As vantagens de ser número 1

Orlando Luz alcançou o primeiro lugar no ranking juvenil e as expectativas sobre seu futuro aumentaram ainda mais

Por Arnaldo Grizzo em 24 de Junho de 2015 às 00:00

Há quem fique com o pé atrás e não se importe muito com o fato. Não é para menos. Já tivemos números 1 do mundo antes que não corresponderam às expectativas. Em 2010, por exemplo, Tiago Fernandes venceu o Australian Open juvenil, uma façanha até então nunca antes alcançada por um juvenil brasileiro, e subiu ao primeiro lugar do ranking da Federação Internacional de Tênis (ITF) para jovens até 18 anos. Hoje, cinco anos depois, ele simplesmente abandonou o esporte.

Antes de Fernandes, porém, Roberto Jábali já havia ocupado o primeiro lugar no ranking juvenil em 1986. Não se pode dizer que ele decepcionou como profissional, pois atingiu o 130o lugar na ATP, mas o máximo que conseguiu em torneios de primeira linha foi um vice-campeonato na Cidade do México.

É por exemplos como esses que costumamos tratar com muita cautela as grandes “promessas” do tênis, pois ser número 1 quando juvenil não é garantia de sucesso profissional. No entanto, é um ótimo passo e, definitivamente, uma forma de receber atenção e, quem sabe, capitalizar com isso.

Uma semana depois de ter aparecido como número 1 do mundo na ITF, Orlando Luz experimentou algumas das benesses desse momento especial pelo qual está passando. Nos dias que antecederam o início de Roland Garros, o garoto foi convidado para treinar com diversos tenistas top, entre eles Kei Nishikori, Marin Cilic e Roger Federer. “Tenho feito muitas coisas por ser número 1”, afirmou o gaúcho. “Bati com Roger duas vezes. Na primeira vez, ele estava se concentrando para uma partida, então não conversamos muito. Mas, na segunda, conversamos e ele disse: ‘Parabéns por Milão’. Ele me conhece – isso foi incrível”, disse Orlandinho.

Número 1

Federer obviamente se referia à conquista do brasileiro na semana anterior, no Trofeo Bonfiglio, em Milão, um dos principais eventos juvenis do mundo, abaixo somente dos Grand Slams. Depois de vencer Banana Bowl e Copa Gerdau, Luz investiu em alguns torneios profissionais e só voltou aos juvenis pouco antes de Roland Garros. A competição milanesa, mais do que uma preparação para o saibro francês, revelou-se uma oportunidade de ouro para assumir a ponta do ranking.

Como o russo Andrey Rublev, então líder, não disputou o torneio, tanto o brasileiro (segundo colocado) quanto o norte-americano Taylor Fritz (terceiro) poderiam ultrapassá-lo. Quem fizesse a melhor campanha ficaria em primeiro lugar ao final da competição. Luz teve uma jornada impecável, sendo ameaçado somente na decisão pelo francês Corentin Denolly, que chegou a abrir 4/1 no terceiro set. Ao final, porém, o gaúcho venceu por 6/4, 6/7(2) e 7/6(3), tornando-se o primeiro tenista do Brasil a levantar a taça do tradicionalíssimo Trofeo Bonfiglio, que chegou à sua 56ª edição.

Um dia antes, ao derrotar o japonês Akira Santillan na semifinal, Luz já sabia que, independentemente do resultado da final, seria número 1 do mundo, pois seu “concorrente” Fritz acabou perdendo para Denolly. “Gostaria de ser número 1. Venci Milão e dois torneios no Brasil, e estou muito feliz. É como um sonho, pois toda a minha vida tenho jogado para isso. Então, é incrível”, comentou o jovem.

Em conversa com Patricio Arnold, treinador de Orlandinho, para a edição 139 da revista (na qual estampamos o jovem na capa), ele havia dito que uma das possíveis metas de seu pupilo era alcançar o topo do ranking juvenil. “Quem sabe ele possa se tornar número 1, pois, na parte de exposição, é interessante. Mas, para isso acontecer, ele precisa ganhar um Grand Slam provavelmente”, afirmou Arnold na época. Por uma série de fatores, não foi preciso ganhar um Major, título que Luz na verdade já tem (foi campeão de duplas em Wimbledon no ano passado).

Uma flor

Durante a disputa de Roland Garros, Luz não conseguiu repetir as campanhas do ano anterior (havia feito semifinal em simples e duplas) e, por isso, caiu no ranking. Isso não tira seus méritos e tampouco faz com que seu potencial seja desacreditado. Um dos que aposta em um bom futuro para o jovem gaúcho é ninguém menos que Gustavo Kuerten.

“Eu o conheço desde o começo, quando era uma criança. Ele tem um grande potencial. Não apenas no nível técnico, mas na forma como leva sua carreira e como parece ser um jogador profissional. Ele é muito maduro e muito singular. Estamos lidando com um jogador especial”, afirmou o tricampeão de Roland Garros. “Ele é um grande garoto e ama estar lá lutando. Às vezes, é difícil se manter motivado, mas ele tem essa conexão com o jogo, o brilho que você vê em seus olhos quando ele joga, isso é o que faz um tenista sobreviver na transição do juvenil para o profissional. Ele é como uma flor; todo dia você coloca um pouco de água e toma conta dela com amor e carinho. Acho que ele é o cara que vai nos dar um monte de felicidade na quadra novamente”, concluiu Guga.


“Ele é muito maduro e muito singular. Estamos lidando com um jogador especial”, afirma Guga

Geração de ouro

Aos 17 anos, Orlandinho certamente é a grande promessa dessa geração que, devemos ressaltar, tem os melhores resultados que o Brasil conseguiu no circuito juvenil nos últimos 15 anos. Para se ter uma ideia, de 2001 a 2005, por exemplo, nenhum juvenil brasileiro (homem) havia conseguido superar as oitavas de final em um Grand Slam. Nesse tempo, alguns dos nomes que passaram pelo circuito foram: Franco Ferreiro, Marcelo Melo, Leonardo Kirche, Alexandre Bonatto e Thomaz Bellucci.

O primeiro a aparecer numa quartas de final no século XXI, foi Raony Carvalho, em Roland Garros 2005. No ano seguinte, Nicolas Santos repetiu o feito e ainda alcançou a final de simples e duplas do famoso Orange Bowl, o que lhe rendeu o segundo lugar no ranking juvenil. Somente em 2010 alguém superaria as quartas, quando Tiago Fernandes foi campeão no Australian Open. Naquele ano, cinco brasileiros terminaram a temporada entre os 100 primeiros do mundo na ITF, número que só seria superado em 2013.

No entanto, foi no ano passado que os garotos obtiveram os melhores resultados que uma geração inteira conseguiu em Grand Slams. Com Orlando Luz, Marcelo Zormann, João Menezes e Rafael Matos, o Brasil conquistou um título (Wimbledon – parceria Luz e Zormann) e um vice-campeonato (US Open – parceria Matos e Menezes) de duplas, uma semifinal em simples (Luz em Roland Garros) e outra em duplas (Luz e Menezes também na França), uma quartas de final (Zormann em Roland Garros) e outras duas em duplas (Matos e Menezes em Wimbledon e Luz e Zormann no US Open). Isso sem contar os títulos de Luz no Banana Bowl e na Copa Gerdau.

O que diferencia essa geração de outras anteriores? Ela seria melhor? Para Paulo Cleto, ex-capitão do Brasil na Copa Davis, é preciso lembrar que já tivemos gerações fortes de juvenis anteriores a essa. “Tivemos Thomas Koch, Lelé Fernandes e Ronald Barnes, por exemplo, nos anos 1950 e 1960. Depois, outra com Renato Joaquim e Carlos Chabalgoity, que foram muito bem no Orange Bowl. Teve ainda Cássio Motta, que terminou como número 2 do mundo jogando contra Ivan Lendl, John McEnroe, Yannick Noah. Houve ainda Eduardo Oncins e Edvaldo Oliveira, finalistas do Banana Bowl”, enumera Cleto.

Segundo ele, na época, os torneios juvenis eram mais valorizados do que hoje e, portanto, mais fortes, pois todos os melhores juvenis do mundo disputavam. “Agora, muitos já passam logo aos Futures”, afirma. Assim, ele acredita que, antes, o circuito juvenil “preparava” melhor os tenistas para o profissionalismo.

Patricio Arnold concorda que houve diversas gerações juvenis fortes. “No que se refere a talento nato (habilidade), esta geração não necessariamente é melhor, pois temos contado com tenistas muito habilidosos em várias gerações. Mas esta geração está mais bem preparada que a de anos anteriores porque o processo de formação e competição pelo qual passaram vem sendo mais sólido nos últimos anos”, aponta o treinador de Orlandinho.

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