10 mil horas

A fórmula para o sucesso


Ron C. Angle

 

Para você que não é seguidor da "fórmula mágica do fracasso", de frases como esta: "tenista profissional é um em um milhão"; um estudo contradiz o princípio básico dessa linha de raciocínio - que diz que performance em altíssimo nível só é atingida por pessoas com qualidades especiais, com talentos inatos. Ou seja, para ter sucesso seria necessário ter nascido com o dom específico da atividade escolhida, no caso aqui, o tênis. Sendo assim, vamos revelar uma fórmula que parece realmente infalível.
Primeiramente, o Brasil certamente ainda não teve, em toda sua história no tênis, "um milhão de atletas" que tenham buscado o profissionalismo. Ou seja, em muito menos do que um milhão de tentativas, não tivemos apenas um tenista profissional, mas, sim, dois ícones do esporte mundial e outras tantas histórias de sucesso. Então, a real fórmula do sucesso não é somente genética e diversos estudos científicos atestam isso e mostram que há um preço para alcançá-lo.

Assim, a imagem dos grandes astros na televisão muitas vezes não espelha a realidade e não demonstra a luta, o tempo, as abdicações e, principalmente, a quantidade de treinos que os tornaram super atletas, super profissionais e não meramente obras do acaso, aberrações ou fenômenos da natureza. Nesse contexto, o "talento natural" só será relevante se o considerarmos como uma estranha capacidade de trabalhar, praticar e treinar, horas e horas, com afinco, determinação, objetividade, abnegação e ainda, livre de paradigmas de fracasso.

Dons inatos são irrelevantes

Você é um dos que acreditam que campeões nascem feitos? Então também acredita que Tiger Woods nasceu com o dom específico para jogar golfe, que Wolfgang Amadeus Mozart nasceu com ouvidos diferenciados dos outros seres humanos para as notas musicais e que Roger Federer nasceu para jogar tênis.
Estudos de gerações de psicólogos nos últimos 20 anos comprovam que talentos específicos e dons naturais com alvos específicos não existem e, pasmem, que a falta de talento natural é irrelevante para o grande sucesso. Então qual é o segredo para o sucesso? Exercícios dolorosos, exigentes e trabalho com esforço.

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Michael Jordan chegou a ser cortado de seu time no colegial

No entanto, para muita gente ainda a resposta, ou o argumento que serve de desculpa para muitos fracassos, é, sim, que os gênios e experts em diversas atividades nascem com dons específicos, ou seja, nascem prontos. Nada disto! Woods, Federer, Mozart, o bilionário Bill Gates, os músicos John Lennon e Paul McCartney, o enxadrista Bobby Fisher, entre tantos outros, têm muita coisa em comum, mas isso não tem nada a ver com dons naturais. A maior semelhança em suas trajetórias é a oportunidade de praticar e, claro, sua capacidade de trabalhar de forma compenetrada e disciplinada.

Parece improvável que um "talento natural" como Michael Jordan, um gênio do basquete, tenha sido cortado de seu time no colegial, mas é verdade e o fato apenas o incentivou a se tornar um atleta que treinava intensamente, além das práticas do time. No futebol americano, o maior recebedor de todos os tempos, Jerry Rice, foi apenas o 16 escolhido no draft, por ser considerado muito lento pelos treinadores. Antes de se tornar o melhor, Rice treinava tanto que acredita- se que outros jogadores ficariam doentes tentando copiá-lo.

Então, a boa notícia nesses estudos é que todos podem atingir a grandiosidade dentro de devidas proporções, através de uma enorme quantidade de trabalho duro (com esforço) por muitos anos. E não somente trabalho duro, mas um trabalho específico que seja exigente e doloroso. A falta de dons naturais é irrelevante. O talento, comprovadamente, tem pouco ou nada a ver com grandiosidade.

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Jerry Rice já foi considerado lento pelos treinadores

Por que alguns se tornam grandes ?

Peritos científicos compreenderam que talento não significa inteligência, motivação ou traços de personalidade. A evidência pesquisada não apóia a teoria de que atingir níveis elevados é uma consequência de possuir dons inatos. Para entender como pesquisadores poderiam chegar a tal conclusão, considere o problema que estavam tentando resolver. Em todo o campo de atuação, a maioria das pessoas aprende rapidamente no início, então mais vagarosamente e, depois, param de evoluir completamente. Mas alguns melhoram por anos e até décadas e seguem para a grandiosidade. Como? E por quê?
As respostas começam através de consistentes observações de grandes executores em muitos campos, especialmente esportes, música e xadrez, nos quais o desempenho é relativamente fácil de medir e delinear com o passar do tempo. Estudos adicionais também examinaram outros campos, incluindo negócios, cirurgias, vendas de seguros e até a atuação de gênios do crime.

Desde o início das pesquisas, em 1990 até sua primeira publicação em 1993, o psicólogo K. Anders Ericsson e dois colegas basearam suas pesquisas dividindo grupos de músicos, enxadristas e atletas em três categorias: classe mundial, os "meramente bons" e os que teriam o domínio suficiente para ensinar suas atividades, que aqui chamaremos de amadores.

A base para esta pesquisa era a resposta a pergunta: ao longo de sua carreira quantas horas você praticou? As semelhanças começam com, mais ou menos, a mesma época de iniciação, por volta dos cinco anos de idade. Nessa fase inicial, a maioria praticava por um tempo quase idêntico, de duas a três horas por semana. Por volta dos oito anos, diferenças reais começam a surgir. Os alunos que acabariam se revelando os melhores de suas turmas passaram a se dedicar mais do que os outros: seis horas por semana aos 9 anos, oito horas por semana aos 12, 16 horas por semana aos 14 e assim progressivamente. Aos 20, estavam praticando, isto é, treinando de forma compenetrada com objetivo de realmente melhorar, bem mais do que 30 horas por semana.

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Nessa idade os melhores "alunos" de cada categoria, os da "classe mundial", haviam totalizado 10 mil horas de treinamento em suas vidas; os "meramente bons", 8 mil horas e os "amadores", pouco mais de 4 mil horas.
O fato surpreendente nesse estudo é que Ericsson e seus colegas não encontraram nenhum "talento natural" que tenha sido capaz de chegar ao topo sem esforço, praticando menos do que os outros colegas. Eles também não identificaram alunos que embora tivessem que se esforçar mais que os outros, não tenham conseguido ficar entre os melhores. Essa pesquisa indicou que, quando uma pessoa tem capacidade suficiente para ingressar em uma escola ou centro de alto nível, o que a distingue dos demais estudantes é seu grau de esforço. E mais: quem está no topo não apenas se dedica mais do que os outros, dedica-se muito mais.

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Tiger Woods certamente não pediu ao pai para jogar golfe aos 18 meses de idade

A regra das 10 mil horas

A ideia de que a excelência em uma tarefa complexa requer um nível mínimo de prática está sempre ressurgindo em estudos de expertise. Na realidade, os pesquisadores chegaram ao que acreditam ser um número mágico para a verdadeira excelência: 10 mil horas.
"Essas pesquisas indicam que são necessárias 10 mil horas de prática para se atingir o grau de destreza pertinente a um expert de nível internacional, em qualquer atividade", afirma o neurologista Daniel Levitin. Dez mil horas equivalem a cerca de três horas por dia, ou 20 horas por semana, de treinamento durante 10 anos.

É claro que isso não explica por que alguns indivíduos se beneficiam de suas sessões de preparação mais do que outros. Porém ninguém encontrou ainda um caso em que a excelência de nível internacional tenha sido alcançada em um prazo menor. Parece que o cérebro precisa desse tempo para assimilar tudo o que é necessário para atingir a verdadeira destreza.
Isso se aplica até a pessoas que consideramos prodígios. Mozart, por exemplo, é famoso por ter começado a compor aos seis anos. No entanto, veja o que escreve o psicólogo Michael Howe no livro "Genius Explained" (Desvendando o Gênio): "Pelos padrões de compositores experientes, as obras iniciais de Mozart não são excepcionais. As primeiras peças foram todas provavelmente escritas pelo pai e talvez aperfeiçoadas no processo. Muitas das composições de Wolfgang, como os primeiros sete concertos para piano e orquestra, são, em grande parte, arranjos para obras de outros músicos. Dos concertos que só contém música original de Mozart, o mais antigo agora considerado uma obra-prima (Nº 9, K.271) só foi criado quanto ele tinha 21 anos". Àquela altura, Mozart vinha compondo concertos havia 10 anos. O crítico musical Harold Schonberg vai ainda mais longe. "Mozart", argumenta, "teve um 'desenvolvimento tardio', pois só produziu suas maiores obras depois de mais de 20 anos de prática".

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Críticos atestam que as principais obras de Mozart só foram compostas quando ele estava mais maduro

10 mil em 10 anos

Esse número, 10 mil horas, tem sido ainda associado ao espaço de tempo de 10 anos, ou seja, trata-se de uma quantidade enorme de tempo para um adulto jovem e é quase impossível alcançar essa marca por conta própria. Ele precisa de pais que o incentivem e depois apóiem. Não pode, por exemplo, ter que trabalhar meio período em sua juventude para custear despesas ou ajudar no orçamento, caso contrário não lhe sobrará tempo suficiente para praticar o necessário para atingir seus objetivos. Na verdade, a maioria das pessoas só consegue atingir esses números ingressando em um programa especial, como uma escola de alto rendimento, ou obtendo algum tipo de oportunidade extraordinária que lhe dê a chance de cumprir todas essas horas. Em um dos maiores clássicos da literatura do tênis mundial ("Tênis: Como jogá-lo melhor"), talvez em um dos poucos em que o nível de atuação tenha sido relacionado a um espaço de tempo (mínimo), Willian T. Tilden escreveu totalmente baseado em seu "felling" e sua experiência que: "para aprender a jogar tênis, é preciso um ano, para se tornar um tenista (ou um bom jogador), de cinco anos e, para se tornar um campeão, de 10 anos".

Ron C. Angle
Os pais não devem ter medo de incentivar os filhos a se tornarem especialistas em algo. Só não devem projetar neles suas frustações e ansiedades

Iniciação e apoio

É necessário partir do princípio de que com trabalho duro, ou melhor, trabalho correto - adequado para cada momento do jovem -, cada um se tornará grande "a seu tempo" e respeitar a capacidade, as características e a individualidade de cada um. Porém, talvez seja indispensável unir a essa tese uma adaptação à cultura brasileira, ou seja, os treinos precisam estar acompanhados de desejo, crença e, em se tratando de Brasil, amor, é claro. É preciso estar livre de paradigmas, de insegurança.
A iniciação no esporte quase se dá através da iniciativa dos pais e cria-se uma situação contraditória. Os pais fazem o que devem fazer e acham que não deveriam ter feito. Um exemplo: certamente Tiger Woods não pediu a seu pai para lhe ensinar a jogar golfe aos 18 meses de idade - tempo em que foi iniciado no esporte. A escolha, na verdade, foi totalmente do pai, por simpatia, circunstância ou qualquer outro motivo. Então, de forma alguma isso deve ser encarado como autoprojeção do pai no filho. A verdadeira autoprojeção, sim, pode se revelar ao longo dos anos através de atitudes relacionadas às vitórias e derrotas da criança. Em um segundo momento, começam os limitadores e as variáveis que resultarão em diferenças reais ao longo da carreira dos jovens, como a disposição dos pais em apoiar e desenvolver uma logística que seja compatível com as necessidades específicas dos garotos.

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Quantidade x qualidade

Outro tema de discussões está na quantidade ou qualidade de treinos? Até um determinado ponto, o desenvolvimento pode ser alcançado com ensinamentos ou treinamentos de qualidade, mesmo em pequena quantidade. Assim como também pode ser alcançado com quantidade, ainda que sem qualidade. A verdadeira importância desta relação surge a partir de um nível intermediário para avançado, em que esses dois fatores precisam estar associados.
Se o objetivo é atingir um altíssimo nível, quantidade e qualidade precisam andar lado a lado, ou seja, é preciso treinar ou praticar muito e muito bem. A capacidade, desejo, cultura e circunstâncias favoráveis para se treinar 10 mil horas é que fazem a seleção; e não a natureza como alguns gostam de pensar.
A fórmula do sucesso é simples: 10 mil de prática = excelência. Por isso, mãos à obra, pois há ainda muitas horas para chegar às 10 mil.

Carlos Omaki

Publicado em 15 de Junho de 2010 às 06:24


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