Fogueira das vaidades

Jogar tênis é a vontade das crianças ou de seus pais e professores?

Entenda e preste atenção em qual motivo leva seu filho à prática da modalidade


Que o papel dos pais no desenvolvimento de atletas de alto rendimento é importante, ninguém discute. São eles que, em sua maioria, financiam as aulas, viagens e material esportivo, escolhem os treinadores e torneios para seus filhos participarem, acompanham as crianças nas competições de final de semana, e dão as primeiras orientações que influenciarão o cumprimento de regras do jogo e o respeito pelos adversários. Os pais também influenciam seus filhos quanto ao comportamento frente às situações de erros na contagem e de marcação de bolas, tão comuns na primeira fase da participação em competições.

Um dos primeiros desafios que os pais podem enfrentar acontece quando o filho é considerado um “talento” e começa a receber elogios dos professores e de outros pais de tenistas. Assistir a uma criança pequena com movimentos dos golpes bem desenhados e até com variação tática inusitada para a idade, é sempre uma imagem que arranca suspiros e comentários do tipo: “Nossa, esse menino tem futuro!”, “Essa menina joga muito” etc. Que papai ou mamãe resiste incólume a essa massagem no ego?

Os estudiosos do esporte têm evitado usar a palavra talento e preferem falar de crianças que apresentam uma curva de desenvolvimento (que pode ser motor, cognitivo ou emocional) acima da média para a idade. Estar acima da curva num aspecto não significa que a criança vai virar alguma coisa, já que as variáveis são muitas e, realmente, as capacidades e habilidades que compõem um atleta não se desenvolvem todas no mesmo ritmo.

Os professores que lidam com crianças que apresentam uma curva de desenvolvimento motor e cognitivo acima da média para a idade também podem “sofrer” da síndrome da vaidade desenfreada ao exibir seus pupilos, compará-los com alunos de outros treinadores, e até usar a criança como ferramenta de marketing – chamando para si a responsabilidade pelo desenvolvimento daquele “talento”.

Queimando etapas
Uma das piores consequências práticas e atuais dessa “fogueira das vaidades” é a aceleração do processo de mudança de bola e do tamanho de quadra, para que a criança supostamente talentosa possa competir logo nos torneios oficiais promovidos pelas Federações e Confederação Brasileira de Tênis (CBT). Treinadores e pais têm esquecido de levar em conta que, acelerar o processo, pode deixar lacunas no desenvolvimento de um tenista completo no futuro, para mostrarem aos outros o seu “tenista-talento”.

A criação do sistema Play and Stay e das competições Tennis 10 pela Federação Internacional de Tênis (ITF) teve como objetivo principal garantir o envolvimento de mais crianças no esporte, pensando no seu desenvolvimento no longo prazo, justamente por entender que queimar etapas é um dos motivos que gera tantas desistências ao longo do caminho, seja por lesões ou por burn out. Não há qualquer relação entre vencer torneios nas categorias Tennis 10 e ser um tenista profissional no futuro. Não há porque acelerar o processo.

Usar as bolas e os tamanhos de quadras sugeridas pela ITF adequadas às faixas etárias e um programa de aulas que contenha objetivos progressivos de aprendizagem de conteúdos técnicos e táticos é a maneira cientificamente comprovada de evoluir uma criança no tênis. E a razão pela qual passaremos uma criança de um estágio para o outro será única e exclusivamente porque ela cumpriu os objetivos de aprendizado técnicos e táticos em dado nível, de preferência através de uma avaliação semestral, nunca por queremos expor “nosso talento” para os outros.

Avaliação
Dessa forma, montamos dois boxes com conteúdos a serem atingidos nas quadras vermelha e laranja. Para cada um dos conteúdos dos boxes, há critérios de desempenho para serem avaliados. Por exemplo, não basta apenas passar a bola para o outro lado da rede com o golpe do lado dominante para ser aprovado na quadra vermelha. Elementos com empunhadura, posição de expectativa, split-step, unidade de torção, looping, contato e terminação são observados e levados em consideração na avaliação total do aluno para avançar as etapas de aprendizagem.

Entendemos que o tênis moderno ficou muito rápido, que as jogadas se resolvem muito mais do fundo da quadra, mas é inconcebível que um tenista profissional não saiba dominar os espaços de ¾ da quadra para frente. E isso acontece muito ainda em nosso tênis, infelizmente. E, se queremos evoluir no esporte, precisamos focar nosso interesse no desenvolvimento de um tenista completo para o futuro, e não em um tenista campeão no Tennis 10 ou nas faixas de 12 e 14 anos. Por isso, trabalhar esses conteúdos desde as bolas vermelha e laranja é tão importante.

Em tempo: o tênis praticado por crianças até os 10 anos de idade é fun-damentals (a palavra fun, em inglês, significa diversão, então é importante ensinarmos os fundamentos do jogo num processo divertido). A criança se diverte sendo desafiada, fazendo amigos, jogando pontos, participando de eventos e torneios feitos especialmente para elas. E os professores capacitados e bem preparados possuem com a humildade necessária para reconhecer que são apenas os “facilitadores” do processo.

Suzana Silva

Publicado em 17 de Maio de 2016 às 09:30


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