A final do último Australian Open mostrou, além de uma batalha entre dois grandes nomes da história do esporte, um duelo de estilos diametralmente opostos: de um lado o estilo clássico de Roger Federe, destro, golpes com uma amplitude maior, backhand de apenas uma mão, variando o top spin, a batida chapada e o slice, usado em diversas oportunidades pelo suíço para se defender e para ganhar tempo de se recompor na quadra.
No outro lado da rede, via-se o leão Rafael Nadal, canhoto, com seu estilo de jogo com muito top spin no forehand e muita agressividade no backhand de duas mãos. Aliás, no backhand é que talvez fique mais nítida a diferença entre os estilos clássico (uma mão no backhand) e norte-americano (duas mãos no backhand).
Até a década de 1970, o tênis era basicamente jogado com os atletas utilizando apenas uma mão no backhand. Foram dois norte-americanos (Jimmy Connors e Chris Evert) e um sueco (Björn Borg) que mudaram o conceito do jogo, nesse quesito. A eficácia da novidade foi logo “avalizada” com os três títulos de Majors que Connors conquistou no ano de 1974 (Australian Open, Wimbledon e US Open), todos no piso de grama. No ano seguinte, o canhoto Connors chegou novamente às finais nesses três torneios, mas perdeu todas. Seu legado, porém, foi enorme. Além de seu grande carisma, Jimbo aposentou-se com 109 títulos no circuito profissional e 8 Grand Slams conquistados em 15 finais disputadas.
Nova ordem mundial
O ano de 1974 marcou realmente a “nova ordem mundial” no backhand. Se Connors venceu os três Grand Slams que na época eram disputados na grama nesse ano, outro mito do esporte que também batia o backhand com as duas mãos, Björn Borg, venceu Roland Garros. Borg foi avassalador nos anos seguintes, com mais dez títulos de Majors em 15 finais jogadas. O sueco teve seis títulos em Roland Garros e cinco em Wimbledon em sua vitoriosa e curta carreira, já que se aposentou com apenas 26 anos. Ensaiou uma volta às quadras no começo da década de 90, mas logo desistiu novamente.
Paralelamente ao domínio da dupla Bjorg/Connors no tênis masculino da década de 1970, entre as mulheres Chris Evert assombrava o mundo do tênis com seu jogo de base extremamente sólido, e o backhand de duas mãos. A norte-americana conquistava Roland Garros e Wimbledon, também em 1974, e iniciava uma dinastia, que culminaria com 18 títulos de Grand Slam e 157 títulos de torneios em simples. Essa dinastia seria pouco a pouco sendo dividida com e, depois, superada pela tcheca naturalizada norte-americana Martina Navratilova, que tinha também um backhand com as duas mãos.
Anos 1980
Depois de ser uma novidade, o golpe de revés com as duas mãos foi-se consolidando gradativamente no circuito profissional. Entre os principais nomes do esporte na década de 1980, a maioria ainda usava o backhand clássico (John Mc Enroe, Ivan Lendl, Stefan Edberg, Boris Becker, Steffi Graf, Gabriela Sabatini). Mas, com a chegada de dois nomes marcantes do tênis, Andre Agassi e Monica Seles, esse quadro seria para sempre modificado.
Andre Agassi foi talvez o mais carismático tenista que já pisou em uma quadra de tênis. Foi uma revolução para o esporte, no fim da década de 1980. Seu primeiro título como profissional, aliás, foi conquistado no Brasil, em 1987, no Torneio de Itaparica, na Bahia, vencendo o brasileiro na final em sets diretos (7-6, 6-2). Cabelos longos, roupas coloridas, backhand potente de duas mãos, com uma devolução de saque tida por muitos como a melhor da história do tênis masculino. O norte-americano foi inspiração para toda uma geração de novos tenistas, e talvez tenha sido o catalisador do aumento de jogadores de backhand com duas mãos com resultados expressivos no circuito.
A partir da década de 90, diversos jogadores começaram a aparecer bem no cenário internacional e jogando com backhand de duas mãos. Além de Agassi, Jim Courier (considerado por muitos o backhand mais bonito de duas mãos), Michael Chang, Thomas Muster, Carlos Moyá, Marcelo Ríos, Greg Rusedsli, Yvgeny Kafelnikov, Marat Safin, entre tantos outros, fizeram com que o jogo no masculino ganhasse potência com golpes mais chapados e perdesse em efeito e em variedade de golpes.
Jogo bizarro
Monica Seles chegou radicalizando no começo da década de 90. Com seu jogo “bizarro” de forehand e backhand com as duas mãos e com seus gritos acima do limite razoável, a sérvia chegou ao circuito de maneira fulminante, vencendo oito Grand Slams entre 1990 e o começo de 1993 (Roland Garros em ´90´91´92, Australian Open em ´91´92´93, U.S.Open ´91´92).
Seles preparava-se para defender seus três títulos em Roland Garros depois de mais um título na Austrália quando, no dia 30/04/1993, em uma partida válida pelo Aberto de Hamburgo, contra a búlgara Magdalena Maleeva. Em um dos intervalos, ela foi esfaqueada nas costas pelo maluco alemão Gunther Parche, fanático pela compatriota Steffi Graf, que era a número dois no ranking naquele momento. Obcecado por Steffi, ele feriu Seles para que ela pudesse voltar ao topo do ranking mundial. Uma dos episódios mais tristes e inacreditáveis da história do esporte mundial.
Para muitos, o legado deixado por Monica Seles, de força bruta e abuso nos golpes de duas mãos, foi entendido pelas jogadoras que vieram depois como o estilo mais adequado para vencer no circuito feminino. À exceção da talentosíssima belga Justine Henin (sete Grand Slams), todas as jogadoras que lograram êxito entre as mulheres desde Monica Seles batiam (ou batem) o backhand com as duas mãos. Essa lista tem nomes como Martina Hingis (cinco Grand Slams em simples), Kim Cljsters (quatro Majors), Maria Sharapova (cinco Majors) e, principalmente, as irmãs Williams (sete Majors) e Serena Williams (23 Grand Slams).
Dias atuais
Se no tênis feminino, parece inegável a supremacia das jogadoras com backhand de duas mãos a partir da década de 90, no masculino há equilíbrio entre os estilos de jogo. Pete Sampras foi o jogador que deu as cartas na década de 1990, com doze Majors no período. Sampras (como 99% dos jogadores norte-americanos) inicialmente batia seu revés com duas mãos, mas o treinador Peter Fischer sugeriu que Sampras mudasse sua técnica para uma mão.
Segundo Fischer, somente assim o talentoso menino de Washington D.C. seria capaz de vencer Wimbledon. O jovem acatou a recomendação e tornou-se simplesmente heptacampeão na grama sagrada de Londres. Andre Agassi e Jim Courier, grandes adversários de Sampras nas quadras duras, batiam com as duas mãos. A armada espanhola (em sua grande maioria) e Thomas Muster eram também adeptos desse estilo de jogo. Para a nossa sorte, no entanto, essa supremacia das duas mãos no saibro deu uma trégua quando um cara chamado Gustavo Kuerten, camisa amarela colorida e cabelão despenteado, surpreendeu o planeta vencendo Roland Garros em 1997, repetindo a dose em 2000 e 2001 e se tornando o número um do mundo no começo do novo milênio, tudo isso com um eficiente backhand de uma mão.
Depois da “Era Guga”, chegamos a Roger Federer e seu estiloso backhand também de uma mão. Na linha do tempo do tênis mundial, no entanto, os últimos três tenistas que chegaram ao topo do mundo jogam com as duas mãos na esquerda. Rafael Nadal, Novak Djokovic e Andy Murray, todos discípulos da escola inaugurada por Connors, Borg e Chris Evert. Com uma ou duas mãos, um excelente backhand será sempre a cereja do bolo, um dos principais diferenciais que separam um grande jogador de um bom jogador. Afinal de contas, poucos golpes são tão favoráveis psicologicamente como um winner de revés no fundo da quadra.