Técnica

Uma nova maneira de jogar no Saibro

Em 1997, Gustavo Kuerten já pavimentava uma nova forma de se jogar tênis no saibro, que seria consagrada em 2001 com o tricampeonato em Roland Garros


 


Saque era uma arma para dar o domínio do ponto

CONSISTÊNCIA. PREPARO FÍSICO. Estes eram os pontos principais do jogo de tênis no saibro até o fim da década de 1990. Na verdade, eles ainda são, mas desde que Gustavo Kuerten surgiu como campeão de Roland Garros em 1997, novos tópicos foram acrescentados à maneira de se atuar sobre quadras de terra batida.

Quando falamos em sucesso no piso lento, os mais antigos lembrarão de Bjorn Borg e de Guillermo Vilas. O sueco Borg com seu topspin, seu preparo físico invejável e sua frieza mental determinou o que era o jogo no saibro em meados da década de 1970. Se você quisesse vencer na terra, precisava ser extremamente paciente, ter pernas rápidas e resistentes e jogar com regularidade. Construída essa "fortaleza", era só esperar seu adversário sucumbir com erros. Assim, Borg se tornou o rei do saibro, vencendo Roland Garros por seis vezes, sendo quatro seguidas.


Esquerda na paralela surpreendia os adversários


Outro grande exemplo dessa forma de jogar foi o argentino Vilas, que colecionou títulos sobre as superfícies lentas. Dizem que seu domínio era tamanho no saibro verde, muito comum das quadras dos Estados Unidos, que isso fez com que os norteamericanos optassem por trocar de piso, escolhendo o cimento, para dar mais chances aos tenistas da casa.

Durante a década de 1980, Mats Wilander e Ivan Lendl serviram para corroborar essa forma de jogar na terra, vencendo inúmeros torneios. Em relação à geração de Borg e Vilas, a diferença de Wilander e Lendl estava basicamente na potência dos golpes, que aumentaram, mas ainda assim não transformava o tênis sobre esse piso de forma contundente, dandolhe agressividade. Ainda era o lugar da regularidade e de ser defensivo.

No começo dos anos 90, parecia que Jim Courier, com sua direita arrasadora, iria mudar um pouco o jeito de jogar no saibro quando dominar os pontos com o forehand passou a ser um tópico importante. Contudo, com o surgimento da escola espanhola e do austríaco Thomas Muster, a importância do preparo físico e da regularidade foi alçada a um status jamais visto. Em 1995, Muster venceu 40 partidas consecutivas no saibro. E os espanhóis não cavam muito atrás.

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QUANDO TUDO MUDOU
No m da década, quando a armada espanhola - com Sergi Bruguera, Alex Corretja, Albert Costa, Carlos Moyá etc - dominava todas as ações nas quadras de terra batida, a grande mudança veio do lugar menos esperado, do Brasil. Gustavo Kuerten, alto e magro, treinado por Larri Passos - um técnico, assim como seu pupilo, ainda desconhecido do circuito, mas que incutia na cabeça dele ideais de grandeza -, ousou quebrar os paradigmas do estilo de jogo dominante no saibro.

Muito além das técnicas e táticas da escola espanhola, que se aprimorou no preparo físico, na consistência dos golpes com topspin e no domínio dos pontos com o forehand (uma das táticas mais usadas por eles era, e ainda é, o saque quique aberto para bater a primeira bola com o forehand), o brasileiro acrescentou um tempero diferente nesse molho.

A MANEIRA DE GUGA JOGAR NO SAIBRO
- Saque potente para ganhar pontos sem jogar ou dominar na segunda bola; - Aproveitar bolas mais curtas para jogar em cima da linha;
- Buscar a definição dos pontos, encurtando a quadra;
- Não ter medo de ir à rede na quadra lenta, mas preparar bem a jogada para não ser surpreendido;
- Usar a deixadinha como arma contra tenistas que jogam muito no fundo;
- Usar o forehand inside-out para agredir ou definir o ponto verdadeiramente;
- Usar o backhand na paralela para surpreender e contra-atacar, evitando, assim, ficar demasiadamente na defensiva.

 


Guga provou que era possível uma tática agressiva para vencer no saibro


Com ele, o saque passou a ser uma arma essencial. Potente ou colocado, ele servia para ganhar ponto de graça ou então minimizar os efeitos da devolução de saque do oponente e começar o ponto dominando, dentro da quadra, diminuindo o espaço. Aliás, mais do que correr de um lado para o outro no fundo da quadra, Kuerten instituiu que era, sim, possível jogar agressivamente, sobre a linha, ditando os pontos, pegando a bola na subida e não esperando que o topspin adversário lhe jogasse para trás, na defensiva.

Diante desse novo estilo de domínio da quadra, Guga passou a finalizar os pontos com winners, buscando linhas, balançando os oponentes de um lado para o outro. Além disso, reviveu a deixadinha. Uma arma que se mostrava cada vez mais ecaz diante dos rivais que jogavam muitos metros atrás da linha de base. Inteligente, os drop-shots do brasileiro eram quase sempre seguidos de subidas à rede, para fechar os ângulos de resposta caso seu adversário alçasse a bola.

Guga ainda foi capaz de mostrar que o forehand inside-out (de dentro para fora) era uma artimanha eficaz e de ataque, usando-o para ser realmente agressivo - diferentemente do que faziam os espanhóis na época, que fugiam da esquerda, mas nem sempre agrediam com a direita. O catarinense também fez fama com sua esquerda de uma mão na paralela. Ao invés de deixar que os oponentes tirassem vantagem de alguma fraqueza que pudesse ocorrer em seu backhand, ele desenvolveu o golpe na paralela com uma eficiência jamais vista. Essa bola servia tanto para definir jogadas quanto para tirá-lo de situações de perigo, passando da defesa para o ataque como num passe de mágica.

Esse novo estilo deu mostras de que seria uma tendência no saibro em 1997, quando inacreditavelmente Kuerten venceu Roland Garros. Nos anos seguintes, contudo, especialmente com o bicampeonato de 2000 e 2001, Guga institui denitivamente uma nova maneira de jogar na terra batida. Consistência e preparo físico deixaram de ser os dois únicos pontos cruciais do jogo, e passaram a dividir o foco com uma tática agressiva da busca de definição dos pontos.

Alguns podem dizer que Rafael Nadal reverteu esse movimento, que seu preparo físico e seu regularidade voltaram a ditar os parâmetros do saibro, no entanto, quem acompanha a carreira do espanhol percebe que, com o passar do anos, sua tática na terra batida evoluiu. Ele deixou de ser um grande "devolvedor de bolas" como muitos o classificavam no começo da carreira, e passou a tomar o controle das ações e nalizar os pontos, evitando o desgaste extremo. Se Nadal tivesse apenas retomado a dicotomia "preparo físico e consistência", ele não seria o atual "rei do saibro".

Suzana Silva

Publicado em 16 de Maio de 2011 às 13:44


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Artigo publicado nesta revista