Formação

Nascido no mesmo ano, mas mais velho

O Efeito Relativo da Idade é um fator que deve ser considerado no processo de detecção, seleção e promoção dos talentos no tênis infanto-juvenil


fotos: Ron C. Angle/TPL

QUANDO SE TRABALHA COM TÊNIS infanto-juvenil, é normal se deparar com treinadores ou pais de tenistas conversando sobre o desempenho dos jovens nas competições. E uma das principais questões abordadas diz respeito à data de nascimento dos tenistas. Como assim?

Os responsáveis pelos atletas nascidos no segundo semestre constantemente creditam as derrotas às diferenças morfológicas encontradas entre esses indivíduos e os nascidos na primeira metade do ano. Mas, até que ponto nascer nos primeiros meses do ano pode ser uma vantagem?

Para responder isso com propriedade é preciso recorrer à literatura e debater, mesmo que brevemente, a ocorrência do Efeito Relativo da Idade (ERI) nos esportes. Entende-se por ERI o viés observado na distribuição das datas de nascimento das crianças e jovens quando agrupados dentro de um mesmo escalão etário, verificando-se que os atletas nascidos na primeira metade da época esportiva vigente tendem a estar sobrerrepresentados nas seleções esportivas relativamente aos seus pares, nascidos no segundo semestre. Ou seja, em um time de futebol da quinta série do ensino fundamental, por exemplo, haverá mais meninos nascidos no primeiro semestre de 2002 do que no segundo semestre do mesmo ano.

No intuito de averiguar o ERI em tenistas juvenis e profissionais de elite, um estudo realizado em 2005 observou a distribuição da temporada de nascimento de 924 atletas participantes dos Grand Slams. Os resultados demonstraram que independentemente do sexo dos tenistas e do nível de competição (juvenil ou profissional), houve um número significativamente maior de atletas nascidos nos primeiros quatro meses do ano do que nos últimos. Nessa direção, mesmo quando se isolava a variável região, havia um número maior de tenistas nascidos nos primeiros seis meses do ano do que na segunda metade. Ou seja, essa questão não depende de onde os jovens nasciam, se era na Europa ou na América ou em qualquer outro lugar do mundo. Em todos eles o resultado é o mesmo.

DATA DE NASCIMENTO

Mas, afinal, por que encontramos essa assimetria na distribuição das datas de nascimento? Os resultados descritos no estudo de 2005 demonstram que a ocorrência do ERI tem origem multifatorial, o que nos leva a discutir esse fenômeno sob diferentes perspectivas. Isso porque, se a vantagem fosse apenas física - decorrente da maior idade cronológica ou de um estágio de maturidade mais avançado - quando esses atletas atingissem a idade adulta, o viés observado na data de nascimento deveria ser reduzido, o que não ocorreu. Por outro lado, se a vantagem fosse apenas psicológica, era de se esperar uma disparidade ainda maior na distribuição das datas de nascimento entre os tenistas profissionais, uma vez que aqueles que tivessem sido prejudicados nos escalões de formação provavelmente abandonariam a modalidade.

IDADE CRONOLÓGICA X IDADE BIOLÓGICA

Dessa forma, em primeira instância, consideramos que a ocorrência do ERI alerta para as possíveis falhas que podem estar ocorrendo no processo de seleção dos tenistas. Em decorrência da idade cronológica mais avançada, muitas crianças e jovens podem apresentar desenvolvimento físico, emocional, intelectual e social superiores aos dos seus concorrentes, possibilitando a obtenção de resultados mais expressivos a curto prazo e vantagens significativas nos testes motores.

Outras pesquisas apontam que, com o avanço da idade cronológica, os resultados apresentados por meninos de 12 a 16 anos nos testes motores envolvendo as capacidades aeróbicas, potência de membros superiores e inferiores, velocidade, agilidade e flexibilidade, apresentam evoluções constantes, demonstrando que os jovens "mais velhos" tendem a apresentar valores superiores nos testes de desempenho motor.

Tendo em vista o papel determinante desempenhado por essas capacidades no tênis, muitos treinadores, sem conhecimento da causa, podem ser levados a selecionar esses atletas como talentos para a modalidade quando, na verdade, esses indivíduos encontram-se apenas adiantados quanto ao estágio de maturidade.

fotos: Ron C. Angle/TPL

Indivíduos com a mesma idade cronológica podem diferir em até três anos quanto à idade biológica apresentada

É fundamental que treinadores saibam que, independentemente das diferenças observadas na idade cronológica, existe uma variação individual nos ritmos de crescimento, desenvolvimento e maturação. De acordo com um estudo publicado em 2011, indivíduos com a mesma idade cronológica podem diferir em até três anos quanto à idade biológica apresentada. Desta forma, é possível encontrarmos em uma competição da categoria até 14 anos, atletas com idades biológicas variando entre 11 e 17 anos, por exemplo.

Se considerarmos que as divisões dos agrupamentos etários no tênis infanto-juvenil ocorrem em intervalos de dois em dois anos, essas diferenças, quanto à idade biológica, podem se agravar ainda mais. Se tal procedimento fosse adotado nas competições de lutas, por exemplo, graves acidentes poderiam ocorrer em virtude das diferenças físicas e do desempenho motor apresentado pelos atletas mais avançados biologicamente.

HOMENS E MULHERES

Entre as tenistas verifica-se, de modo geral, que o ERI é menos pronunciado. A menor competitividade e a maior precocidade maturacional por parte das meninas têm sido apontadas como possíveis explicações para as diferenças observadas na ocorrência do ERI entre os gêneros.

Diferentemente dos meninos, entre as garotas, o aumento da idade cronológica não é acompanhado de uma evolução no nível de aptidão física durante a puberdade, relatando-se uma estabilização ou apenas uma ligeira melhoria dos resultados apresentados nos testes após os 14 anos de idade.

O Efeito Relativo da Idade pode fazer com que a seleção de atletas seja falha, pois jovens com a mesma idade cronológica podem apresentar muita variação quanto à idade biológica

fotos: Ron C. Angle/TPL

ERI entre as mulheres tende a ser menos pronunciado do que entre os homens

  No tênis feminino infanto-juvenil, são comuns os casos de atletas de maior destaque que migram para os escalões etários subsequentes em busca de um nível de competição mais elevado. Assim, associados, esses fatores poderiam garantir, em idades menos avançadas, condições de igualdade às atletas nascidas no primeiro e segundo semestres, reduzindo ou neutralizando o ERI para essa amostragem.

INFLUÊNCIAS DO ERI

Embora as diferenças de idade cronológica estejam associadas às discrepâncias na maturidade fisiológica, na estatura e massa corporal, na força e no desenvolvimento cognitivo, sua influência não se limita a esses campos. Existem também implicações psicológicas decorrentes do ERI. A percepção de competência vivenciada pelas crianças em uma determinada tarefa está associada a níveis mais elevados de motivação intrínseca. Nesse sentido, os indivíduos beneficiados pelo ERI tendem a perseverar na atividade, dando continuidade em seu processo de desenvolvimento. Por sua vez, verifica-se um maior abandono da prática esportiva por parte dos atletas nascidos no segundo semestre.

Para além do impacto na motivação intrínseca, a maior competência percebida nos estágios iniciais da prática afeta também a motivação extrínseca, uma vez que os treinadores e os pais tendem a valorizar os desempenhos apresentados, contribuindo dessa forma para que os jovens sigam motivados a se desenvolver na modalidade.

A experiência é outro fator afetado pela diferença de idade cronológica e que o ERI, sobre essa variável, deve ser considerado ao se avaliar o desempenho apresentado por um atleta. A diferença de 11 meses para um indivíduo de 10 anos de idade, por exemplo, significa aproximadamente 10% da experiência total vivenciada pelo mesmo, podendo representar uma porcentagem ainda maior se levarmos em consideração apenas a experiência específica em uma determinada modalidade esportiva.

ESCALONAR AS IDADES

Mas, afinal, o que pode ser feito para reduzir o impacto do ERI nas próximas gerações de tenistas? O primeiro passo para reduzir, ou até mesmo eliminar o ERI no tênis, é conscientizar os treinadores que trabalham com os infanto-juvenis de que esse fenômeno existe. As vantagens morfológicas, físicas, psicológicas e de experiência, decorrentes da maior idade cronológica, devem ser consideradas pelos técnicos no momento de avaliar o verdadeiro potencial apresentado pelo tenista.

Professores conscientes evitam a seleção precoce de atletas para participar dos grupos de treinamento, dando condições igualitárias de treino e competição para todas as crianças nas primeiras etapas da preparação esportiva a longo prazo.

No momento de selecionar, é fundamental que os treinadores não se baseiem puramente nos resultados e nas características físicas momentâneas apresentadas pelos tenistas, uma vez que os resultados no tênis infantojuvenil são fortemente influenciados pela maturidade e/ou "experiência".

Outra alternativa viável para combater o ERI é aumentar o número de categorias etárias, reduzindo, com isso, o intervalo de tempo entre elas. Durante a transição para a puberdade e na pubescência, essa divisão em períodos mais curtos - de um ano - fornece melhores oportunidades para todos os jogadores e possibilitam aos treinadores uma visão mais aprimorada das habilidades e do potencial apresentado pelos atletas. Essa divisão propicia ainda o aumento do número de crianças e jovens em condições de participarem das competições, reduzindo as diferenças antropométricas, de maturidade e de experiência.

EXEMPLO DO PARANÁ

No Paraná, desde 2012, criou-se um ranking paralelo para os eventos denominados de G2. Nesses eventos, as categorias para os tenistas masculinos são divididas em intervalos etários de um ano, o que permite ao atleta, que completaria 12 anos em dezembro de 2013, por exemplo, competir nessa categoria até dezembro de 2014, data em que faria 13 anos. Com isso, possibilitamos aos tenistas afetados pelo ERI condições para que eles possam continuar se desenvolvendo de forma integral e para que consigam seguir competindo em condições de igualdade até finalizarem o processo natural de crescimento e desenvolvimento físico, momento no qual os ERI, em geral, são reduzidos.

Caio Cortela

Publicado em 24 de Abril de 2013 às 08:49


Juvenil/Capacitação

Artigo publicado nesta revista