A dieta mental

Em seu livro “Sirva para vencer”, Novak Djokovic revela como mudou sua dieta e como isso também refletiu em sua preparação mental


Novak Djokovic

Em janeiro de 2010, depois de perder para Jo-Wilfried Tsonga nas quartas de final do Australian Open, Novak Djokovic sentiu-se no fundo do poço. Achava – mesmo depois de ter ganho um Grand Slam (o mesmo Aberto da Austrália, porém dois anos antes) e ser o número 3 do mundo – que nunca seria um tenista do mesmo nível ou superior aos seus dois maiores concorrentes na época, Rafael Nadal e Roger Federer.

Ao menos é isso o que ele conta em seu livro “Sirva para vencer – A dieta sem glúten para a excelência física e mental”, lançado recentemente no Brasil. Na obra, o sérvio conta como um médico que estava assistindo ao seu jogo contra Tsonga na ilha de Chipre, mesmo de longe, foi capaz de diagnosticá-lo como alérgico ao glúten e o ajudou a mudar sua dieta e, consequentemente, sua carreira. Um ano depois, Djokovic venceu três Majors, incluindo Wimbledon, seu sonho de infância, e se tornou número 1 do mundo.

No livro, o sérvio revela todos os detalhes de sua dieta, dando até mesmo opções de cardápios para a semana, e como ela transformou a sua vida para melhor não apenas dentro de quadra, mas fora dela. Suas dicas servem não somente para atletas de alto rendimento, como também para qualquer pessoa “normal” que pode estar sendo atrapalhada pelo glúten sem perceber.

Um dos pontos levantados por Djokovic na obra é o fato de, além de o fazer perder peso, livrar-se do glúten também fez com que ele se sentisse mais atento e consciente, o que ajudou muito a sua mente. Tanto que um dos capítulos trata exatamente do “Treinamento Mental – estratégias para treinar o foco, reduzir o estresse e atingir a excelência”. Nele, o tenista – hoje conhecido por ser um dos mais fortes mentalmente em quadra – discorre sobre suas técnicas.

Reproduziremos aqui um trecho do capítulo que certamente vai lhe ajudar a fortalecer a sua mente.

Novak Djokovic
Há muito barulho ao nosso redor, e isso só serve para estressar nossas vidas

Treinamento Mental

Para mim, treinar não é somente corrigir imperfeições ou repetir infinitamente os mesmos lances do tênis, ano após ano, até que fiquem tão familiares para meu corpo quanto respirar. Bem, ok, também é muito de tudo isso. Mas não apenas. Existem muitos ditados batidos no tênis, mas o meu favorito é este: “O jogo parece ser aquilo que acontece entre as linhas da quadra, mas só acontece realmente entre as suas orelhas.”

Isso está relacionado a tudo que estou falando sobre comida porque o combustível apropriado não alimenta apenas o seu corpo. Ao longo das minhas lutas, antes de descobrir como comer para abastecer adequadamente meu corpo, nos momentos cruciais, eu não parava apenas de desempenhar fisicamente. Eu também tinha cólicas cerebrais. Mesmo na situação da mais alta pressão imaginável, eu ficava confuso e perdia o foco. Você pode achar que estar diante de Rafael Nadal sacando uma bola na sua direção a 230 quilômetros por hora seria o suficiente para manter sua mente focada, mas posso garantir que mental e emocionalmente algo não estava bem comigo. O problema: algo que muitos médicos agora começam a chamar de “cérebro de trigo”.

Os alimentos que contêm glúten estão sendo relacionados à depressão, letargia e até demência e outras doenças psiquiátricas1. Portanto, você deve tratar a sua mente como trata seu corpo – precisa alimentá-la adequadamente.

Mas também deve manter a mente com exercícios. [...]

No que você pensa?

Existe um método importante que utilizo para manter minha própria energia, mesmo quando os sentimentos negativos me atacam.

Emocionalmente, meus “baixos” não costumam ser muito profundos e duradouros. Até naqueles dias em que não me sinto ótimo, assim que começo minha rotina, eu mergulho nela e cada bola que lanço tem um propósito. Então, como faço para que meus “baixos” não me atirem no poço? O truque está em como eu penso ou, pelo menos, tento pensar a maior parte do tempo. O método não é absoluto, nem infalível. Mas funciona bem.

Os psicólogos chamam isso de mindfulness (consciência plena). É uma forma de meditação em que, em vez de buscar o silêncio e encontrar a “paz interior”, você permite e aceita o próprio fluxo de pensamentos, objetivamente, sem julgá-los, enquanto se mantém com plena consciência daquele momento naquele tempo da realidade. A objetividade é chave – é como entro em contato com o que está acontecendo com meu corpo em um determinado momento, e como meus pensamentos têm efeito direto sobre ele. Então, consigo analisar os pensamentos sem julgá-los. Esse processo me dá clareza.

Eu faço isso todos os dias por uns 15 minutos, e é tão importante para mim quanto meu treinamento físico. A prática é simples. Comece tirando cinco minutos da agenda (se ajudar, acione o alarme do seu telefone celular). Apenas sente-se silenciosamente, preste atenção em sua respiração, na realidade daquele momento e nas sensações físicas que está sentindo. Deixe seus pensamentos chegarem. Eles vão pular para lá e para cá como loucos, posso lhe adiantar. Mas é assim mesmo. Sua missão é deixá-los ir e voltar. Tente lembrar que as experiências físicas que está sentindo são reais, mas os pensamentos em sua cabeça não são – são apenas inventados. Sua meta é aprender a fazer a separação entre os dois.

Novak Djokovic

Com o mindfulness consigo analisar os pensamentos sem julgá-los. Esse processo me dá clareza

O silêncio é uma grande parte desse exercício. Como mencionei, agora gosto de me alimentar lenta e quietamente, exatamente pela mesma razão. Isso faz parte da minha tentativa de oferecer boa comida e energia positiva para abastecer meu corpo. Há muito barulho ao nosso redor, e isso só serve para estressar nossas vidas. A mindfulness (consciência plena) é uma maneira de deter isso e apenas... ser.

Se você fizer isso regularmente, mesmo que seja por curtos intervalos de tempo, vai aprender maravilhas sobre você mesmo porque estará consciente do momento e, finalmente, percebendo-o. Eu, por exemplo, me dei conta de quanta energia negativa enviava para o meu cérebro. Assim que consegui focar em retroceder um pouco e analisar meus pensamentos objetivamente, eu vi claramente: uma quantidade maciça de emoções negativas. Insegurança. Raiva. Preocupações com a vida e a minha família. Medo de não ser bom o bastante. Que talvez meu treinamento estivesse errado. Que minha estratégia para a próxima partida podia estar errada. Que eu estava perdendo tempo, desperdiçando potencial. E havia ainda as pequenas batalhas: aquelas discussões imaginárias que você tem com pessoas que nem vai ver naquele dia sobre assuntos que nunca virão à tona.

Novak Djokovic
O objetivo da meditação é encontrar a calma, o foco e a energia positiva

Você pode estar pensando: por que eu iria querer desenterrar toda essa feiura? Parece horrível. Mas não é. É libertador. Entenda, eu não me prendo a esses pensamentos. Eu deixo que venham e vão. Porém, como estou em consciência plena no momento, percebo que me agarrar a essa energia rouba vida de mim.

Depois de praticar por um tempo, algo dá um estalo: é simplesmente assim que minha mente funciona. Provavelmente, é como funciona a mente de todos nós. Eu desperdicei muita energia e tempo com meu próprio “turbilhão interior” ou como quer que você deseje chamar isso. Estava tão focado nessa batalha interna que perdia de vista o que estava acontecendo em volta de mim, o que estava ocorrendo naquele momento.

Fiz tanta meditação de consciência plena (mindfulness) que agora meu cérebro funciona melhor automaticamente, mesmo quando não estou meditando. Eu costumava ficar paralisado toda vez que cometia um erro; tinha certeza de não fazer parte da mesma turma dos Federers e dos Andy Murrays. Agora, quando explodo um saque ou detono um backhand, eu ainda tenho uns instantes de insegurança, mas aprendi como lidar com isso: eu reconheço os pensamentos negativos e os deixo desaparecer me concentrando no momento. A consciência plena me ajuda a processar a dor e as emoções. Faz com que eu consiga dar foco no que é realmente importante. Ajuda a baixar o volume dentro do cérebro. Imagine como isso é conveniente para mim em meio a uma partida de um Grand Slam. É por essa razão que a mindfulness tem me ajudado a definir uma das minhas diretrizes filosóficas no esporte: se você puder focar na partida daquele dia como a mais importante exatamente agora, então, o resultado será o melhor possível.

Meditar

Djokovic

No livro, Djokovic mostra como a dieta sem glúten mudou sua vida

Muitas pessoas me perguntam: “Como você medita? Parece tão estranho.” É realmente bem simples. Comece aos poucos, com pequenos intervalos de tempo. Você não tem que cruzar as pernas, acender incensos e cantar o mantra “om”. Basta apenas sentar em silêncio ou sair para dar uma volta lá fora, concentrando-se em cada passo que der. A meta não é ver quanto tempo você consegue fazer isso. Não é um campeonato de paciência! O objetivo da meditação é encontrar a calma, o foco e a energia positiva.

Quando comecei a tentar meditar, meu maior desafio foi “me dar” tempo. Parece que dedicamos cada vez menos tempo para nós mesmos, mas ficamos felizes por investir momentos em todas as outras distrações que aumentam nosso estresse em vez de reduzir. Achava que eu precisava estar “ocupado” todo momento do dia, mas – de novo – com a mente aberta, aprendi a reservar o tempo que preciso para mim. Minhas refeições são um momento sagrado. Eu comemoro o silêncio quando consigo encontrá-lo (e, às vezes, forço essa conquista, desaparecendo por um breve intervalo).

Para fazer isso dar certo para você, encontre tempo dentro do seu tempo, abrindo intervalos no dia. Faça uma refeição saudável ou saia para pegar um pouco de ar fresco. Não pense que está sendo “egoísta” ou “preguiçoso” ou outro rótulo estúpido que a gente usa quando faz uma parada de tranquilidade. Muitas pessoas assumem que, quando não estão ocupadas, estão desperdiçando tempo, sendo inúteis ou preguiçosas. Era assim que eu me sentia antes de começar a festejar e respeitar esses intervalos.

Fique atento às oportunidades. Vamos dizer que você tenha três crianças e passe o dia inteiro cuidando delas. De repente, as três estão ocupadas, e você tem dez minutos para você mesmo. Em vez de pensar: “Tenho que fazer, x, y, z...” tente usar esse tempo para estar um momento com seus próprios pensamentos. Reconheça-os. Então, deixe-os ir embora.

Quanto mais você praticar, melhor vai se tornar a meditação. Logo esses intervalos vão se tornar vitais no seu cotidiano. Quando isso acontecer, vai notar as mudanças na sua maneira de pensar ao longo do dia. A energia negativa vai encolher. A energia positiva dominará. Você vai se sentir fantástico.

Por Novak Djokovic

Publicado em 27 de Abril de 2015 às 00:00


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Artigo publicado nesta revista

Orlando Luz

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