Sem tirar, nem por

De onde vem o sucesso da parceria entre Bruno Soares e Jamie Murray?

Desvende o desempenho da melhor dupla do mundo, campeã de dois Grand Slams


Antes do fenômeno dos irmãos Bryan, a última parceria a vencer dois Grand Slams em uma mesma temporada havia sido a do tcheco Lukas Dlouhy e do indiano Leander Paes em 2009. Sete anos depois, o brasileiro Bruno Soares e o britânico Jamie Murray conquistaram dois troféus, o primeiro no Australian Open e o segundo no US Open. E, agora, terminarão o ano como melhor dupla do mundo.

Mas como uma parceria que se reuniu há tão pouco tempo (apenas no final de 2015, pois, até então o brasileiro jogava com o austríaco Alexander Peya e o britânico com o australiano John Peers) foi capaz de obter sucesso tão rapidamente?

“O sucesso rápido vem de muito trabalho. Trabalhamos muito forte este ano. O sucesso instantâneo poderia ou não acontecer, como aconteceu nos dois primeiros torneios do ano (ATP de Sydney e Australian Open), poderia ser uma coisa passageira e depois esmorecer, mas provamos ao longo da temporada que éramos uma dupla muito forte, viemos melhorando a cada torneio, muito devido ao trabalho com nossos treinadores. Ajudou ainda o fato de nos conhecermos muito bem, conhecermos o estilo um do outro, juntar e adaptar para mesmo lado da quadra”, avalia o tenista mineiro.

Depois da espetacular campanha na Austrália, quando ambos levantaram seus primeiros Majors em duplas masculinas (os dois já haviam conquistado títulos em duplas mistas anteriormente), eles apresentaram algumas inconsistências, não ganharam nenhum outro campeonato, mas chegaram à final de dois Masters 1000 (Monte Carlo e Toronto). No US Open, contudo, consagraram-se novamente.

Complementos

O sucesso da parceria não está só no trabalho, mas no bom entrosamento. Enquanto o brasileiro tem um jogo muito regular e estável, o britânico apresenta um tênis repleto de alternativas inusitadas, inclusive para as duplas. Se Soares tem golpes limpos de fundo e voleios seguros, Murray, por sua vez, não se encabula de usar esdrúxulos slices de forehand, lobs de devolução, bate-prontos mirabolantes e voleios pouco ortodoxos. Enquanto um seria a pedra, o outro seria a tesoura no jogo de jokenpô.

“Sou um tenista sem muita oscilação, com uma boa devolução, e isso complementa muito os pontos fortes do Jamie, que é um dos melhores voleadores do circuito, muito rápido na rede, que incomoda demais, canhoto, saca bem. Isso também complementa meu estilo sólido, de cometer poucos erros”, destaca Soares.

Dessa forma, fundo e rede se completam e um diminui a responsabilidade do outro. “Acho que tenho um jogo de base forte. E o Jamie é um cara que trabalha muito bem os pontos na rede. Ele me ajuda com essa parte, sendo muito rápido, muito agressivo, e tirando um pouco da minha responsabilidade. E, por outro lado, na parte de fundo, ele não é um cara tão bom, tão sólido, então consigo tirar um pouco dessa responsabilidade dele. Os dois se complementando nesses dois setores faz com que a gente fique forte e tira um pouco da pressão de nossas áreas não tão boas”, confirma o brasileiro.

Jogo tático

Quem assiste a uma partida da dupla Murray-Soares sem prestar muita atenção nem sempre percebe, mas há jogadas bem combinadas apesar de, às vezes, elas aparentarem improvisos – especialmente quando realizadas pelo britânico. “A jogada perfeita é o Jamie na rede e eu no fundo com golpes firmes, ou seja, eu ajudando a construir o ponto e ele capitalizando em cima dos meus golpes, finalizando o ponto na rede”, revela Soares.

Em seus jogos em quadras rápidas, uma tática bastante usada, por exemplo, foi Murray cruzar a rede para interceptar a próxima bola tão logo o brasileiro devolvia um saque na paralela. Aliás, nas devoluções de segundo saque, além de o britânico cruzar na tentativa de interceptação, Soares também seguia rumo à rede para tentar finalizar o ponto. Essa foi uma das táticas que mais surtiram efeito na final do Australian Open contra o canadense Daniel Nestor e o tcheco Radek Stepanek, por exemplo.

No entanto, há sempre alguns imprevistos quando se joga ao lado de Jamie Murray. “O Jaime tem um jogo diferente. Como ele não é um cara muito firme do fundo, é irregular, ele adaptou muito bem. Ao longo dos anos, ele foi desenvolvendo novas jogadas, novas formas para ser um cara mais consistente, através do slice de direita, através do lob de devolução. E essas são jogadas que pouca gente consegue fazer, pouca gente usa. Então, querendo ou não, as pessoas não têm facilidade de se acostumar com isso. Ou seja, tem um fator de imprevisibilidade. Isso é uma das coisas que fez com que o Jamie melhorasse demais. Ele era muito previsível antes, tinha um arsenal muito pequeno. Hoje, com as variações, isso o torna um cara muito mais perigoso do fundo. E, complementando isso com seu grande jogo de rede, ele se tornou um dos melhores duplistas do mundo”, analisa Soares.

Saber ler o jogo também é algo imprescindível para toda parceria, pois a dupla é uma modalidade bastante estratégica. Além disso, também é muito rápida e com situações de pressão até maiores do que nas simples, pois, na maioria dos torneios, joga-se com a regra do “no-ad”, ou seja, os games não têm vantagem. Em 40 iguais, quem vencer o ponto leva o game. Portanto, uma jogada errada pode determinar um resultado.

“Taticamente, costumamos ter, no máximo, duas variações. Geralmente entramos com um plano do que vamos executar naquele jogo, baseado no nosso jogo, no piso, nas condições e na dupla adversária. Tentamos trabalhar nesses aspectos, mas vendo que não está dando certo, vamos fazer uma mudança, um ajuste. E, se continuar não dando certo, vamos para um plano C, que vai ser uma coisa mais arriscada, kamikaze, para tentar embaralhar o jogo, pois, se os dois planos não estão dando certo, é porque realmente a coisa está desandando”, comenta Soares. Mas quanto tempo esperar até alterar o plano tático? Um set? “Depende. Muitas vezes, você vê que certas coisas que combinou estão dando certo, mas, às vezes, você está pecando na execução. Às vezes, está errando uma bola boba. Tem que analisar o que é tática e o que é má execução para fazer o ajuste necessário”, pondera.

Jogada campeã de Bruno Soares e Jamie Murray

Um jogada arriscada, mas que dá muito resultado para a dupla Murray-Soares é quando o brasileiro devolve o saque (geralmente o segundo) na paralela – quando os adversários estão executando uma formação australiana (um quase na mesma linha do outro na hora de sacar para tentar confundir o recebedor) – e o britânico, ao perceber que a bola foi para o fundo, ou então ficou complicada para o voleador adversário, cruza a rede para tentar interceptar a próxima jogada. Quando bem combinada e executada, essa é uma jogada “de efeito” eficiente e que surpreende os oponentes. Confira como realizar:

Arnaldo Grizzo

Publicado em 27 de Dezembro de 2016 às 15:24


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