Vinte anos depois, Fino celebra campanha histórica e conta o que teria feito diferente para ir à final
por Guilherme Souza em 23 de Maio de 2019 às 08:00
Reprodução: Facebook/Fernando Fino Meligeni
O torneio de Roland Garros está cada vez mais próximo. Segundo Grand Slam da temporada, a competição já teve o início de sua chave de qualificação e começará a disputa da principal já no final de semana.
A competição, que reúne a elite do tênis mundial, já foi palco de grandes conquistas para o tênis nacional. Além do tri de Guga Kuerten, uma das boas histórias de brasileiros aconteceu em 1999, quando Fernando Meligeni, o Fino, alcançou a semifinal.
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Vinte anos depois da campanha, Meligeni abre o coração e revela informações interessantes sobre aquele ano. Desde o que considera o determinante para aquela conquista - a maturidade - e até como passou a ser mais reconhecido dentro do circuito e pelo público após a campanha.
Fino falou também dos jogos mais difíceis daquela trajetória, contra o marroquino Younes El Aynaoui e o espanhol Felix Mantilla, e sobre o que faria de diferente se pudesse jogar novamente contra o ucraniano Andrei Medvedev, que o eliminou nas semifinais em um duro jogo de quatro sets.
1) Obviamente todo tenista sonha e tem o objetivo de ir bem em um Grand Slam, mas não é sempre que se consegue ir tão longe. Nos dias anteriores a disputa em 1999 você projetava uma campanha como aquela?
Eu não acho que projetava. Nenhum jogador, tirando esses caras muito top, pode projetar fazer uma semifinal de Grand Slam. Você tem mais ou menos confiança na semana. Eu vinha de ótimos resultados, não só a vitória sobre Pete Sampras, mas grandes jogos que eu tinha feito, como a vitória sobre o [Cedric] Pioline* no caminho, do Thomas Johansson** que era top 10, em Barcelona tinha jogado legal, tinha perdido apenas nas quartas de final.
Eu vinha jogando bem em todas as semanas da gira europeia, então você acaba acreditando que pode jogar bem em um campeonato onde eu já tinha jogado nas oitavas de final e já tinha acreditado que poderia chegar mais longe. Você chega com um corpo maior para aquele campeonato.
*nas oitavas do ATP de Praga. Pioline era o 27º do mundo e Fino o venceu nas oitavas de final por 6/0, 5/7 e 6/1)
**Thomas Johansson foi superado na primeira partida do Masters 1000 de Hamburgo, na Alemanha, por 7/5 e 6/1. Johansson foi número #7 do mundo em 2002, ano em que foi campeão do Australian Open. Em 1999, o sueco era 19º do mundo durante o torneio de Hamburgo e no mesmo ano foi campeão do Masters do Canadá.
Reprodução: Facebook/Fernando Fino Meligeni
2) Você fez algo de diferente em relação aos anos anteriores que refletiu em seus resultados em 1999?
O fazer algo diferente a gente fazia quase sempre. O Pardal (Ricardo Acioly, técnico de Fino) era um cara que não se contentava com pouco resultado. E eu também. Junto com o Edu Faria, meu preparador físico, a gente estava o tempo todo buscando [formas de melhorar]. Tanto que eu mudei minha esquerda em 1995, eu ia mudando minha característica, cada vez mais sendo agressivo, tentando entrar um pouco mais dentro da quadra, dentro do que era possível para mim.
Então, 1999 foi um ano que se não começou da melhor maneira - porque eu era um cara que começava a jogar bem depois do Australian Open, na gira de saibro - eu vinha me preparando há anos para ter um bom resultado. O Pardal me falava isso direto, que faltava eu acreditar um pouco mais e realmente perceber que eu estava perto desses caras. Isso tem a ver com treino e maturidade. E a maturidade chegou em 1999, com certeza.
3) O que mudou em sua vida e na carreira após a campanha em Paris?
Não mudou nada que você possa falar que é absurdo. A campanha mostrou ao público que realmente eu era um jogador competente, que jogava muito bem. No circuito as pessoas passaram a me respeitar muito mais do que já me respeitavam.
É um selo muito grande. Semifinal de Roland Garros é um selo muito grande. São muito poucos os que chegam. A gente vê vários grandes jogadores que não chegaram a fazer uma semifinal de Grand Slam. Isso no circuito é até mais valorizado do que no público em geral.
Eu lembro que quando eu cheguei no Brasil as pessoas olhavam - e até hoje olham - com uma cara de "Nossa, você fez semifinal de Grand Slam! De quem você ganhou, como foi?". Isso é faz muito barulho. Mas esse é o lado louco do tênis, toda semana você tem que estar pronto para jogar. Na semana seguinte você já está pronto e em algumas semanas eu já estava em Kitzbuhel e acabei pegando o próprio Medvedev*** e acabei ganhando dele. É uma coisa muito louca, não dá para ficar comemorando por muito tempo não. Você comemora, mas não por muito tempo.
***Nas oitavas do ATP de Kitzbuhel, Meligeni aplicou 6/1 e 6/3 sobre o adversário para ir as quartas de final. Lá, foi derrotado pelo austríaco Stefan Koubek por 6/2 e 6/3.
Reprodução: Facebook/Fernando Fino Meligeni
4) Qual foi a vitória mais difícil daquela campanha?
Eu gosto de dividir a campanha em duas. A primeira parte até ganhar do Patrick Rafter, na terceira rodada, porque a partir daí eu chegava nas oitavas de final. São três jogos, ganhei do Gimelstob na primeira e do El Aynaoui na segunda e do Rafter na terceira.
O jogo mais complicado dessa parte foi contra o El Aynaoui. Eu estava perdendo e ele era um cara complicado, "carniça" que nem eu, chato dentro da quadra. A gente já tinha brigado em Barcelona, tinha sido um jogo muito complicado que eu tinha vencido, mas que a gente acabou brigando e ficamos sem nos falar durante toda a gira. O jogo acabou sendo 6/3 no 5º. Nesta primeira parte que é, o mínimo que a gente gosta em Roland Garros, de passar a primeira semana, foi o jogo mais complicado. Mesmo mais complicado do que contra o Rafter. Não é que não foi complicado, mas é que eu joguei muito bem, já estava com muita confiança.
Na segunda parte, com certeza o jogo mais difícil foi contra o Mantilla. Eu conto muito essa história, que tive que de mudar minha característica para jogar contra ele. Ele já tinha me vencido umas quatro, cinco vezes. Mentalmente o jogo era muito em favor dele. Quadra central, era um jogo muito nervoso, mas acabei vencendo.
5) Em algum momento durante aquelas duas semanas você percebeu que estava fazendo história para o tênis brasileiro?
Como a gente vinha de ter o Guga em 1997 é difícil você achar que vai fazer história, ou vai fazer algo diferente depois que um grande nome consegue. Esse feito do Guga acabou me trazendo muita confiança. Eu nunca olhei a carreira, tanto em Olímpiada em que fiz quarto lugar, como os títulos que ganhei de ATP no intuito de fazer história para o tênis.
Eu sempre olhei com a ideia de tentar fazer o meu melhor, de fazer o mais correto possível, eu tinha essa noção sobre o que você está fazendo para o esporte. Não dá tempo de pensar muito nisso. Você quer representar da melhor maneira possível, mas não parava, sinceramente, para pensar sobre isso.
Reprodução: Facebook/Fernando Fino Meligeni
6) O que você faria diferente se pudesse jogar novamente aquela partida contra Andrei Medvedev, na semifinal?
Outro dia eu assisti o praticamente inteiro contra o Medvedev. Acabei comprando esse jogo da Federação Francesa e tenho em casa, num DVD. Eu fiquei realmente alucinado por conta de como eu acabei perdendo aquele 1º set. Acho que teria cuidado um pouquinho mais do 1º set. Ele acabou escapando muito por excesso de confiança, se é que se pode falar assim. Eu vinha jogando muito bem tênis, vinha de uma vitória tranquila contra o Corretja e de repente estava 4/0 contra o Medvedev.
Nessa hora você tem que ser muito alerta. Aquela sensação de que tinha vencido o set, saindo um pouquinho da minha característica sem perceber ao bater um pouco mais na bola, não me preocupar com o que eu errei. Eu sempre fui muito muquirana, vamos falar assim, dentro de uma quadra tênis. Está 4/0 e 40/15 e achar que aquele ponto pode mudar o jogo. Essa sempre foi uma característica minha muito interessante. Naquele jogo eu acabei, por conta de tão bem que eu estava jogando tênis e por quão perdido o Medvedev estava no início do jogo, perdendo o foco. Acabei me complicando no 1º set, tive várias oportunidades, inclusive um 5/3, e o primeiro set foi determinante.
Acho que não faria nada de diferente. Claro que tentaria coisas diferentes para ganhar, mas hoje em dia é muito fácil olha de fora, sentando no ar-condicionado. Mas ele foi muito malandro também, mudou a característica do jogo. Ele vinha jogando no meu backhand, mudou para o forehand, mudou o segundo saque também. Ele fez coisas também que o fizeram merecer, trouxe a curtinha, mais do que havia fazendo normalmente, variou bastante. Então tenho que aceitar o mérito dele.
Reprodução: Facebook/Fernando Fino Meligeni
7) Olhando para atrás agora, 20 anos depois, quais os momentos mais marcantes daquelas duas semanas?
Os momentos marcantes foram muitos. É engraçado quando você vai chegando mais longe em um torneio desse porte, amigos vão aparecendo, tua família vai se engajando.
Entre os grandes momentos, tem uma do meu pai abraçando minha mãe quando eu ganhei do Rafter e uma imagem da TV francesa quando ganhei do Corretja que é marcante para mim. Pessoas que a vida inteira lutaram para que eu chegasse lá e conquistasse o máximo que podia, que eu fosse feliz dentro de uma quadra de tênis.
Isso é uma resposta, um prêmio para uma família que lutou basicamente sozinha, que brigou tanto para me aceitarem aqui, mesmo sendo contra a ideologia deles, por serem argentinos. Eles viam muitas vezes o Brasil não me querer quando juvenil e no começo da carreira profissional. Dirigentes dando tanta porrada em mim e de repente você tem a conquista, mostrando que eu tinha feito as escolhas certos.
Esses momentos foram marcantes para mim. Os jantares depois de cada vitória, com todos os amigos, com grandes pessoas, a gente aproveitava para sair, isso é inesquecível. O tênis não é só dentro de uma quadra de tênis ou do complexo, é tudo que acontece no pós e no antes. E isso foi maravilhoso também.
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