” ou o “catimbado”? Já escrevemos em artigos anteriores que não temos o controle sobre o resultado final do jogo – ganhar ou perder – apenas sobre nossa performance, em dar o nosso 100% naquele dia. Não temos também controle sobre o comportamento de nosso adversário. Mas, podemos, sim, manejar nossa mente de modo a controlar como reagimos a esse comportamento.
Podemos reagir com pena, não conseguindo mais jogar naturalmente nos espaços vazios da quadra. “Pobrezinha, minha adversária não consegue correr”. Prendemos o braço, rebatemos bolas para o meio da quadra. Também podemos, ao contrário, agir sem dó, querendo fazer o adversário correr mais do que antes. “Que bom que não consegue correr, aproveitarei para dar bolas mais difíceis”. Arriscamos mais bolas perto da linha, aceleramos o jogo, precipitamo-nos. Ambas as atitudes podem causar sérias desvantagens no placar. Ou podemos reagir com aumento da concentração nos intervalos entre os pontos e nas viradas entre os games, como veremos a seguir.
Murray caiu na catimba de Djokovic na final do Australian Open?
Pensando na formação das novas gerações de tenistas, precisamos ensinar às crianças e jovens que, se o adversário permanece no campo de jogo, é porque entende que está em condições de lutar. Não importa se está mancando, jogando a raquete, fazendo cera etc. Enquanto o adversário estiver na quadra, devemos manter nosso foco tático, ponto por ponto, até o final da partida.
Vejamos algumas orientações que podemos dar para elas em caso de catimba:
1. Se o seu adversário não se sentir bem, ou cair na quadra, verifique se precisa de ajuda e, se necessário, chame o árbitro geral do torneio. A seguir, sente em sua cadeira e pense em sua estratégia de jogo enquanto o adversário é atendido. O que você estava fazendo para vencer? Mantenha a atenção nisso, passando um “filminho mental” das jogadas que deram certo até o momento. Lembre-se: adversário em quadra significa que ele ou ela se considera em condições de jogo.
2. Faça o exercício de “jogar com a bola e não com o adversário”: encare cada bola que vier como o desafio a ser resolvido. Isso ajuda a olhar menos para o adversário e mais para a bola, aumentando suas chances de acerto.
3. Manter o olhar fixo em algum objeto ajuda a manter o pensamento concentrado na estratégia. É por isso que os jogadores profissionais olham tanto para as cordas da raquete. Se estiver sentado na sua cadeira, aguardando o atendimento do adversário, você pode olhar para uma linha da quadra, para o poste da rede, para seu encordoamento. Entre os pontos, olhe para o chão ou para seu encordoamento enquanto passa o filme mental de como irá jogar o próximo ponto. Muitos profissionais colocam a toalha na cabeça nas viradas com esse objetivo: aumentar o poder de concentração.
4. Se o seu adversário estiver agindo de modo deselegante, seja por fingir estar machucado, seja reclamando constantemente das suas marcações de bola, seja “roubando” na contagem ou nas marcações de bola do lado dele, calmamente solicite a visita do arbitro geral e sente-se em sua cadeira. Explique o ocorrido ao árbitro e aguarde suas orientações. Será divertido ver como seu adversário reage ao perceber que não consegue lhe tirar do jogo com as catimbas.
Para estimularmos nossas crianças e jovens que estão participando de torneios a pensarem por si e se fortalecerem do ponto de vista emocional, é fundamental que façamos as boas perguntas para elas:
1. Qual o ponto fraco do seu adversário?
2. Quais os seus pontos fortes?
3. Que opções táticas você tem para vencer? (Mexer o adversário? Manter a bola profunda? Atacar e subir à rede sempre que possível?).
4. O que você pode fazer para manter a atenção na estratégia para vencer em caso de catimba?
Ensinando nossas crianças a pensar e a se posicionar, ao invés de resolvermos todos os problemas para elas, criaremos grandes jogadores para o tênis e para a vida. E, bem lá na frente, seus adversários catimbeiros perderão imensamente sua capacidade de incomodar. É por isso que insistimos tanto na orientação aos pais: “Deixem seus filhos jogar em paz!”
Todas essas dinâmicas mentais e emocionais mostram o quanto nosso esporte é fascinante: até os quatro melhores tenistas do ranking masculino profissional possuem aspectos para melhorar e aprender, também são gente, emocionam-se. Queria ser uma formiguinha para estar presente no primeiro bate-papo pós-jogo entre Murray e sua treinadora Amelie Mauresmo.
Publicado em 6 de Março de 2015 às 00:00
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