Agora é para valer
Manter a técnica sob pressão competitiva não é apenas uma questão psicológica
Poucas coisas são tão frustrantes no tênis quanto jogar muito bem no treino e, na hora de competir, apresentar um nível bem abaixo do esperado. Lamentavelmente, isso ocorre com frequência e é um mal que assombra tenistas de todos os níveis. Dos iniciantes a grandes jogadores consolidados, todos estão sujeitos a ceder ao estresse da competição. Mas, o que se pode fazer para que isso não aconteça? Muitos dizem que é uma questão “de cabeça”. Em parte estão corretos, porém, a questão é bem mais profunda e envolve outros fatores.
Existe uma forte relação entre a baixa performance sob estresse competitivo e a carência de habilidades mentais. Contudo, existem outras competências que igualmente influenciam o processo de manter a técnica e os golpes na pressão do jogo. Habilidades emocionais e físicas completam o conjunto de competências necessárias para resistir às tensões. Deve-se entender que o rendimento em competições é uma questão multidimensional, envolvendo mente, emoções e a parte física. Portanto, vamos analisar cada aspecto detalhadamente.
As habilidades físicas são a base para se ter e manter precisão e qualidade técnica sob pressão. Sem elas, de nada adianta a indumentária psicológica. Citamos a seguir as mais significativas competências associadas à parte física.
1. Uma boa biomecânica nos golpes
É comum acreditar que um golpe que falha sob pressão é fruto da falta de habilidades mentais. No entanto, se esse golpe sempre falha, pode estar certo que há um problema técnico nele. Os jogadores que possuem excelência técnica estarão seguramente mais blindados às tensões e cansaços advindos do estresse competitivo. Boas amplitudes de preparação, ritmo, fluidez, golpes sem sobrecarga, bons pontos de contato, garantem sobrevida em meio à pressão e aos nervos da partida. O golpe com maior fragilidade técnica será o primeiro a ruir sob estresse. Uma vez que ele falha consecutivamente, abala a confiança e passa a ser um problema emocional e mental. Mas a origem foi a carência de uma boa mecânica.
2. Boa técnica e capacidade de movimentação
O que antecede qualquer boa produção de golpes é uma grande movimentação. Mover-se com eficiência garante chegar equilibrado e estabelecer boas distâncias com a bola. Ambos são fatores primordiais para a precisão de um golpe. Se um tenista carece de boa movimentação, irá se mover de forma mais desequilibrada e imprecisa sob pressão e isso será avassalador para a boa qualidade de seus golpes. Muitas pessoas notam um golpe mal executado e se atêm ao golpe em si como responsável pela má execução, sem perceber que a movimentação inadequada já condenava aquele golpe muito antes de ele ocorrer. Essa crença ainda se intensifica pelo fato de o observador estar olhando a bola durante o jogo e não perceber como o jogador se move e se ajusta, registrando apenas o momento de execução. Assim como o observador externo, o próprio tenista não percebe esse inimigo invisível que limita sua eficiência técnica. Compor jogadores que possuem técnicas apuradas de mobilidade, com centro de massa baixo, leveza, flotação, é fundamental para duelar contra o campo gravitacional das tensões da partida.
3. Ter um bom alongamento
Este é um dos fatores mais lógicos. A principal ação do estresse competitivo é aumentar a tensão, tornando a musculatura mais rígida e, portanto, com menor poder de resposta e execução. Assim sendo, quem for mais flexível estará menos sujeito às amarras da pressão. Jogadores que desenvolveram maior volume muscular sem desenvolver a flexibilidade adequada possuem maior tendência a se enrijecer e passar a fazer força para jogar. Diminuição das amplitudes de golpeio (tanto na preparação quanto na terminação), cansaço excessivo, perda de ritmo e explosão, fazem parte desse pacote. Um tenista flexível seguramente está mais protegido das tensões do jogo.
4. Estar corretamente alimentado
Na situação de competição, manter um nível adequado de glicose no sangue, assim como adequada reserva de glicogênio, é de suma importância. Se os níveis de açúcar caem, haverá fortes lapsos na concentração e o surgimento de grande irritabilidade. Evidentemente, a perda da concentração é algo muito nocivo para uma boa performance. Jogar sob o comando de emoções, como a raiva, por exemplo, é igualmente inapropriado. Deve-se estar atento à ingestão constante de carboidratos após 90 minutos de jogo para garantir os bons níveis de glicose no sangue, evitando a perda natural de desempenho.
5. Hidratação
Qualquer processo fisiológico durante a realização de uma partida será afetado pela falta de água. É importante lembrar que quando sentimos sede, já estamos 30% abaixo de nossa performance. Devemos nos hidratar com frequência, observando as condições climáticas, garantindo o bom funcionamento de nosso corpo. O indivíduo desidratado perderá precisão, explosão e até coordenação, sendo levado a um colapso em sua estrutura de golpeio.
6. Estar bem condicionado fisicamente
Cansaço! Este é o maior responsável pela queda de qualidade na produção de golpes. A falta de condicionamento afeta a oxigenação entre e durante os pontos. Se a parte aeróbica não estiver adequada, o tenista não conseguirá se recuperar entre os pontos e jogará com pulsação muito alta. Há um nível adequado de batimentos cardíacos por minuto para se jogar (que varia de acordo com a pessoa), estando em uma faixa de 90 a 140 BPM. Caso o jogador exceda esses parâmetros, perderá rapidamente coordenação e precisão. Estudos revelam que jogar com pulsação alta, associada com altos níveis de tensão, é a combinação mais tóxica para a performance, podendo levar o indivíduo ao descontrole motor. Portanto, estar aerobicamente preparado é o primeiro patamar para se controlar a pulsação, algo fundamental quando se está sob pressão.
As carências anaeróbias, levarão, em partidas longas, a um cansaço prematuro. Perda de velocidade, reação e explosão são consequências diretas desse processo. Quando tomado pelo cansaço, o jogador é levado a executar movimentos compensatórios, deformando completamente os padrões técnicos. Perda de precisão, qualidade de execução e ritmo ocorrem, diminuindo rapidamente o desempenho. Muitas vezes, culpa-se a cabeça por ter tido um mal final de jogo, mas, na verdade, o cansaço sabotou o rendimento. Num jogo de detalhes, em que a pressão é alta, enfrentar pontos decisivos cansado o deixa totalmente desarmado contra as tensões.
Partindo do princípio que as capacidades físicas estão devidamente desenvolvidas, a qualidade técnica sob pressão recai nas competências emocionais. Ter uma resposta emocional correta aos diferentes tipos de situações de estresse durante a partida é fundamental para manter as execuções dos golpes com excelência. Ter habilidades emocionais está relacionado com treinamento, mas também intimamente atracado à maturidade e experiência. É algo que se conquista em longo prazo. Confira os pilares dessas competências.
1. Autoconsciência
É a competência mais relevante. A sutil habilidade de ler, perceber, entender e tomar consciência das emoções que surgem durante a partida é a base para se ter respostas emocionais efetivas. Uma vez realizada a compreensão dessas emoções, o jogador é então capaz de direciona-las adequadamente para o rendimento. Conseguir sentir o surgimento de tensões nas musculaturas e saber positivamente ativar uma rotina de relaxamento. Direcionar um momento de raiva para canalizar ainda mais esforço e entrega para o jogo. Envolver um momento de euforia com a responsabilidade e seriedade que o próximo ponto exige. Enfim, são inúmeras as situações, mas todas começam com a percepção das emoções nascentes. Essa habilidade pode ser treinada e desenvolvida, mas a maturidade e a experiência competitiva são grandes aliadas na construção dessa virtude.
2. Autocontrole
A base do autocontrole está na capacidade de dosar a excitação. Existe um ponto ideal de excitação para cada pessoa. Se ele é muito baixo, o atleta cai em letargia e a resposta técnica não é boa. Já um nível muito alto prejudica a execução dos golpes e a correta biomecânica. Um jogador muito excitado pode se desordenar e perder facilmente o ritmo apropriado de golpeio. Há um equilíbrio na intensidade, ligeiramente tênue, em que não se pode estar nem pouco nem muito intenso. Esse ponto ótimo varia. Rafael Nadal obviamente rende melhor com níveis mais altos de excitação e intensidade do que Roger Federer. Mas, independentemente do tenista, existe um faixa adequada que deve ser conhecida pelo indivíduo, remetendo-se a ela continuamente durante a partida através de rituais.
3. Gerenciamento de erros
Esta é uma habilidade que também está relacionada com a maturidade. A experiência de vida ensina a lidarmos com perdas e derrotas diariamente. Quanto mais velho e maduros nos tornamos, melhor aceitamos nossas quedas. O problema é que, no tênis, jogadores com grande potencial competitivo odeiam errar, abominam perder. Todo grande competidor possui essa característica – que se contrapõe diretamente à aceitação dos erros. Portanto, essa habilidade, quando bem edificada, elimina essa vulnerabilidade inerente aos bons competidores. Saber lidar com os erros, as frustrações, as derrotas, a má sorte, as interferências externas destrutivas que ocorrem em um jogo, blinda o jogador de ser acometido por emoções negativas que seguramente vão interferir nas execuções técnicas. O tenista deve ser capaz de interpretar positivamente essas adversidades, mantendo um enfoque positivo, um autodiálogo construtivo, resistindo o quanto for necessário, evitando raiva, desânimo e, principalmente, discursos pessimistas. Caso contrário, acabará ficando negativo e isso terá uma interferência direta em seus golpes e sua precisão.
4. Controle da respiração
Há dois tipos de respiração que se deve controlar plenamente. A primeira é durante o ponto, em que o tenista deve ser capaz de inspirar quando prepara o golpe e expirar concomitantemente à sua execução. Golpear a bola prendendo a respiração contribui significativamente para enrijecer, afetando a qualidade técnica. Inspirar no momento de acelerar a raquete para a bola limita significativamente a explosão do golpe, comprometendo a potência do tiro. Sincronizar a respiração com o golpe é tão fundamental quanto o próprio golpe.
A respiração entre os golpes também tem um papel importantíssimo. Respirar profundamente entre os pontos recupera efetivamente o jogador fisicamente – combate as tensões, expulsa emoções negativas, como a raiva e medo, e regula o batimento cardíaco e pressão sanguínea, auxiliando na sintonização dos níveis de excitação.
5. Linguagem corporal
“A linguagem corporal entre os pontos e a excelência na execução técnica durante os pontos parecem amplamente desconectadas. Mas não estão. Há uma conexão emocional entre elas”, aponta o psicólogo esportivo James Loehr. Se adotamos uma linguagem corporal positiva entre os pontos, nutrimo-nos de emoções positivas que fluirão para o próximo ponto. Se o jogador se dirige para a zona de saque demonstrando confiança, motivação, otimismo e prazer em estar jogando, será influenciado por essas emoções no decorrer do ponto. Aquele que caminha de forma derrotada, reclamando, com tristeza, desânimo e negatividade, acabará sendo regido por essas emoções. E como já foi citado, emoções negativas alteram o formato dos golpes, ao passo que as positivas auxiliam as boas execuções.
Desde que os aspectos físicos e emocionais estejam incorporados e bem empregados pelo jogador, surge a base para a performance em nível mental. A aquisição e o emprego efetivo das várias habilidades mentais requer treinamento sistemático. Confira as principais.
1. Concentração
Elevar o foco e a atenção durante a partida é fundamental para a correta produção de golpes. No entanto, é imperativo saber para onde direcionar essa concentração. Estar analisando os golpes durante ou entre os pontos bloqueia a fluência e o jogador acaba “travando”. Estar concentrado temporalmente ou seja, no passado ou futuro, gera distrações, expectativas e enrijece, reproduzindo mecânicas abaixo do ideal. O correto é a mente estar calma. Pensando ponto a ponto no presente. Focar na tarefa seguinte, no próximo ritual, na tática a ser empregada no próximo ponto, enfim, no evento que se apresenta. Jogadores que experimentam ótimas performance sob pressão relatam essa sensação de vazio na mente, pensando unicamente no que estava sendo feito. Isso não é tarefa simples. Caso a mente escape para outros lugares, traga-a gentilmente para o aqui e agora.
2. Estabelecimento de metas
O objetivo do jogador, antes e durante a partida pode afetar significativamente os níveis de estresse. Se ele coloca metas de resultado como ,por exemplo, atingir certa rodada ou somar determinado número de pontos, pode se pressionar demasiadamente, além de desviar sua atenção para as consequências do jogo e não para o jogo em si. Esses fatores geram tensões que acabam contaminando as boas execuções técnicas. É muito importante estabelecer metas de rendimento como, por exemplo, aplicar o plano combinado com o técnico, executar certa jogada, ou responder melhor mentalmente a certa situação. Quando estabelece metas de natureza de performance, o jogador está imerso em um universo que é capaz de controlar e isso diminui a tensão e a pressão relativa da partida. Tudo é interpretativo. Se entendermos que um jogo é uma questão de vida ou morte, vamos estar tensos. Se é uma oportunidade de melhora, estaremos mais seguros e relaxados.
3. Visualização
Interagir com o jogo através de imagens mentais é uma grande ferramenta para realizar os complexos movimentos do tênis. As imagens repousam no hemisfério não dominante do cérebro, sendo o lado oposto da parte lógica e analítica. Isso conduz o jogador a jogar de forma mais intuitiva e natural, evitando as paralisias por estar pensando demais. Antes de sacar ou devolver, incorporar um ritual em que se “vê" imagens mentais do golpe, procurando sentir as sensações da execução. Esse procedimento impulsionará formidavelmente a boa execução. Pode ser utilizado também ao se cometer um erro, revivendo por imagens o golpe correto e se fortalecendo para executá-lo melhor futuramente.
4. Preparação mental
A disciplina fora da quadra, seguir as rotinas de descanso, treino e alimentação rigorosamente. Pensar no jogo e nas questões envolvidas. Imersão. Esses aspectos tornam os jogadores mais aptos a enfrentar a pressão e desafios da competição. Quanto mais preparados estão, maior suas chances de realizar bons padrões técnicos durante o jogo.
5. Uso adequado do tempo
Quanto mais apressado se joga, maior as chances de perder a precisão e o ritmo correto de execução. Usar adequadamente o tempo entre os pontos, respirando, atingindo o ponto exato de excitação e batimento cardíaco, relaxando a musculatura e adotando um bom plano para jogar o ponto seguinte é fundamental para se ter um bom rendimento técnico. Quem salta essas etapas consecutivamente, impulsionado pela ansiedade, vai levar esse “rush" para o ato de golpear e seguramente terá uma queda de qualidade na produção de golpes.
6. Autodiálogo
A voz interna do jogador é um agente de grande poder. A voz crítica e condenadora, que ganha ainda mais força quando verbalizada, afetará a mecânica dos golpes. Quanto mais negativo e punitivo o discurso, menos apto se está para golpear corretamente. Por outro lado, se tiver autodiálogo positivo, resiliente, encorajador, criará uma atmosfera calma e positiva, ideal para as complexas execuções técnicas do tênis. Jogadores que experimentam grandes performances revelam que sentiram uma grande quietude dentro deles. Portanto, procurar falar pouco e quando o fizer, que seja de maneira positiva.
Render tecnicamente sob pressão não é simples. Atribuir as falhas constantemente a aspectos mentais ou buscar a solução em habilidades mentais é superficial. Existe um conjunto de fatores físicos e emocionais, além dos mentais, que se inter-relacionam constantemente e interferem em conjunto na produção de golpes. Deve-se ter uma abordagem multidimensional, integrando corpo, mente e emoções, para atingir a blindagem contra as pressões e tensões do jogo. Só assim o leão sairá da jaula.
Publicado em 15 de Março de 2016 às 18:40
+LIDAS