Após susto no primeiro dia, Brasil consegue virada em ritmo de funk contra a Colômbia em Rio Preto e disputará pela sétima vez seguida a repescagem do Grupo Mundial da Copa Davis
Por cinco sets, a torcida em São José do Rio Preto manteve o tom apreensivo e, em alguns momentos, de desespero. Por um jogo e meio, a consistente Colômbia revelou o motivo de o capitão João Zwetsch e toda a comissão brasileira ter alertado que esse seria o confronto mais difícil do País pelo Zonal Americano da Copa Davis nos últimos anos. E contra um rival que derrotamos nas sete oportunidades anteriores.
A equipe colombiana, mesmo nunca tendo disputado o Grupo Mundial, entraria em quadra com dois tenistas no top 60 – Santiago Giraldo já circula há algum tempo nessa faixa e tem retrospecto favorável contra os brasileiros – com direito a 4 a 1 diante de Bellucci -, e Alejandro Falla, que havia acabado de obter o melhor ranking da carreira. Além disso, a dupla contava com Juan Sebastian Cabal, atual vicecampeão de Roland Garros, e Robert Farah, campeão pan-americano nos Jogos de Guadalajara.
No ranking, o Brasil levava vantagem por ter Thomaz Bellucci, que já beirou o top 20 há um ano e meio. Como número dois da equipe, apresentava-se João Olavo Souza, o Feijão, jogador que vem adquirindo experiência nos grandes torneios, mas que faria sua estreia justamente em um confronto traiçoeiro. Marcelo Melo e Bruno Soares davam certo ar de segurança nas duplas pelo entrosamento de duas temporadas juntos, mas a instabilidade de ambos no circuito (principalmente de Soares, com quatro derrotas seguidas após o título no Brasil Open) não deixava de ser outra preocupação.
Capitão João Zwetsch acredita que Feijão, que fez sua estreia em Copa Davis, pode se firmar na equipe
O cenário estava montado no Harmonia Tênis Clube. Ao longo dos três dias, a torcida rio-pretense lotou as arquibancadas e, apelando para o hit carioca “Elas estão descontroladas”, empurrou o time verde-amarelo rumo ao triunfo e assegurou novo lugar nos Play-offs do torneio.
Na sexta-feira, Feijão teve a responsabilidade de abrir o confronto diante de Giraldo. Mesmo apontando o serviço como fator fundamental, o paulista não obteve êxito em sua estratégia agressiva e o oponente jamais esteve ameaçado na partida, confirmando o primeiro ponto da Colômbia. Assim, novamente, as fichas estavam em Bellucci. No jogo contra Falla, o canhoto de Tietê entrou de forma desconcentrada, errando mais do que o habitual. Falla abriu 2 sets a 0 e teve chances de derrubar o serviço do brasileiro no início da terceira parcial. Talvez esse momento tenha sido o divisor de águas do fim de semana.
Bellucci virou o game e, logo em seguida, quebrou o saque de Falla. Dali para frente foi um show do número um brasileiro, que imprimiu um ritmo forte e voltou a ser o atleta arrojado, que exigiu o máximo de Roger Federer algumas semanas antes, em Indian Wells. Desse modo, na noite da “Sexta-feira Santa”, o público saiu aliviado com a virada de Thomaz – a primeira de sua carreira quando esteve atrás por 2 a 0 – e o suado empate no dia.
“Em nenhum momento achei que ia perder, sempre acreditava que ia virar. Joguei com muita raça. Não joguei meu melhor tênis, mas Copa Davis é assim. Tinha que ganhar de qualquer jeito”, explicou Bellucci.
O empate contagiou a dupla mineira para o jogo de sábado. No que considerou sua melhor apresentação no torneio, Bruno Soares aprontou de tudo – passadas, devoluções no pé, voleios desconcertantes e lobs improváveis – e levou a plateia ao delírio com direito a um flashback musical dos anos 2000. Ao som de “Elas estão descontroladas”, do grupo Bonde do Tigrão, o Brasil chegou ao placar de 2 a 1. E nem mesmo um desconforto na panturrilha de Bellucci (por conta da batalha do primeiro dia) foi capaz de tirar o controle das mãos brasileiras no domingo.
Jogando contra os números – mau desempenho especificamente contra Giraldo – e diante de um oponente que não lhe guardava boas recordações na mesma Copa Davis (em 2008, Bellucci sucumbiu a fortes dores na perna em duelo contra o colombiano em Sorocaba), o paulista entrou consciente de que precisava tomar as rédeas do jogo. A inspiração, que faltou nas duas primeiras parciais contra Falla, sobrou no domingo de Páscoa e Bellucci finalizou rapidamente a partida com um incontestável 3 a 0. Ainda deu tempo para Feijão sentir o gostinho de anotar sua primeira vitória ao superar Farah no quinto jogo e selar o embate por 4 a 1.
“Temos batido na trave nos Play-offs, acho que a gente precisa fortalecer um pouco mais a equipe, é difícil você ser um grande jogador de Davis sem nunca ter jogado o Grupo Mundial. No ano passado [contra a Rússia], tentei mostrar que a gente tem condições. Na Copa Davis, tento me superar todos os dias”, finalizou Bellucci, que destacou a importância de jogar o Play-off em setembro ao lado da torcida. Felizmente (ou não!), demos sorte. A Rússia será, assim como em 2011, o último obstáculo para o retorno à elite do tênis mundial, porém, agora, em solo brasileiro.
BRASIL 4X1 COLÔMBIA Harmonia Tênis Clube, em São José do Rio Preto (SP) Santiago Giraldo (COL) v. João Souza (BRA) 6/3, 6/4 e 6/4 Thomaz Bellucci (BRA) v. Alejandro Falla (COL) 2/6, 3/6, 6/1, 6/4 e 6/3 Marcelo Melo/Bruno Soares (BRA) v. Juan Sebastian Cabal/Robert Farah (COL) 6/3, 6/4 e 6/2 Thomaz Bellucci (BRA) v. Santiago Giraldo (COL) 6/2, 7/6(3) e 6/2 João Souza (BRA) v. Robert Farah (COL) 4/6, 6/3 e 6/4 |
No ano passado, o Brasil tinha mais de 90% de jogar a repescagem do Grupo Mundial em casa, porém demos azar e enfrentamos a tradicional equipe russa em Kazan. Mesmo com uma superioridade até superestimada, os anfitriões confirmaram apenas no último jogo, com vitória de Dmitry Tursunov frente a Ricardo Mello (Thomaz Bellucci teve dois match-points para fechar a série quando o Brasil liderava por 2 a 1). Infelizmente, escapou por pouco.
Para 2012, o grupo brasileiro seria mandante apenas em três casos – contra Itália, Suíça e Rússia. Diante de Canadá, Suécia e Alemanha teríamos que viajar pelo terceiro ano consecutivo e, contra Israel e Cazaquistão, seria necessário um sorteio para definir a sede. E não é que o destino colocou novamente o time de Shamil Tarpischev na rota?
Entre 14 e 16 de setembro, receberemos os europeus em busca do retorno à primeira divisão da Copa Davis após 10 anos de ostracismo. Os adversários, que foram derrotados pela Áustria na primeira rodada do Grupo Mundial, são bicampeões da competição (2002 e 2006) e disputam a elite desde 1993.
E apesar de contar com seis atletas no top 100 – Mikhail Youzhny (35º), Nikolay Davydenko (38º), Alex Bogomolov Jr. (40º), Dmitry Tursunov (75º), Igor Kunitsyn (91º) e Igor Andreev (100º) –, a nação russa não revelou nenhuma estrela nos últimos anos. Youzhny não é mais aquele ex- top 10 que brilhou em 2008 e Davydenko tampouco tem a mesma confiança que o levou ao título do ATP Finals há três anos.
Desde 2008, o estado de São Paulo vem sendo a casa do Brasil em todos os confrontos pelo Zonal Americano quando jogamos diante da torcida. Foi assim em 2008, em Sorocaba; em 2010 também, quando atuamos em Bauru e, desta vez, em Rio Preto. Talvez não seja à toa que cinco dos seis melhores jogadores do País na atualidade são provenientes do interior.
Ao longo de um mês, a cidade rio-pretense abraçou a ideia de fazer a maior competição entre equipes do tênis e o público retribuiu, lotando as arquibancadas no final de semana e também acompanhando os treinos da equipe. Será que tal apelo acarretaria no mesmo resultado em uma grande metrópole? O técnico Daniel Melo acredita que a característica de algo “único” é o que ajuda as cidades menores a obterem mais êxito em realizar uma competição desse porte.
“No interior se acolhe mais por ser o grande evento da cidade. A torcida compra a ideia do confronto, acho que o povo de São José do Rio Preto entendeu muito bem a ideia, lotou as arquibancadas e é isso que faz a diferença de jogar em casa na Davis, porque, quando jogamos fora, a gente sente isso, o quanto a torcida atrapalha os adversários”, relata. Treinador de Feijão e ex-capitão brasileiro na Davis, Ricardo Acioly apóia a atitude da CBT em mandar confrontos para o interior, pois por lá não existe a concorrência de outros eventos simultâneos, como acontece nas cidades maiores. “Se [a Davis] fosse em São Paulo, Rio de Janeiro ou em uma capital, talvez não tivesse tanto apelo quanto teve aqui pelo fato de os grandes centros terem outras opções de entretenimento. Aqui se torna um acontecimento gigantesco para a cidade e contribui para o tênis local e região como um todo. Além disso, é sempre legal jogar com uma quadra cheia, ajuda a criar uma expectativa muito boa para o público e para a equipe”, explica.
Para João Zwetsch, a iniciativa de uma cidade interiorana em sediar uma edição de Copa Davis, mostra, além do comprometimento e competência, que o local trabalha ao máximo para manter a marca que uma competição desse calibre transmite no âmbito do esporte. “A cidade vive muito mais tempo a Copa Davis do que os três dias de confronto. As pessoas acabam se envolvendo no evento e, obviamente, impulsionam tudo o que está ao seu redor, algo que não vem acontecendo nos grandes centros. No final, não é só a cidade que ganha, mas as cidades em volta, toda a região acaba mobilizada”, completa.
Finalmente, Bruno Soares destaca a viabilidade de as competições “fugirem” do foco das capitais, porém acredita que a sede escolhida, seja ela em uma metrópole ou não, deve objetivar o bem-estar da equipe atuando em seus domínios, algo tão importante no torneio. “Acho que não muda muito jogar no interior ou nas grandes cidades. O Brasil Open mostrou que temos condições de realizar um grande evento, com direito a ginásio lotado. Nós buscamos na Davis uma cidade que faça valer o fator torcida. Seja no interior ou capital, se conseguirmos colocar 10 mil pessoas para nos apoiar em um jogo, seria o ideal para quem joga em casa”, conclui o mineiro.
CHEGOU A HORA?Após tanto tempo fora do grupo das maiores potências da modalidade, é justo questionar a qualidade do time brasileiro. Para começo de conversa, temos diversidade para estar no mesmo patamar de Espanha, Argentina, Estados Unidos, entre outras grandes nações? Os nossos representantes concordam que já passou da hora de o Brasil retornar ao Grupo Mundial. “Acho que já deveríamos ter voltado. No ano passado, estivemos a um ponto de ganhar da Rússia, uma das equipes mais fortes da Copa Davis, fora de casa. Acho que estamos no caminho certo, o Thomaz [Bellucci] vem amadurecendo a cada tempo e não vai demorar muito para isso acontecer”, disse Marcelo Melo. “Time para subir nós temos. Tivemos chances contra Equador, Índia, Rússia... Para permanecer lá, depende de chave, talvez a gente ainda não tenha uma equipe tão forte para ficar por bastante tempo no Grupo Mundial”, enfatizou Thiago Alves, reserva da equipe em Rio Preto. A consolidação do segundo jogador de simples é o que pode colocar em xeque as chances de longevidade do Brasil no pelotão de elite do tênis. João Zwetsch acredita que Feijão é o atleta ideal para ajudar Bellucci, porém prega paciência com o seu amadurecimento no circuito. “O Feijão está muito perto de se estabelecer um nível mais alto, já vem jogando bem há algum tempo. É uma questão de tempo para não trabalhar com afobação e perceber que os resultados vão aparecer naturalmente. E o objetivo é termos um leque maior de opções, não podemos ficar restritos só a dois jogadores. Tomara que venham mais uns quatro, cinco para nos dar sempre opções de poder jogar em quadras diferentes. A Copa Davis é sempre o nosso espelho no sentido de fortalecer a equipe” analisa o capitão. |
Publicado em 24 de Abril de 2012 às 06:58