Bola alta

Os tenistas, no circuito masculino, atingiram novas alturas recentemente. Será que mudou o protótipo do tenista ideal?


Ron C. Angle
Sam Querrey (esquerda) e John Isner fizeram a final mais alta de um ATP. Eles também costumam jogar duplas juntos. Talvez seja melhor não tentar um lobe...

Na última temporada, em Roland Garros, naquela que foi talvez a maior zebra da história do tênis, o grandalhão Robin Soderling, 1,93m, derrotou Rafael Nadal, superando os golpes cheios de efeito topspin e as habilidades de contra-ataque do espanhol, à base de bolas chapadas e de uma coleção de winners. Quatro meses depois, na final do US Open, o pentacampeão Roger Federer servia para abrir dois sets de vantagem diante de Juan Martin del Potro, 1,98m. O argentino, porém, quebrou o serviço do número um do mundo e a história da partida aos poucos se modificou, pontuada pelos gritos e sussurros incontidos da plateia a cada um dos devastadores forehands do sul-americano.

"Nunca vi o Federer se incomodando tanto com a potência dos golpes de um adversário, inclusive quando bem posicionado", disse o comentarista e ex-profissional Jimmy Arias. Del Potro seguiu em frente para, incrivelmente, fechar a partida em cinco sets e se tornar o mais alto vencedor de torneios Grand Slam da história.
Seriam essas partidas aberrações, ou sinais de que o jogo está mudando? Nas duas ocasiões, um jogador alto, com golpes de fundo sólidos, backhand de duas mãos e forehand poderoso, superou a velocidade, as batidas cheias de efeito e a disposição defensiva do então tenista número um do mundo (Nadal, em Roland Garros, e Federer, no US Open). No tênis, o protótipo de atleta campeão tradicionalmente oscila por volta de 1,85m. Juntos, Soderling e Del Potro estabeleceram, contudo, um questionamento: "será que esta tradição está prestes a acabar?"

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Neste ano, a questão apenas se tornou mais palpitante, com o emergir de outro gigante, o croata Marin Cilic, 1,98m. Em 2009, o garoto de 21 anos defendeu seu título em Chennai e adentrou o top 10 da ATP após uma saga alucinante até as semifinais do Australian Open. O tênis dos Estados Unidos assiste a semelhante fenômeno. O segundo e o terceiro tenistas do país são John Isner, 2,06m, e Sam Querrey, 1,98m. Em fevereiro, os dois fizeram a final de ATP Tour mais "alta" da história, em Memphis.
"Não diria: 'deem-me um garoto de 2 metros', se eu tivesse que desenvolver o jogador perfeito. Ainda penso assim: com habilidades equivalentes, eu escolheria um cara com 1,85m", afirma Patrick McEnroe, diretor de desenvolvimento de jogadores da USTA (Associação de Tênis dos Estados Unidos). A lista de jogadores cuja estatura flutua na faixa de 1,85m inclui a maioria dos grandes tenistas das últimas décadas, como Federer, Nadal, Pete Sampras, Ivan Lendl e Stefan Edberg. McEnroe, ainda assim, se impressiona com a potencialidade dos jogadores mais altos. "Veja Del Potro", diz ele, "o efeito das bolas de Nadal não o incomoda de maneira alguma".

Tendência antiga? Movimentação x Altura


Uma razão pela qual McEnroe sustenta o paradigma é o fato de momentos como esses não serem novidades na história do esporte. Em 1999, Todd Martin, 1,98m, chegou à final do US Open e, no ano seguinte, Marat Safin, 1,93m, infligiu a Pete Sampras uma derrota em sets diretos também em Nova York. Desde aquela época, imagina-se que o futuro do tênis pertenceria aos gigantes, que varreriam da quadra com seus poderosos serviços e golpes de base os atletas menores e mais rápidos.
Na contramão do que se pensava, a década seguinte pertenceu, contudo, a Federer e Nadal, os dois com 1,85m, e ambos entre os mais ágeis e melhores defensivamente do circuito, assim como Novak Djokovic e Andy Murray, outros membros da elite. Parecia que a movimentação destes tenistas contava mais do que a potência e o alcance de Safin, da mesma forma que na geração anterior Pete Sampras resistiu à maior altura de Boris Becker. O embate era movimentação versus altura. "Sempre houve um equilíbrio", analisa Arias. "Os maiores sempre foram obrigados a ter o ponto sob controle porque eles não conseguem se mover (tão bem)".

Del Potro pode certamente controlar os pontos. No US Open, em 2009, quando Federer perdeu pela primeira vez em uma final de torneio Grand Slam para outro tenista que não Rafael Nadal, o argentino comandou os pontos e os finalizou com seu forehand, mesmo bem atrás da linha de base. Ele também demonstrou variação de jogo. Nos ralis, Del Potro usa o topspin, mas, se o adversário encurtar minimamente a bola, ele bate chapado, angulando para baixo e conseguindo tiros que beiram os 180 km/h. Soderling fez o mesmo em seu triunfo sobre Nadal, massacrando sem compaixão, do fundo da quadra, o tetracampeão de Roland Garros.

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Ron C. Angle
Com quase 2 metros de altura, o croata Marin Cilic também faz parte do time dos gigantes que estão tendo sucesso no circuito atual

Mais altos e ainda ágeis

A última década foi marcada pelo intenso predomínio do topspin, causado pelas novas tecnologias de cordas e pelas quadras cada vez mais lentas. O efeito empurrou os tenistas para o fundo da quadra, da mesma forma em que a menor velocidade das superfícies proporcionou maior tempo para alcançar e devolver as bolas. O jogador alto, com backhand de duas mãos, está bem equipado para se adaptar a essa tendência de jogo. Ele consegue acertar na subida bolas cheias de efeito, indo à frente e aumentando sua área de atuação em quadra. "Para jogar atualmente, você tem que jogar em toda quadra e se movimentar muito bem", aponta o comentarista da ESPN, Brad Gilbert. "Esses caras altos jogam o jogo moderno".

Depois de perder para Cilic no Australian Open, Andy Roddick exaltou as habilidades de pressionar de seu adversário. "Ele fica tão perto da base e comanda as ações de lá", comentou o norte-americano, sobre Cilic. "Ele raramente fica fora da quadra, algo parecido com o que Andre (Agassi) costumava fazer, encurtando movimentos; parecido com o jeito de jogar de Del Potro".
Jogadores como Becker e o holandês Richard Krajicek, 1,96m, jogavam tênis sacando e voleando, e indo à rede o quanto antes. Mas já faz quase uma década desde a vitória de Sampras no US Open em 2002, a última ocasião em que um jogador venceu um Grand Slam indo à rede em grande parte de seus serviços.

Ron C. Angle
O holândes Richard Krajicek, de 1,96m, já atormentava os adversários com seus saques potentes há uma década

A nova geração de jogadores altos, a primeira a desenvolver seu jogo depois da era do saque-e-voleio, é capaz de devolver saques e se movimentar para os lados como nunca antes jogadores tão grandes foram capazes.
A devolução de saque se tornou mais importante, e o alcance desses atletas neste golpe, assim como a altura deles no serviço, garante-lhes uma vantagem. Graças a isso, o jogador alto não tem mais que precipitar o final do ponto. Ele pode jogar o "jogo moderno" de Brad Gilbert, disputando ralis e se movimentando para frente seletivamente, ao estilo "quadra toda".
Mas eles conservam as melhores características do jogador alto: produzindo maior potência nos golpes graças a seus braços maiores, tanto no saque quanto na troca de bolas. Isso pode significar que o tamanho dos campeões do tênis, estável na era Aberta, está prestes a mudar.

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Asad Raza

Publicado em 15 de Junho de 2010 às 08:34


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