Formação

O bom uso de metas reais

Dicas para manter as crianças e jovens interessados no esporte


Marcelo Ferrelli/Inovafoto

 

CERTA VEZ, OBSERVANDO SURFISTAS de todas as idades numa praia do litoral norte de São Paulo, percebi que eles ficavam atrás da área da arrebentação aguardando a “sua” onda. Jovens adultos se arriscavam em ondas mais “iradas”, crianças pegavam as mais fáceis e adultos maduros pensavam bastante antes de arriscar, provavelmente refletindo sobre o que seu corpo aguentaria fazer.

Neste exemplo dos surfistas, fica claro o conceito do “desafio ótimo”: todos chegavam à praia surfando, cada um na onda mais adequada às suas capacidades e habilidades. E o ponto mais importante: o poder de escolha estava sendo exercido.

Uma das razões para a desistência de jovens dos esportes praticados na infância é justamente a pouca oportunidade de exercer esse poder de escolha, por exemplo, no tipo de competições das quais irão participar. Torneios muito acima das capacidades e habilidades da criança podem minar a percepção de competência pessoal (PCP). A sugestão da Federação Internacional de Tênis (ITF) é que o torneio deve permitir que a criança tenha, em média, pelo menos duas vitórias antes de perder.

FASE FORMATIVA

Ora, mas sempre alguém vai perder na primeira rodada, certo? Por isso é importante, na fase formativa, até por volta de 12 anos:

  1. Que a criança possa mesclar torneios de eliminatória simples com outras formas de competição, em que haja chave dos perdedores, ou chaves do tipo um contra todos (mesmo assim, a vitória não é um resultado que a criança pode controlar!);
  2. Que as metas das crianças não sejam baseadas em resultados ou rankings, mas na melhora de performance. Aprender novas habilidades e jogadas, melhorar sua condição física e lidar melhor com adversários emocionalmente perturbadores são metas que a criança pode controlar e atingir, sendo mais eficientes para a construção de uma boa PCP.

Lidar com as frustrações das derrotas e ter uma perspectiva realista do seu nível de jogo são aspectos importantes para que o jovem continue praticando esportes para toda a vida. Afinal, nem todos foram feitos para serem o número um da escola no voleibol ou no futebol, e nem todos podem ser top 10 dos tenistas brasileiros até 18 anos. Mas todos podem incluir um esporte saudável em sua rotina.

DESAFIOS GRADUAIS

A introdução gradual de desafios cada vez mais complexos, tanto em uma sessão de prática do tênis quanto em um programa de competições, é fundamental para a construção da boa percepção de competência pessoal. A boa notícia é que além das disputas organizadas internamente por academias, clubes e escolas, as federações já começam a criar as categorias “E” (estreantes) para todas as idades. Assim, crianças que nunca competiram em torneios federados já podem entrar sem medo de tomar uma “sacolada” de um atleta que dedica quatro horas de todos os dias da semana ao tênis.

As competições do tipo Tennis 10 (com as bolas vermelha, laranja e verde, nos tamanhos de quadra apropriada) já foram exaustivamente defendidas aqui. São fundamentais para a construção da PCP – e para a formação das futuras gerações de tenistas no mundo inteiro.

Lidar com as frustrações das derrotas e ter uma perspectiva realista do seu nível de jogo são aspectos importantes

Já os jovens atletas, que pretendem levar o esporte ao nível de alta competição, precisam participar do planejamento do calendário de competições do ano, estabelecendo metas de rendimento, de escolaridade e de ranking com equilíbrio. A carreira de esporte universitário também é uma realidade cada vez mais presente na vida dos tenistas infanto-juvenis brasileiros e deve sempre ser levada em consideração no planejamento a longo prazo.

A opinião dos adultos é muito, muito importante para a construção de uma boa PCP, principalmente até os 11 anos de idade. É por isso que, além de favorecer a autonomia e a responsabilidade das crianças, os comentários pós-jogo devem sempre priorizar o esforço, a vontade e as atitudes em quadra ao invés do resultado final da partida. Lembrese de que controle sobre vitórias e derrotas não temos, mas sobre nossas atitudes, sim.

Gaspar Nóbrega/Inovafoto

Lidar com as frustrações das derrotas e ter uma perspectiva realista do seu nível de jogo são aspectos importantes

DICAS PARA RECONSTRUIR A PCP

Todos nós fazemos o nosso melhor, mas em algum momento nossos filhos ou alunos podem apresentar baixa autoestima, ou, o que é pior, vontade de desistir do tênis. O professor Eduardo Figueiredo, em sua tese de mestrado, sugere algumas medidas para a reconstrução de uma boa PCP:

- Fazer um trabalho de conscientização do real nível técnico do atleta: isso pode ser feito até de maneira informal, conversando com o professor de seu filho;

  • Assumir de forma realista o nível técnico atual: o que já foi aprendido, o que ainda falta aprender. E não é bacana ter ainda coisas para aprender?
  • Estabelecer metas e objetivos adequados a essa realidade: nem acima, nem abaixo;
  • Estabelecer procedimentos de avaliação que mostrem o desenvolvimento do atleta em comparação com ele mesmo (exemplo: ITN, AE – aproveitamento esportivo, que se obtém dividindo o número de sucessos ou vitórias pelo número total de jogos realizados –, avaliações físicas, técnicas, táticas e psicológicas). A avaliação baseada apenas em rankings ou resultados em torneios não dá a real dimensão da evolução de rendimento da criança;
  • Esperar sinais evidentes de aumento da vontade (atitudes próprias). Se Lidar com as frustrações das derrotas e ter uma perspectiva realista do seu nível de jogo são aspectos importantes Gaspar Nóbrega você precisa “subornar” ou fazer acordos para que seu filho continue no esporte, realmente há algo bem errado;
  • Não aceitar atitudes de atribuir responsabilidades aos outros ou situações (arriscar bolas nas horas erradas, entregar jogo, culpar a quadra etc.). É muito importante que seu filho entenda que fez o melhor, mas que o adversário foi superior naquele momento. E, se não fez o melhor, é preciso entender as razões, não culpar os outros;
  • Não oferecer prêmios, recompensas exageradas ou facilidades pelas vitórias das crianças. É preciso desenvolver a motivação que vem do coração: a criança deve querer fazer o melhor pelo prazer de fazer bem feito;
  • Reforçar que sucesso depende de querer, esforço, compromisso, disciplina e do estabelecimento de objetivos realistas e graduais;
  • Incluir diversão no processo (jogos sem compromisso e sem a presença do treinador e dos pais). Afinal, é apenas um jogo;
  • Manter diálogo aberto e querer sempre o melhor para o seu filho, mesmo que isso signifique parar de jogar. E se o talento dele for música ou artes plásticas?
  • Estar sempre atento aos grupos de aulas, e aos tipos de competições das quais seu filho participa. O nível de desafio está adequado, aquém ou além?

Acabamos de presenciar a vinda de Rafael Nadal ao Brasil Open. Testemunhamos ao vivo o processo de recuperação física, de ritmo de jogo, da retomada de confiança de um dos melhores tenistas de todos os tempos em um circuito do qual normalmente não participaria. Talvez sua meta agora seja conseguir continuar jogando mais seis meses, quem sabe?

Muito interessante observar que essa reavaliação de metas, que começa na infância para a construção de uma boa PCP, pode ser feita a qualquer momento de nossas vidas, quando sentimos que nossas forças estão se esvaindo, quando estamos puxando nosso rendimento ao limite. A reflexão vale para nossos filhos e para nós mesmos. Mais uma vez é o esporte dando suas lições...

Suzana Silva

Publicado em 25 de Fevereiro de 2013 às 13:04


Juvenil/Capacitação

Artigo publicado nesta revista