A inspiração sérvia

Monica Seles foi o molde do sucesso do tênis sérvio que hoje desponta com Ana Ivanovic, Jelena Jankovic e Novak Djokovic


fotos: Ron C. Angle /BEImages Sports
Os tenistas sérvios são a coqueluche do momento. São três top 10, com Jelena Jankovic, Ana Ivanovic e Novak Djokovic. As duas mulheres já ocuparam o primeiro lugar no ranking, só falta Nole, que está próximo. Mas o sucesso deles tem impulsionado outros atletas do país, como Janko Tipsarevic, Viktor Troicki e os duplistas Nenad Zimonjic (que também está entre os dez primeiros do mundo) e Dusan Vemic. No entanto, como jovens de uma nação forjada por inúmeras guerras e conflitos conseguiram tanto destaque?

Uma das respostas, seguramente, é inspiração. E isso, com certeza, se deve àquela que aos 19 anos era candidata à maior tenista de todos os tempos. Monica Seles, nascida em Novi Sad, na então Iugoslávia, já era um fenômeno aos 16, quando se tornou a mais jovem a ganhar Roland Garros. No ano seguinte, em 1991, desbancou SteffiGraf na ponta do ranking e seguiu dominante até o fatídico 30 de abril de 1993.

Quando suas adversárias não encontravam meio de parar seus poderosos drives de duas mãos dos dois lados, o alemão Guenter Parche resolveu o problema a seu modo, no que marcou o dia mais triste da história do tênis. Durante a partida de quartas-de-final contra Magdalena Maleeva, Seles liderava por 6/4 e 4/3. Na troca de lado, o fanático torcedor de Graf entrou na quadra e enfiou uma lâmina logo abaixo do ombro esquerdo da iugoslava.

Até então, a jovem havia vencido oito Grand Slams e três Masters. Em 1992, chegou a final de todos os Majors, perdendo somente Wimbledon para Graf. O atentado não terminou com sua carreira, mas impediu que ela se tornasse a maior de todas, como os especialistas profetizavam na época. O prejuízo físico não foi tão duro quanto o emocional, agravado pelo fato de o agressor ter sido liberado pela justiça. Por tudo isso, Seles ficou mais de dois anos afastada das quadras.

Destino

No entanto, a superação de obstáculos sempre foi uma característica em sua trajetória. O gosto pelo esporte veio com o pai, Karolj, cartunista profissional, que, para estimular a filha de apenas seis anos, desenhava Tom (o gato do desenho animado) na raquete e Jerry (o rato) na bolinha. Mas, para desenvolver as habilidades da garotinha, o pai teve de suplantar a vontade da avó que insistia que meninas só deviam brincar com bonecas. Além disso, o clube da cidade não a deixou se matricular nas aulas, pois era muito nova. Assim, Karolj improvisou uma quadra na rua, esticando uma corda apoiada em dois carros.

Em pouco tempo, a garota já era líder do ranking juvenil do país, mesmo sem ter decorado a contagem dos pontos. Aos 11, a menina foi campeã do Orange Bowl e despertou a atenção de Nick Bollettieri. No ano seguinte, ela e a família se mudaram para os Estados Unidos, para treinar na academia do técnico famoso e fugir dos conflitos políticos na Iugoslávia.

O início como profissional foi surpreendente e, logo em 1989, foi semifinalista em Wimbledon e conquistou seu primeiro título, em Houston, vencendo quem ela >> 23 sempre idolatrou na infância: a norteamericana Chris Evert. O primeiro de seus nove troféus de Grand Slam foi em 1990, na França. Na época, a canhota já era apelidada de "Furacão". No mesmo ano, Seles venceu o Masters em uma partida memorável de cinco sets contra Gabriela Sabatini. Era a primeira vez, desde 1901, que um jogo feminino foi definido em melhor de cinco. No ano seguinte, antes de completar 18 anos, já era líder do ranking (a mais jovem até então - só foi superada por Martina Hingis), desbancando a supremacia de quatro anos de Graf.

Interrupção

Até o fatídico dia em Hamburgo, o domínio de Seles parecia que não chegaria ao fim tão cedo. Sua garra - demonstrada muitas vezes através de seus altos grunhidos, que eram motivo de reclamação das rivais -, a descomunal força nos golpes de fundo - impulsionados pelas duas mãos -, suas devoluções devastadoras, suas paralelas incríveis, tudo isso fazia com que ela fosse apontada como candidata a melhor de todos os tempos.

No entanto, o incidente cerceou essa possibilidade. Como o fanático alemão pretendia, Graf voltou a ser número um, mas a WTA colocou Seles como co-líder da lista enquanto ela esteve afastada das quadras. Recuperada da lesão, mas não do trauma, a iugoslava, que se tornaria cidadã norte-americana em 1994, entrou em depressão e passou mais de dois anos longe do circuito.

Em julho de 1995, Seles retornou de forma triunfal no WTA do Canadá. Ao ganhar o título, emocionou-se e, sem conter as lágrimas, disse que havia pensado seriamente em abandonar a carreira, mas o amor que tinha pelo esporte foi maior. Ela ainda chegou à final do US Open daquele ano, perdendo justamente para Graf. Na temporada seguinte, conquistou mais um Grand Slam, na Austrália. Era a quarta vez que participava do Major e nunca havia sido derrotada. E ela ainda foi finalista novamente do US Open de 1996.

Contudo, as lesões começaram a atrapalhar. E, em 1998, às vésperas de Roland Garros, o pai, grande herói de Seles, morreu depois de uma luta de cinco anos contra o câncer. Ainda assim, ela foi à final do torneio. Por fim, após terminar 2003 pela primeira vez fora do top 10, a canhota decidiu se afastar do circuito.

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"Sua garra - demonstrada muitas vezes através de seus altos grunhidos, que eram motivo de reclamação das rivais -, a descomunal força nos golpes de fundo - impulsionados pelas duas mãos -, suas devoluções devastadoras, suas paralelas incríveis, tudo isso fazia com que ela fosse apontada como candidata a melhor de todos os tempos"

Ron C. Angle /BEImages Sports

Legado

Ron C. Angle /BEImages Sports

Mas o exemplo dela gerou frutos. "Não tinha cartazes de cantores ou estrelas do cinema. Só amava Monica Seles", conta Ivanovic, que começou a jogar tênis aos cinco anos após assistir a partidas da iugoslava na tevê. Jankovic também confirma ter sido inspirada por Seles: "Sempre fui uma grande fã dela". Já o talento de Djokovic foi descoberto por Jelena Gencic, treinadora que trabalhou com a canhota.

É evidente que o sucesso do esporte no país não é fruto do trabalho da federação local. Assim como Monica, as três principais estrelas tiveram que deixar suas cidades para buscar a sorte em grandes centros. Assustados com os bombardeios da OTAN em 1999 e incentivados pelos treinadores, eles saíram da capital, Belgrado, muito cedo. Djokovic, aos 12, foi enviado a uma academia em Munique. Jankovic, com a mesma idade, seguiu para a Flórida treinar com Bollettieri. Já Ivanovic foi parar na Basiléia, levada por um empresário alemão.

A estrutura do tênis na Sérvia é tão precária que Ivanovic se lembra de jogar no fundo de uma piscina. Djokovic, que começou em uma pequena academia ao lado do restaurante da família, não se conforma com a situação e planeja construir uma grande academia. Muitos, porém, entendem que foram justamente as dificuldades que os levou ao sucesso. A própria Jankovic sustenta esta tese. "Quando vamos à quadra, é como se estivéssemos indo para a guerra", afirmou. Ivanovic também reflete sobre a situação: "Nosso começo foi tão duro que procuramos aproveitar todas as oportunidades que temos. Isso nos torna forte mentalmente". Tipsarevic é um pouco mais radical e não poupa críticas às autoridades. "Tudo o que temos veio da lama, do nada. Ninguém nunca investiu um dólar em nossos jogadores", desabafou. Mas, agora é hora de eles deixarem o seu próprio legado.

Monica Seles

Nascimento
2 de dezembro de 1973, Novi Sad, Iugoslávia (agora Sérvia)

Altura e peso
1,78m e 61kg

Canhota - forehand e backhand com duas mãos

Melhor ranking
1ª em simples (11/03/1991)
16ª em duplas (22/04/1991)

Títulos
53 em simples e 6 em duplas

Grand Slams:
Australian Open - 1991, 92, 93, e 96
Roland Garros - 1990, 91 e 92
US Open - 1991 e 92

Prêmio
US$ $14,891,762

José Eduardo Aguiar

Publicado em 6 de Novembro de 2008 às 12:22


Perfil/Entrevista

Artigo publicado nesta revista