Fazendo a América

O que é o circuito Cosat? Quem deve jogar? É seguro? É uma experiência válida? A Revista TÊNIS dá um panorama da série de torneios juvenis realizada todos os anos na América do Sul


MUITOS PAIS – que começam a acompanhar o tênis “competitivo” de seus filhos – seguem caminhos parecidos com este: primeiro, torneios de clubes e academias; depois, alguns campeonatos estaduais federados; em seguida, talvez uns brasileiros. qual seria o próximo passo? o circuito cosat – da confederação sul-americana de Tênis. Por fim, quando se deve dar este passo?

É interessante ressaltar que, para a Federação internacional de Tênis (iTF), os tenistas brasileiros tendem a ser muito conservadores quanto à sua programação de torneios, ou seja, parece que os brasileiros só têm a mentalidade de disputar torneios mais fortes quando estão prontos para ser campeões, diferentemente do resto do mundo.

Uma cena comum é vermos os europeus, de 14 anos (e, às vezes, até mais novos), jogando torneios de 18 anos da iTF, válidos pelo ranking mundial. a primeira razão para isso que vêm à cabeça deles é que o jogador irá para estes torneios sem pressão de fazer bons resultados. ele mesclará os torneios mais fortes com alguns em que conseguirá bons resultados, mantendo a autoestima, com a indispensável experiência de competir em um nível mais elevado.


TOMAR A DECISÃO CERTA
E como acontece esse upgrade? Normalmente, através de um pai, que decide que seu filho não pode ficar atrás do menino contra quem sempre jogou e está seguindo uma linha mais arrojada em sua preparação. Aí, na mais inocente iniciativa, este pai dispara inscrições para torneios em que seu filho sequer conseguirá entrar na chave do qualificatório.

O que fazer e como escolher os torneios, já que mesmo os professores são muito conservadores e “temem” por derrotas arrasadoras e desmotivadoras (apesar de que, em muitos casos, esse temor é um pensamento correto)? A Confederação Brasileira de Tênis (CBT) está cuidando de parte do problema, criando um novo sistema de competições nacionais que seleciona os jogadores em grupos de acordo com seus rankings, acelera as disputas e valoriza um número maior de tenistas. A CBT faz questão que o sistema de desenvolvimento de nossos jovens valores não apresente um formato nocivo ao desenvolvimento prioritário dos garotos como pessoas, não dificultando sua frequência em uma boa escola, reduzindo o número de faltas, localizando mais as experiências, diminuindo os custos, facilitando a logística e a presença da família.

Mas é muito importante que se leve em consideração o nível de cada jogador. Cada um tem uma velocidade de evolução, consequentemente uma necessidade diferente de horas de treino, de nível de competição, de parceiros de treinos e jogos etc.


PARA QUEM É O COSAT?
Frequentemente ouve-se pais e alguns professores, ainda hoje, dizendo que estão treinando para disputar o Banana Bowl e a Copa Gerdau, como se esses fossem dois torneios nacionais “de luxo” para todos os brasileiros. Esse pensamento está errado.

O Banana Bowl é o mais conhecido torneio infanto-juvenil da América do Sul, com 40 edições. Ele é, geralmente, a 11a etapa do circuito Cosat, que se inicia na Venezuela e vem descendo por Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Uruguai, Paraguai e, por fim, Banana e Gerdau.

Sim, são dois torneios de extrema importância, mas não para a primeira experiência de tenistas iniciantes em torneios nacionais e, sim, para tenistas brasileiros, da América do Sul e de todo o mundo que investem nos rankings sul-americano e mundial, principalmente.

Sendo assim, o ranking estadual de nada adianta neste tipo de competição. Por isso, digo: Pais – marinheiros de primeira viagem ou primeiro Banana –, para garantir vaga neste ilustre torneio, seu filho precisa estar, teoricamente, entre os quatro melhores jogadores do Brasil ou ter participado de alguma das etapas do circuito Cosat. Se não é o caso, você pode até fazer a inscrição e acompanhar a lista de inscritos para testar a sorte.

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O exército escoltava os atletas em Cuenca na década de 90 Cerimônia de abertura sempre teve grandes pompas

O circuito Cosat é um acontecimento para o tênis de toda a América do Sul e, principalmente, para o tênis dos países mais pobres, sendo encarado pelos tenistas locais, muitas vezes, como o evento de suas vidas



OBJETIVOS
O principal objetivo do circuito Cosat é classificar jogadores para a Gira Europeia, que é um conjunto de torneios disputados na Europa. Os seis melhores tenistas da América do Sul têm todas as despesas pagas pela Confederação Sul-americana de Tênis para jogar essa gira. Vale ressaltar que os classificados de 14 e 16 vão à Europa competir em uma categoria acima (como incentivo ao desenvolvimento).

Já nos 18 anos, a disputa é pelos pontos no ranking da ITF, pela oportunidade de disputar grandes torneios, como os Grand Slams juvenis, e, em seguida lutar pelos benefícios oferecidos pela ITF aos melhores juvenis do mundo. Objetivos para os quais se faz indispensável a participação no circuito Cosat.

Para dar uma ideia aos mais novos adeptos do tênis competitivo infantojuvenil do quão complicado é esse circuito,:tenistas brasileiros não vencem o Banana Bowl de 18 anos no feminino há 19 anos e no masculino há 29 anos. O vencedor do Australian Open 2010, Tiago Fernandes foi eliminado na primeira rodada do Banana Bowl e na segunda da Gerdau, por exemplo. Para se ter uma noção da importância do Banana, Gustavo Kuerten, John McEnroe, Ivan Lendl, Gabriela Sabatini, Thomas Muster, Fernando Meligeni, Fernando Gonzalez, Marcos Baghdatis e Andy Roddick são alguns dos tenistas que já disputaram o torneio.

COMO É O CIRCUITO COSAT?
COMO JOGAR?
Primeiramente, o atleta deve e tem que ter jogado torneios nacionais, estar federado e confederado. O caminho mais certo é ter jogado os estaduais, os nacionais e, depois disso – quando já estiver emocionalmente preparado para jogos difíceis e condições desfavoráveis como altitude, calor, frio, estar longe da família etc –, aí, sim, encontrar um desafio bem interessante.

Se você julga seu atleta apto a encarar esse próximo passo da carreira, vamos a uma breve história. O circuito Cosat é um acontecimento para o tênis de toda a América do Sul e, principalmente, para o tênis dos países mais pobres, sendo encarado pelos tenistas locais, muitas vezes, como o evento de suas vidas. Portanto, muitos treinam o ano inteiro esperando um convite de suas confederações para representar seus países e “dão suas vidas” por essa oportunidade, tornando-se sempre adversários perigosos.



QUAIS OS PEIGOS DO CIRCUITO COSAT?
Há aproximadamente 10 anos, vários eram os riscos reais dessa experiência: as viagens por terra – feitas em estradas ruins e transportes péssimos, típicos de países como Colômbia e Bolívia principalmente – deixavam os familiares dos tenistas apreensivos. Essa também é uma preocupação dos organizadores dos eventos, que normalmente avisavam se havia algum perigo iminente.

No Equador, por exemplo, muitas vezes recebemos a orientação de não viajar por terra, de Guayaquil a Cuenca. E, no Peru, de Lima a Arequipa. E, para piorar, os transportes ainda podiam atravessar zonas de guerrilha, ou “apenas” trafegar pela “estrada mais perigosa do mundo” (como diz a lenda).

Manifestações eram muito comuns em quase todos os países, com exceção do Brasil. Vários de nossos atletas presenciaram, das janelas dos hotéis, a explosão de bombas de gás lacrimogêneo, ou coisas do tipo, assim como a ação do exército nas ruas. Às vezes, o exército foi chamado para dar segurança ao evento.

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Histórica quadra central do Cosat de Barranquilla Demarcando as linhas
com cal

Além disso, outros riscos são principalmente de ordem sanitária, como infecções, febre amarela, problemas de altitude ou algumas simples infecções estomacais, típicas de lugares muito úmidos como Guayaquil e Cochabamba, onde é fácil a proliferação de vírus e germes, que podem estar em qualquer alimento cru, até na banana. Outro aspecto que se deve sempre levar em consideração é a água que, em alguns lugares, é utilizada sem condições de higiene e, em outros casos, mesmo a água potável tem um tratamento que agride o organismo.

Neste ano, por exemplo, alguns jogadores brasileiros relataram ter visto o vendedor de um dos bares de clube colocando água da mangueira da quadra em um balde e usando para fazer sucos. Mas foi um relato, e o local era mesmo duvidoso. Por via das dúvidas, beba água mineral, sempre.

Jogar em quadras com linhas de cal é coisa do passado, mas, até muito pouco tempo atrás, a maioria das etapas era jogada em quadras com linhas demarcadas dessa maneira e isso causava muitas discussões nas marcações de bolas

Quanto a roubos, assaltos etc, é claro que, em qualquer grande centro, tudo pode acontecer. Na saída do aeroporto Jorge Chávez de Lima, no Peru, em 2000, o vidro traseiro da van que levava os atletas para o hotel foi quebrado por alguém que arrancou a raqueteira de um dos garotos pelo buraco e fugiu. Sempre ouvimos alguns relatos de assaltos e furtos, mas, na maioria das vezes, por descuidos como, por exemplo, jovens andando sozinhos em locais perigosos como Guayaquil – que chegou a ter toque de recolher e ninguém deveria transitar pelas ruas depois das 22h.

Jogar em quadras com linhas de cal é coisa do passado, mas, até muito pouco tempo atrás, a maioria das etapas era jogada em quadras linhas demarcadas dessa maneira e isso causava muitas discussões nas marcações de bolas.

No entanto, aeroportos minúsculos com toda a operação de malas manual, sem sistemas de computador, ou chaves feitas à mão e árbitros locais que favoreciam descaradamente os tenistas locais são coisas do passado. Passado bem mais próximo do que se pode imaginar, mas que dá até saudade, para os que viveram tudo isso e lembrarão como um tempo “romântico” do circuito Cosat.

 
 
   


CUSTOS
Muitos pensam que a “parte alta” do circuito (Venezuela, Colômbia, Equador, Peru e Bolívia) é cara, difícil de viajar e ruim para jogar. Ledo engano. A passagem aérea, obviamente, custa mais caro, mas com US $ 2 você pode andar “um dia inteiro de taxi” e pode comer em ótimos restaurantes por US $ 10.

O cardápio do tenista em La Paz em 2010 custava US $ 2 e incluía uma sopa de entrada, prato principal (bem servido e de ótima qualidade), suco e sobremesa. Ainda em La Paz, gasta-se US $ 70 por pessoa por uma semana de hotel 4 estrelas com janela para o Illimani e café da manhã com “marraqueta” (pão típico da região).

Enquanto na “parte baixa” do circuito saímos de US $ 2 a bandeirada do taxi, ou seja, a mesma quantia só para sentar no carro. As diárias giram em torno de US $ 30 por dia ou mais. E a alimentação também costuma ser mais cara.

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Claro que tudo isso é para quem não tem gratuidade. Para os que têm, principalmente nossas etapas (Banana Bowl e Gerdau), são imbatíveis. Este ano os organizadores do Banana Bowl ofereceram gratuidade para as categorias 14 e 16 anos (masculino e feminino) em hotéis – nada de casas de família e alojamentos, comuns para essas categorias. Da refeição, apesar de R$ 20, ninguém reclamou, pois estava maravilhosa, especialmente no clube Bela Vista. Caro mesmo é andar de taxi em Blumenau


EXPERIÊNCIAS
Fora a experiência tenística, que do início ao fim acrescenta muito para as crianças, o circuito Cosat é banhado de cultura das Américas e também do tênis mundial como, por exemplo, a quadra central de Barranquilla, por onde já desfilaram Tony Roche, Gustavo Kuerten, Marcelo Ríos, Thomas Muster, Petr Korda, Andy Murray, João Cunha Silva, Horst Skoff, Patricia Tarabini, Mariana Pérez Roldán, Thomaz Koch e Maria Esther Bueno.

Há cerca de 10 anos, vários eram os riscos reais dessa experiência: as viagens por terra – feitas em estradas ruins e transportes péssimos, típicos de países como Colômbia e Bolívia principalmente – deixavam os familiares dos tenistas apreensivos

E, nos raros dias livres, pode-se conhecer lugares inesquecíveis e tirar fotos que serão mostradas aos netinhos com muito orgulho, como o lago Titicaca, o cânion de Colca, o caminho dos Incas de Ingapirca, a maravilhosa catedral das minas de sal, estações de esqui etc. Isso sem contar a parte gastronômica, que vai agradar os pais privilegiados que podem acompanhar os filhos em algumas etapas.

COM OS MELHORES
Jogar um pré-qualifying, ter que trocar de roupa às pressas por estar fora das especificações, por não estar “substancialmente” igual ao parceiro de duplas, jogar um qualifying internacional, enfrentar adversários estrangeiros, jogar sob regras diferentes dos estaduais, ter que “discutir” com árbitros e expor seus pontos de vista em outro idioma, ver e estar com os melhores juvenis do Brasil e do mundo são apenas algumas das opções do “cardápio” de vivências que podem ser adquiridas nesses torneios, além dos aspectos emocionais, que, sem dúvida, serão as mais relevantes. Como experiência não se ensina, adquire-se, este é um ótimo caminho e uma ótima experiência de tênis e de vida.

Além da grande experiência tenística e de vida que se adquire neste circuito, também se há a possibilidade de conhecer lugares maravilhosos, como o lago Titicaca

Carlos Omaki

Publicado em 19 de Abril de 2010 às 08:54


Juvenil/Capacitação

Artigo publicado nesta revista