Em entrevista, ex-tenista contou detalhes da vitória sobre Marcelo Ríos, falou da experiência de disputar o torneio e disse acreditar em chance de medalhas
Da redação em 20 de Julho de 2019 às 10:16
Reprodução: Facebook/CBT
Fernando Meligeni e Carol Meligeni têm mais coisas em comum do que apenas o sobrenome. Ligados através de laços de família, os dois são também apaixonados pelo tênis e amam o Brasil. Tio e sobrinha, eles terão mais uma coisa em comum a partir do próximo dia 26 de julho. A data marca o início dos Jogos Pan-Americanos de Lima, no Peru, onde paulista de 23 anos pretende honrar o nome do Fininho, medalhista de ouro na competição 16 anos antes, nos Jogos de Santo Domingo, na República Dominicana.
A competição multi desportiva foi um dos pontos altos da carreira de Meligeni. Atleta de grande expressão para o tênis brasileiro, ele foi um dos mais destacados jogadores do país nos últimos 30 anos. Em seu currículo, aparecem 3 títulos de nível ATP em simples (Bastad, Pinehurst e Praga) e 7 em duplas (Santiago, Estoril, Bologna, Stuttgart, Bogota, Gstaad e Casablanca). Além disso, 'Fino' teve campanhas de peso em Roland Garros - onde foi semifinalista em Roland Garros em 1999 e fez parte de um geração que representou bem o Brasil na Copa Davis, chegando à semifinal em 2000.
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Uma carreira como essa merecia uma despedida que fosse tão especial quanto. Quando decidiu se aposentar das quadras, Fernando Ariel Meligeni talvez não imaginasse que o último capítulo de sua trajetória seria tão emocionante e marcante para os torcedores. Contra um potente Marcelo Rios, ex-número #1 do mundo à época, ele travou uma batalha que até hoje é lembrada pela intensidade e o esforço do brasileiro para sair com a vitória. "Até hoje, 16 anos se passaram e as pessoas falam do jogo, muitos lembram, mandam mensagem. Às vezes é meio chocante a final ter tido toda essa repercussão", comenta Fino.
Em entrevista à Revista Tênis, Meligeni conta como usou a experiência para sair do buraco, salvar match points e conquistar a vitória. Além disso, ele comenta o que fez de diferente para vencer Rios pela primeira vez depois de cinco derrotas, relata as experiências diferentes vividas ao disputar um torneio com esportistas de diversas modalidades, aponta a chance de conquista de medalhas para os tenistas brasileiros no torneio e conta com orgulho a felicidade de ver Carol honrando o nome da família.
Confira a entrevista completa com Fernando Meligeni:
1) Como foi a experiência de disputar um torneio desse tamanho, com outros 5549 atletas de diferentes modalidades?
Uma das maiores experiências que a gente tem é dentro de um Pan-Americano, de uma Olimpíada. No Pan eu já tinha dito uma experiência anterior, da Olimpíada de Atlanta, e acho que aproveitei bastante.
Consegui ir a alguns jogos, conversar bastante com os outros jogadores, outros técnicos, ter essa troca de experiência. O Pan te traz muita bagagem. Além dos resultados e da necessidade de jogar bem e de representar bem o país, você tem a oportunidade de ganhar muita maturidade, conhecer pessoas legais, entender como o esporte é tratado pelos outros atletas, é muito interessante, muito rica essa experiência.
2) Conquistar uma medalha vestindo as cores do Brasil era uma meta em sua carreira? Se sim, por quê?
Não posso colocar como uma meta. Penso que virou uma meta depois que cheguei tão perto da medalha em Atlanta, quando fiquei no 4º lugar, a um jogo da medalha. Ficou aquele gostinho de quase.
Quando eu decidi parar de jogar virou uma coisa importante para mim e uma vontade. Quando eu cheguei ao Pan-Americano esse era meu objetivo. Não era ser campeão Pan-Americano, ouro, prata. Eu queria ganhar uma medalha, achava que isso seria coroar meu último campeonato de uma forma legal.
Logicamente quando você entra no campeonato você vai querendo ser campeão e ganhar todos os jogos, o que acabou acontecendo. Mas não posso dizer que desde o primeiro momento em que entrei no tênis eu tinha o sonho de ganhar uma medalha. Foi aparecendo com o tempo.
3) Antes do Pan, você já tinha jogado com o Marcelo Rios 5 vezes e não o tinha vencido. Você fez algo diferente para superá-lo dessa vez?
Marcelo sempre foi um cara muito complicado para mim. Ele é um cara extremamente talentoso, que conseguia direcionar a bola onde queria, isso fazia com que ele encontrasse muito o meu revés, minha esquerda.
Ao mesmo tempo, vária das vezes em que nos enfrentamos tive oportunidades de vencer. Tive match point em Washington e num voleio incrível que ele ganhou. Tive set e dois breaks à frente no ATP de Santiago e também acabei perdendo.
Não era um jogo onde eu não conseguia me sentir confortável jogando. Era um cara que me levava para o desafio de uma maneira muito gostosa, porque a gente se bicava dentro da quadra e, ao mesmo tempo, a gente era amigo, só não queríamos perder um para o outro.
O Pan teve muito a mão do Maurão Menezes, que acabou estudando muito, porque era uma possibilidade clara e a gente treinou durante a semana. Ele tentou me ajudar muito no lado estratégico e no aspecto mental, de que dava para ganhar. Devo muito a ele essa vitória. Mas tive que fazer coisas diferentes sim, principalmente entrar pelo lado físico, o lado 'maratônico' do jogo. Estava muito calor e eu sabia que fisicamente eu era melhor que ele, apesar de tecnicamente ele ser melhor. Acabou dando certo.
4) Para vencer o Rios, você precisou salvar match points para aí buscar a vitória. O que passou na sua cabeça quando ele sacou para o título? O que fez para conseguir a virada?
Engraçado que as pessoas acham que a gente pensa demais nas consequências. Um jogador, quando vai ficando mais experiente, consegue perceber que tudo o que vai acontecer e o que já aconteceu precisa ser colocado de lado.
Quanto mais você tem essa tendência dentro de um jogo, quando mais experiente, mais você percebe que o ponto é o que vale. Quando o cara está sacando o match point, você não deve estar pensando em tudo o que você vai perder, ou mesmo pensar no que irá ganhar caso você que esteja com a vantagem.
A tensão existe. O medo existe em todos os jogadores. Mas você está pensando no próximo ponto. As coisas passaram na minha cabeça durante o tie-break, principalmente quando ele estava ganhando o terceiro set e também várias vezes no segundo, quando ele teve a oportunidade de ganhar o jogo, mas o que eu ficava pensando era no próximo ponto, na estratégia.
A única coisa que passava na minha cabeça é que eu tinha que continuar lutando, tinha que seguir acreditando. Era o que eu escutava do Márcio Carlsson, do Maurão Menezes, do Robert Scheidt, que estavam lá fora. 'No próximo ponto, vai para ir para cima dele, aguenta, fica forte mentalmente', esses eram os meus pensamentos. Se você sai do jogo e começa a pensar nas consequências com certeza você perde.
5) Como foi a recepção no Brasil após a medalha de ouro?
Esse é um ponto muito interessante. Era uma época que não tinha redes sociais, lembro que quando acabou o jogo tinha um orelhão no meio da Vila Pan-Americana, com uma fila gigantesca de pessoas que queriam ligar para suas casas. Fiquei essa fila, esperando para ligar para o Brasil num 0800 para minha casa e contar.
Ali fui perceber o tamanho, porque a gente não tem essa noção. Diferente de hoje, naquela época você só tinha o que você achava que as pessoas acreditavam. Quando cheguei ao Brasil fiquei impressionado.
Lógico que o Pan era importante, que minha aposentadoria também era, mas eu não tinha noção do quão importante foi aquele jogo para as pessoas, o quanto as pessoas pararam de almoçar no Dia dos Pais para acompanhar o jogo. Não tinha essa noção, foi impressionante. Até hoje, 16 anos se passaram e as pessoas falam do jogo, muitos lembram, mandam mensagem. Com as mídias sociais o jogo voltou a ser mostrado para as pessoas e isso bem é legal. Às vezes é meio chocante a final ter tido toda essa repercussão.
6) Como é, para você, ver sua sobrinha disputar um torneio desse, 16 anos depois de sua conquista?
É um grande orgulho. A Carol é uma menina que vem lutando muito há vários anos, que está tentando conquistar o seu espaço. Não é fácil, a gente sabe muito bem a dificuldade de ser uma tenista no Brasil. Era um objetivo dela ser uma das convocadas do Pan-Americano. Ela conseguiu graças ao seu ranking, aos seus méritos e está muito feliz.
Estou muito feliz por ela ter alcançado um dos objetivos de carreira. Lógico que ela pensa grande e quer coisas grandes. Vou torcer muito para que ela conquiste. A ideia é incrível, tanto que estou indo ir para lá para assistir os jogos dela. É a primeira vez que vou a um Pan depois de parar de jogar. Estou muito orgulhoso de ver a carreira da Carol e a luta que ela bota em quadra.
7) Como um medalhista de ouro no Pan, quais dicas você daria para a Carol e para toda a delegação do Brasil nos Jogos de Lima?
A maior dica que você pode dar é curta o Pan. Trate-o com a responsabilidade que ele merece. Se jogue atrás da bola, seja o mais fiel a sua vontade. Se você está indo lá para ganhar uma medalha, você vai se dedicar extremamente aos treinos e os jogos e ir focadíssimo.
Não é um campeonato diferente tenisticamente, mas é um campeonato muito diferente mentalmente. Aí é aonde vai ser o X da questão, você conseguir neutralizar todos os nervosismos, toda a pressão que um Pan-Americano tem. É o que sempre falo, estou sempre aqui sempre pronto para ajudar, independente do que ela precisar ela sabe que pode contar comigo, estarei aqui pronto para dar uma força.
8) O que você acha da não participação dos tenistas brasileiros melhores ranqueados na ATP e na WTA no torneio?
É um assunto tão delicado... É óbvio que aqui, do lado de fora, de quem está olhando o tênis a gente gostaria de ter os melhores jogadores, os número 1, 2 e 3 do Brasil o tempo inteiro em todas as competições.
Mas você sabe muito bem que existem demandas, focos diferentes e vontades diferentes. O Pan-americano tem um histórico de normalmente número 1 e o número 2 do país não jogarem. Esse ano esperávamos alguma coisa diferente, porque como tem classificação para Olimpíadas é uma coisa importante.
Acho assim, não é uma crítica, mas é uma constatação minha. Quando você não tem muita ligação com o Comitê Olímpico, com Federação, a Confederação, essas coisas, como foi no nosso caso no passado, que a gente não tinha nenhum tipo de ajuda ou nada desse estilo, era muito tranquilo você aceitar a não aceitar. Nós já jogavamos Copa Davis e os Jogos Olímpicos, então não jogar um Pan não mudava muita coisa.
Na hora que você começa a ter muita ajuda nesses últimos anos, por ter Olimpíadas no país e por ter outras verbas, é um pouco mais complicado e cria esse desconforto quando um atleta não joga, né?
Eu acho que isso é um relacionamento das entidades com os atletas e esse relacionamento tem que ser muito claro. Não consigo falar porque eu não estou no dia-a-dia. A Carol no primeiro momento já queria jogar, já era na cabeça dela e em nenhum momento ela me indagou para perguntar se deveria ou não jogar. Ela falou que queria jogar,
Acho isso maravilhoso, muito legal, muito interessante. Quem tem que responder sobre isso muito mais são as entidades e os próprios jogadores do que as pessoas que estão do lado de fora.
9) Qual destaque você faz entre os atletas presentes na delegação do Brasil? Acredita que temos chances do tênis trazer medalhas para o país?
O Pan-Americano sempre foi um campeonato que poucas vezes fomos com o Time A. No meu caso, acabei indo no último porque era o meu último Pan. Mas a grande maioria dos Pan-Americanos, ou quase todos, a gente não acabou indo com os melhores jogadores ranqueados no ranking.
Nesse ano vai a Carol, como jogadora número #2 do país na WTA e uma garotada mais jovem. O João Menezes está jogando super bem, está trazendo bons resultados. O [Marcelo] Demoliner é o terceiro melhor jogador do Brasil nas duplas e é um jogador que tem muita força. A Luisa Stefani é uma menina que tem grandes chances.
Penso que em todas as categorias a gente tem chance de trazer uma medalha. O Pan é um campeonato muito aberto. Não vejo nenhum nome que com certeza vai ganhar medalha de ouro aqui ou ali. Está aberto para todo mundo, seja em simples para as meninas, com a Carol, que é a única que vai disputar, quanto no masculino, que podemos ter do João, do [Thiago] Wild. Nas duplas podemos ter uma medalha na mista com o Demoliner e a Luisa, é possível uma medalha nas duplas femininas e também na masculina, já que o Marcelo é um grandíssimo jogador.
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Agora é chegar na hora e jogar bem, jogar tranquilo, solto, e conseguir fazer um bom resultado. No papel nós sempre pensamos que podemos, mas na hora, dentro da quadra você tem que representar e jogar bem tênis.
Vamos torcer! Estou muito feliz de estar lá assistindo como torcedor, totalmente torcedor, sem nenhum vínculo com o evento. Vou de torcedor, de penetra, vamos falar assim. Espero que os brasileiros possam fazer um grandíssimo resultado.