Tranquilo

Passe a jogar sem medo

O medo de errar é o inimigo número um da criatividade e da evolução do seu jogo


Temos dois casos memoráveis para ilustrar o tema "medo de errar" no tênis brasileiro. O primeiro envolve um jogador promissor, atlético, filho de tenista e professor de tênis, que batia os melhores juvenis da época - dois de seus fregueses da fase infanto-juvenil ocuparam o topo do ranking profissional nos anos 80. O segundo conta a história de um tenista gordinho, filho de um senhor que dirigiu o tênis paulista por muitos anos, que quando juvenil só dava "placas" e que veio a se tornar um dos melhores duplistas que o Brasil já teve.

Quero dizer, antes de continuar o artigo, que são muitas as variáveis que compõem o desenrolar da vida de alguém. Temos as predisposições genéticas que atuam nos aspectos físico, emocional e mental de cada um e que, combinadas com os estímulos do ambiente e com a força de vontade, apontam para infinitas possibilidades de vida. Mas essas discussões filosóficas profundas ficam para outra ocasião.

Para fins evolutivos, a vida nos coloca frente a frente com muitas histórias, algumas são manchetes de jornal e nos fazem refletir sobre nossa própria mania de falar ao celular enquanto dirigimos (quando a manchete é sobre um acidente de carro terrível), ou sobre nossos pequenos "jeitinhos brasileiros" diários (quando a manchete é sobre mais uma CPI do Congresso Nacional). Vamos então falar sobre esses dois jovens, não para medir suas vidas, problemas e felicidades, mas para tirarmos da experiência deles algum aprendizado.


Sacomandi

Celso Sacomandi, promissor jovem do Bauru Tênis Clube, filho do treinador da equipe mais vencedora do interior paulista - o famoso "Seu" Cláudio -, venceu no Banana Bowl nomes como John McEnroe e Ivan Lendl, levando a taça de campeão em 1972 e 1975, e era considerado o ponto certo nos torneios interclubes e nos juvenis por equipes.

Sacomandi tinha de ganhar, honrar com a confiança nele depositada. O medo de não corresponder às expectativas fez com que desenvolvesse um estilo de jogo mais conservador, do tipo "colocar a bola para o outro lado". O medo limitou sua evolução técnica e tática: chegou a jogar profissional, mas seu melhor ranking foi 339° em 1979.

Seu "freguês" McEnroe acabou por desenvolver um estilo de jogo ousado e irreverente, que aliado a um impressionante trabalho de pés o levou a vencer o primeiro Grand Slam (US Open) em 1979, apenas dois anos depois de ter vencido Sacomandi no Banana em 1977.

Motta

Já Cássio Motta, também campeão do Banana, em 1976, o "gordinho" da nossa história, jogou uma vez um torneio infanto-juvenil em seu clube de formação, o Tênis Clube Paulista, e estava com dificuldades em acertar as bolas na quadra. Só dava "tiros". Meu pai foi aconselhar o pai dele, mandando um: "Seu Milton, fala para o Cássio colocar um pouco a bola em jogo!", ao que Milton respondeu prontamente: "Deixa o garoto bater na bola, ele gosta de bater, um dia entra".

A bola acabou entrando mesmo, e Motta marcou os pontos de duplas juntamente com Carlos Alberto Kirmayr que levaram o Brasil de volta ao Grupo Mundial da Copa Davis em 1988, além de chegar ao Masters de duplas com o mesmo "Kiki" em 1983. Seu melhor ranking de simples foi 48° em 1986.

Lições para vida

Pensando na lição desses dois ex-atletas, é importante que estimulemos o desenvolvimento de tenistas completos, criativos e destemidos desde o início do aprendizado. A preocupação com o ranking desde a tenra idade, em detrimento do desenvolvimento do jogo como um todo, com todas as suas variações técnicas e táticas, pode limitar, e muito, o quão longe o tenista poderá chegar.

É por isso que dizemos que: antes de treinar, é preciso aprender. O planejamento de aulas deve incluir todos os golpes básicos e também os especiais. Por que não incluir a curtinha, o voleio com topspin, e o golpe por baixo da perna no planejamento? O golpe de direita: pressionando, defendendo, subindo à rede, passando, lobando, respondendo o saque, nas simples, nas duplas... Por que não deixar a criança errar, explorar, se divertir? Resultados, ah os resultados...

Em algum momento o garoto irá descobrir e aperfeiçoar seu estilo de jogo, dentro do que mais se harmoniza com seu biótipo e personalidade. Mas, quanto maior o repertório de movimentos, de golpes, de variações táticas o tenista tiver, tanto maior serão suas chances de se desenvolver como tenista e, por que não, de ser mais feliz em quadra.

Com maior repertório, o tenista pode escolher, no futuro, se especializar em duplas, ou ser versátil o suficiente para jogar simples e duplas tanto nas competições por equipes do clube como também no tênis universitário. Se optar por jogar tênis profissionalmente, contará com seus pontos fortes, mas poderá surpreender o adversário com jogadas que não costuma fazer normalmente. Ou alguém se esqueceu das subidas à rede de Guga atrás do saque em Roland Garros?

Então, inspire-se e descubra também seu jeito Neymar de jogar tênis: leve, alegre, solto e criativo.

Suzana Silva

Publicado em 27 de Abril de 2016 às 08:30


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