Instrução Capacitação

Lição para quem treina

O que fazer quando professores e técnicos confundem funções?



Treinadores não podem achar que sabem tudo. Precisam estar sempre aprendendo e precisam ouvir os atletas para entenderem suas necessidades

ESTAR ABERTO A COMPARTILHAR opiniões com o próximo é a maior prova de que a comunicação é essencial para se construir caminhos vencedores na vida. Afinal, é como dizem, ninguém nasce sabendo. Pode acontecer que você domine um determinado assunto, e, por isso, venha a orientar os mais leigos e ter propriedade para fomentar argumentos. Da mesma forma, observar, relacionar-se com o sujeito ao lado e se colocar no seu lugar em busca de compreender ainda mais suas experiências é o que dá base para ficar mais calejado para enfrentar as armadilhas ao longo do caminho.

Assim como acontece em nosso dia a dia, o tênis também expõe os momentos de conflito, e muitas vezes o problema acaba piorando por conta dos envolvidos não respeitarem os seus próprios limites. Não adianta, por exemplo, o técnico ou professor se exaltar com a criança no treino, gritar com ela e tratá-la como profissional, da mesma forma que um professor do clube querer impor uma rotina intensiva de treinamento aos alunos sem qualquer formação ou preparo para tal. Sem organização, começam as dúvidas – ele está fazendo um bom trabalho? Será que não há uma pessoa mais qualificada para desenvolver aquele jovem atleta?

Entender o papel dos vários profissionais envolvidos na formação do tênis foi um dos assuntos expostos na Jornada Internacional de Capacitação realizada pela Confederação Brasileira de Tênis (CBT), na Universidade de São Paulo (USP) no início de julho, e que contou com a participação do espanhol Miguel Crespo, responsável pelo Departamento de Pesquisa da Federação Internacional de Tênis (ITF), que dirige o programa de desenvolvimento de treinadores da entidade, e do chileno Miguel Miranda, diretor de Desenvolvimento da ITF na América do Sul.

CADA UM NO SEU QUADRADO

Com 55 participantes no evento, Crespo e Miranda passaram o conhecimento do método de ensino de escolas conceituadas no exterior e abordaram temas como o treinamento mental, as técnicas de concentração em quadra, os padrões táticos para tornar o trabalho mais eficiente, e a administração de conflitos no esporte. Nesse último tópico, Miranda, envolvido com tênis há 44 anos, explicou detalhadamente quais são as áreas de trabalho em que os professores correm maior risco de causarem problemas. Fatores extra-quadra perdem total importância a partir do comprometimento que ele tem com a profissão e o chileno avisa – o respeito com o aluno vem em primeiro lugar. “O mal da Era Moderna é não saber escutar. Por isso, às vezes, o professor não tem conhecimento sobre as necessidades reais do jogador, quer impor seu ponto de vista a qualquer preço e acaba parecendo uma competição. O professor nunca pode subestimar o aluno, não ficar lembrando só os erros e generalizando sua conduta, pois o problema só irá crescer. Deve-se ter comunicação para buscar as arestas do problema em um trabalho de equipe”, opina.

Para Miguel Crespo, conflitos só cessam quando há capacitação adequada

Partindo do mesmo ponto de Miranda, Crespo deixou claro que os conflitos no tênis só poderão ser evitados caso os professores tenham a formação necessária para compreender até onde vai seu trabalho com o intuito de ajudar o jogador. “Conflitos sempre existem no tênis, assim como na vida. Mas é importante que o treinador esteja preparado para trabalhar, para encontrar soluções para os problemas. E, para isso acontecer, deve haver um treinamento, uma formação para saber lidar com os conflitos gerados com os atletas”.

Mas reconhecer suas próprias limitações e perceber, talvez, que não é a melhor pessoa para continuar o trabalho com o aluno ainda são tarefas bem árduas para alguns profissionais da base do tênis brasileiro. Para Marcelo Sandoval, coordenador técnico da academia Daher Tennis, em São José dos Campos, a estrutura no Brasil deveria prezar primeiramente pela organização na estrutura de formação, diferenciando o trabalho específico do professor e, depois, do técnico. “Deveria vir de cada um de nós o discernimento de reconhecer até onde podemos contribuir. O sujeito que é professor de tênis deveria apenas cuidar da formação dos alunos. Não adianta ele tentar trabalhar com alto rendimento, porque não vai fazer um bom trabalho. E da mesma forma, não dá para um treinador orientar um jogador top 20 e, ao mesmo tempo, dar aula para meninos de nove anos. Assim não formamos ninguém. Se nós conseguíssemos diferenciar esses conceitos nos clubes, nas academias, começaríamos a ter melhores resultados”, afirma.

O professor Carlos Vieira, do projeto social “Bola Dentro”, realizado no Parque Villa-Lobos, em São Paulo, corrobora a opinião de Sandoval e reclama da vaidade de profissionais da mesma classe em não compartilhar informações. Para ele, isso se torna um entrave para ter uma sequência de trabalho adequada com os jovens. “Eu me preocupo bastante em ensinar da maneira certa para os meus alunos. Mas o ego, o fato de alguns técnicos acreditarem que tem ‘o rei na barriga’ e não falarem sobre determinados assuntos é uma falha. O que mais falta é essa parte da comunicação, da união na equipe de trabalho”.

Na Jornada, Crespo e Miranda também auxiliaram os participantes a levantarem soluções de como o Brasil pode ter uma estrutura de base mais promissora. Para a treinadora Suzana Silva, que faz parte da equipe de capacitação da CBT, tudo começa com humildade por parte de quem pode transportar conhecimento ao invés de mantê-lo engessado. Veja o que ela pensa a respeito na análise a seguir:

VAIDADE X IGNORÂNCIA

A “vaidade”, ou o “desejo imoderado de atrair admiração ou homenagem”, atrapalha o treinador que, ao ser pego numa falha, perde a pose. Ele, sendo vaidoso pela qualidade profissional alcançada, não quer admitir que há conhecimento sendo produzido a todo instante, algo que ele ainda não conheça sobre o tênis. Mas, ao deixar de se capacitar por vaidade, isso leva à reflexão de que a razão para ele não adquirir conhecimento é a ignorância. Como alguém pode pensar que já conhece tudo sobre um jogo que está em constante evolução, aliás, como tudo na vida?

Essa ignorância é a grande causa de sofrimento dos treinadores e de seus pupilos. Se temos a oportunidade de estar em contato com outros treinadores, numa competição ou no próprio local de trabalho, e não aproveitamos para trocar informações, isso não é vaidade, é ignorância.

Também por vaidade, alguns professores de sucesso acabam se enveredando pelo treinamento de alto nível sem a devida preparação. Faz parte da evolução do profissional do ensino do tênis desenvolver-se e descobrir desdobramentos da sua formação e atuação. Posso ter iniciado minha carreira no tênis como atleta, descobrir a vocação pedagógica e terminar trabalhando com arbitragem internacional. No entanto, não chegaria lá sem realizar os cursos de arbitragem das federações estaduais e da confederação nacional, sem horas de prática em torneios amadores, e depois como juíza de linha em Challengers, Futures, até chegar à cadeira. Muita preparação. E como alguém sem preparação vai se meter a ser treinador? Da mesma forma que não queremos que nossos alunos pulem etapas, não desejamos isso também ao professor.

O Brasil tem profissionais que podem trabalhar com tênis para crianças, jovens, para senhoras e senhores, em caráter educativo, social, competitivo e de alto rendimento. Podemos trabalhar mais especificamente na técnica, na tática, na preparação física ou mental. Podemos trabalhar capacitando outros professores, organizando eventos de tênis, arbitrando. As possibilidades são muitas, e precisamos entender onde somos mais úteis. Os cursos de capacitação nos ajudam também nesse sentido: conhecendo melhor o jogo, podemos conhecer melhor como queremos atuar. Para cada função escolhida, dá-lhe capacitação. Ou você pensa que os professores que trabalham com crianças precisam estudar menos do que os que trabalham com alto rendimento? Bem, depende se você quer ser apenas “mais um” ou se quer realmente fazer a diferença.

A experiência acadêmica me deu não só o conhecimento, mas o prazer em buscá-lo e em produzi-lo. A experiência como atleta me deu o peso de ter vivenciado em quadra o que procuro transmitir aos meus alunos. E os cursos de capacitação entregam a atualização necessária que só acadêmicos loucos por tênis podem dar. Portanto, não dá para perder. A não ser que você queira continuar... ignorando.

Por Matheus Martins Fontes e Suzana Silva

Publicado em 23 de Agosto de 2013 às 00:00


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