Profissional responsável pelo treinamento físico dos tenistas da Copa Davis conversou com a Revista Tênis
Por Vinicius Araujo e Guilherme Souza em 21 de Dezembro de 2018 às 09:00
Crédito: Green Filmes
Eduardo Faria trabalha com preparação física para tenistas e atletas de outras modalidades há mais de 30 anos e sem dúvida é um dos maiores nomes do segmento no Brasil. Autor do livro Tênis & Saúde, Faria é pós-graduado em Treinamento Esportivo e já trabalhou como preparador físico de vários tenistas, como Fernando Meligeni, Flavio Saretta, Alexandre Simoni, Gustavo Kuerten. Atualmente, Edu é o responsável pelo treinamento físico equipe brasileira da Copa Davis.
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Edu conversou com a Revista Tênis durante o Encontro Internacional de Treinamento da CBT, em Florianópolis, e comentou sobre o momento do tênis nacional masculino e feminino, os principais atletas com melhores físicos no circuito, a performance dos juvenis e profissionais que fizeram o treinamento no evento e mais detalhes de sua carreira no tênis. Confira o bate-papo:
O que você está achando do Encontro Internacional de Treinamento?
É um evento que teve o seu embrião no ano passado e nesse ano foi aperfeiçoado. Está todo mundo do tênis aqui, todos que são apaixonados pelo esporte. Esse evento engrandece o tênis e a Confederação está fazendo um grande trabalho. Esse ano teve a novidade de fazer o encontro e workshop de preparadores físicos, para a gente se conhecer melhor e ver como é o trabalho dos preparadores brasileiros em todas as regiões.
Crédito: Green Filmes
Como foram os treinos, testes físicos e o que achou da performance dos tenistas, principalmente do juvenil?
No último encontro a CBT junto com os preparadores físicos, em 2017, montaram uma bateria de testes, onde os preparadores dos avaliados pudessem repeti-los e realiza-los em qualquer canto do país, sem nenhum material sofisticado mais confiável. Esses testes têm como referência os testes realizados na USTA e o que vimos foram bons resultados, o brasileiro tem muito potencial esportivo.
Deu para ver um bom nível de tênis apresentado pelos jogadores, mas tem muita coisa para melhorar, para se desenvolver, eles estão em formação, desenvolvendo o seu próprio padrão de jogo o que leva muito treino e competições.
O bom é que os jogadores nesses eventos se entregam de verdade, jogam o seu melhor, a paixão que essa molecada tem pelo tênis é contagiante e isso vai levá-los para um caminho em busca da realização do sonho de ser tenista profissional. Esse encontro teve a participação de jogadores de outros países como Barbados, Bermudas, Venezuela, Peru, Bolívia e deu para ver como se encontra o nível dos jogadores e o intercâmbio com os jogadores e treinadores foi muito enriquecedor.
Como é o seu dia a dia de trabalho e qual sua visão sobre o momento do tênis brasileiro?
Sou sócio do clube Pinheiros em SP e junto com outros colegas locamos o Espaço Fitness e a Pista de Atletismo para atender tenistas de todas as categorias, esportistas e praticantes de atividades físicas em geral. Faço avaliação e prescrição de treinamento para jogadores interessados, independente de ser sócio ou não do clube.
O alto rendimento é custoso, demanda bons profissionais, estrutura, grana, não é fácil formar um jogador profissional. O tênis brasileiro, como várias modalidades, passou por momentos difíceis ao longo desses anos. Tivemos a crise política econômica do país, carência de novos jogadores masculinos entre os 100 do mundo e do surgimento de novas jogadoras no ranking mundial.
Mas agora estou esperançoso, a CBT esta realizando um excelente trabalho e apoiando dezenas de jogadores e jogadoras, e aliado às essas correntes existem alguns centros de tênis que estão somando para o desenvolvimento da modalidade como a Tennis Route, O Instituto Tênis, as escolas Guga e varias ações de professores e ex-tenistas que querem ver esse esporte crescer, ou seja, teremos mais e grandes tenistas, quanto mais gente tiver acesso a prática do jogo.
Crédito: Green Filmes
Quais são suas perspectivas para o duelo com a Bélgica na Copa Davis?
Expectativa de vitória, eu sempre acreditei e acredito no nosso time. Copa Davis é uma competição atípica, dura, difícil, não tem moleza, onde o mais ranqueado pode perder para um jogador teoricamente mais fraco, ou seja, o coração, a inteligência, a força, a garra, a confiança, a resiliência de cada jogador faz total diferença.
Também contamos dessa vez com a participação da torcida que é muito relevante. Acredito que serão jogos duros, tem um jogador que desequilibra, o David Gofin, mas ele é humano e sendo humano é falível, pode sentir a pressão. Tomara!
Como foi o clima nos últimos confrontos na Copa Davis?
A Copa Davis é a competição mais emocionante do tênis. Não existe clima ruim na nossa equipe. A equipe é bem unida, todos se conhecem a anos e a relação forte de confiança um com o outro. Os juvenis participam muito, geralmente é o Marcelo que “cuida deles”, porque ele é um cara que se da bem com a molecada. Toda vez que os juniores vão para a Davis, tem uma melhora na carreira, resulta num impulso, motiva, inspira. O Thiago Wild toda vez que ele participou da semana com a equipe, ele ganhou grandes jogos na sequencia.
O clima na Davis é de união, de alegria e muito trabalho com seriedade. O Capitão Joao Zwetsch é um líder nato, aquele que explora o melhor de cada um dos integrantes. Todo mundo se dá ao máximo, se doa, mas as vezes o resultado não vem como o esperado, faz parte do jogo. Mas se depender de empenho, de entrega da equipe e jogadores, nosso time está bem servido. .
Crédito: Flickr CBT
Falando um pouco da história do tênis, o Meligeni cita você no livro dele. Como era sua relação com ele? Ele foi seu aluno mais destacado?
Com certeza, nós trabalhamos junto por quase 8 anos. Com ele eu consegui botar em prática tudo aquilo que eu acreditava sobre o treinamento físico especifico para o tênis e que batalhava desde 1986, quando iniciei no extinto Centro Paulista de Tênis.
Eu fui um dos pioneiros na Preparação física de tênis e com o Fernando e o Ricardo Acioly, viajamos o circuito por anos. Ser professor no Brasil é muito difícil, carece de valorização por parte dos órgãos governamentais e da população, ser educador físico então era um ato de heroísmo.
Nós tivemos uma trajetória de sucesso porque o Fernando era um cara totalmente empenhado, responsável, totalmente entregue ao que se propôs a fazer. O cara era trabalhador, competitivo mesmo. Quando começamos, fiz uns ajustes no trabalho que ele já fazia, dei um tempero a mais e conjugado com o trabalho em quadra, fisioterapia, nutrição e um médico - o falecido Osmar De Oliveira - conseguimos traçar uma meta. E ela foi alcançada, chegando a semifinal de Roland Garros e vários outros excelentes resultados no circuito e Copa Davis. A relação com ele foi sempre de muito respeito e confiança, muito profissional , o que nos levou a uma amizade muito bacana que com certeza, vai perdurar para sempre, sou muito grato por ele.
Nos anos 80 a literatura do tênis era muito restrita, fui atrás de conhecimento, realizando muitos cursos na área de treinamento físico, pós-graduação em Cuba, no Brasil, visitando as escolas de tênis pelo mundo, tudo que eu estudava e estudo esta relacionado ao tênis. Tive grandes professores, fui estagiário na USP com o professor Valdir Barbanti, Gilberto Tim preparador físico de futebol das copas de 82-86, ia garimpando informações, conhecimentos. Hoje a coisa é bem diferente, a internet abriu caminho para uma infinidade de conhecimentos onde você pode encontrar livros digitais e impressos com uma facilidade assustadora, quem quer consegue!
No circuito da ATP, quais tenistas você acha estão mais bem preparados fisicamente?
O Djokovic atualmente está em uma forma invejável. Nadal sempre teve um físico privilegiado, muito forte e preparado. Eu sempre achei o Federer o melhor de todos, ele teve um domínio por aproximadamente cinco anos, isso é um feito inacreditável, precisa ser muito bom fisicamente para suportar essa carga toda. Sempre tive como referência os trabalhos do Pierre Paganini, logicamente, o trabalho físico é muito individual, especifico, mas a parceria deles, que dura ate hoje, é admirável. Gosto de caras como Murray, Djoko, Nishikori, Cilic, Diego Schwartzman e o novato russo Andrey Rublev.
O Russo parece magro, como é esse equilíbrio de força e resistência?
O cara bem volumoso não necessariamente emprega a força com mais rapidez. O garoto ainda esta se desenvolvendo, mais se mexe muito bem, com uma alta intensidade nos golpes e na movimentação. O tênis exige pernas fortes, você precisa ser rápido, intenso, pegar forte na bola e ter resistência para fazer isso sem perder a intensidade durante todo o jogo. O Nadal dispensa apresentações, um gênio nessa característica. O Zverev evoluiu muito e vai dar o que falar, o Shapavolov e o Tsitsipas são caras que estão voando e se desenvolvendo e estão num estágio impressionante.
Os outros russos você acha que são fortes também?
Com certeza, A escola russa produziu e produz grandes jogadores e jogadoras. Foi dali e da Alemanha Oriental que vieram muita coisa que sabemos sobre o treinamento físico. Isso nos anos 60, na época em que os regimes comunista e capitalista disputavam para ver qual sistema era melhor e o esporte era o reflexo de sucesso social.
Crédito: Green Filmes
Agora no tênis feminino, como você enxerga as brasileiras comparadas com as melhores do mundo? E qual das melhores do mundo te impressionam mais com o físico?
O tênis feminino no brasil tem que se olhar com muito carinho. Necessita de estrutura, incentivo e mais torneios para dar oportunidades para as jogadoras. Eu vejo o nosso tênis feminino com a CBT empenhada em fomentar o esporte, tanto feminino quanto masculino, investindo em dar mais estrutura e suporte para os atletas.
Não é só no Brasil que é difícil formar grandes jogadoras, é na América do Sul inteira que tem dificuldades. Eu acredito que a CBT esta se mexendo, nós temos a Bia Haddad Maia que é uma grande jogadora, teve alguns problemas de lesão mas agora está voltando a todo vapor. O tênis acontece no continente europeu, é lá e nos Estados Unidos que estão as melhores jogadoras. Acredito que as brasileiras tem que se preparar e se aventurar nos torneios lá fora, ganhar cancha de quadra, experiência competitiva, jogar com jogadoras melhores e se desenvolverem.
Gosto de ver o tênis feminino, cada jogão! Gosto do físico da Halep, sempre fui fã da Azarenka, já vi vários treinos dela. E a Serena Willians que é um fenômeno, bate muito forte na bola e é muito competitiva.
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Como foi o Workshop de preparadores físicos? Quais foram as principais informações compartilhadas e discutidas?
Essa ideia de realizar um encontro se deve muito ao Eduardo Frick. Em uma conversa numa etapa da Copa Davis, na Colômbia, pensamos em fazer algo pensando nos preparadores físicos brasileiros (um setor muito importante e nem sempre recebe a devida valorização) e a oportunidade apareceu. Recebi o convite para organizar junto com o preparador físico da Fed Cup Miguel Cantori esse encontro, assim como na aplicação de treinos para quase toda garotada.
Foram convocados nesse primeiro encontro onze preparadores de diversas regiões do Brasil. O evento não teve o caráter de capacitação, mas sim de conhecer quais as necessidades e os trabalhos que são desenvolvidos, trocar ideias e vários preparadores apresentaram os seus trabalhos durante o tempo de 30 minutos. O nosso objetivo também foi de montar uma plataforma digital da CBT, escolhendo junto com os demais professores determinados testes físicos, que podem ser alimentados por todos num portal que será montado. O objetivo é traçar um perfil físico dos nossos jogadores e para isso contamos com a ajuda de todo esse seguimento. O encontro foi um sucesso, parabéns a CBT, ao Prof Miguel e todos os preparadores que participaram