Um Olhar Muito Particular

Gabriel Jaramillo esteve no Brasil compartilhando seus conhecimentos e sua visão de como cada atleta merece um treinamento individualizado

Por Matheus Martins Fontes em 27 de Julho de 2013 às 00:00

TENTE COMPARAR Pete Sampras e André Agassi. Difícil, não? Dois tenistas completamente diferentes em personalidade e estilo dentro de quadra. Um sacava e voleava o tempo todo. O outro foi um dos maiores devolvedores do tênis. Fora de cena, Sampras era o padrão do “bom moço”. Agassi, por sua vez, tinha fama de rebelde e chocava com roupas espalhafatosas, brincos e cabelos compridos. Essa rivalidade transbordou os limites de sua geração. Mas essas duas figuras bem-sucedidas (e contraditórias) tiveram um ponto em comum além do esporte que praticavam.

Gabriel “Gabe” Jaramillo é a ligação entre os dois atletas. O atual treinador da Club Med Academies passou parte de seus ensinamentos a esses dois mitos que, quando jovens, frequentaram a academia de Nick Bollettieri, na Flórida, onde “Gabe” trabalhou de 1981 até 2009. Nesse período, ele também teve contato com outros grandes jogadores que deixaram suas marcas no tênis como Ivan Lendl, Jim Courier e Monica Seles, Marcelo Ríos e, mais recentemente, orientou jovens proezas da nova safra como Maria Sharapova, Gael Monfils e Kei Nishikori.

No convívio com todas essas feras, Jaramillo aprendeu a respeitar cada atleta sob sua observação, de acordo com a forma específica de jogo e a individualidade que cada esportista sinaliza nos bastidores de quadra. No final de junho, “Gabe” esteve em São Paulo para o Workshop Internacional de Tênis realizado pela Confederação Brasileira de Tênis (CBT), em que pôde compartilhar seus conhecimentos com vários profissionais brasileiros e alertá-los sobre o quanto é importante o papel do treinador, para que o atleta possa depositar nele toda a sua confiança e vir a se tornar um campeão.

“Cada jogador é diferente e nós, treinadores, devemos nos adaptar a cada um de forma individual”, afirma Jaramillo

O MENTOR

Trabalhar com dezenas de jogadores não é fácil para um treinador, pois, inevitavelmente, cada um irá responder a seus comandos de forma distinta. Ou seja, nem sempre a mesma estratégia para um será adotada para cativar o companheiro ao lado. “Cada jogador é diferente e nós, treinadores, devemos nos adaptar a eles”, afirma Jaramillo.

Para o técnico, o trabalho individualizado com o atleta faz com que ele confie ainda mais nas suas instruções, condição fundamental para que possa evoluir seu arsenal de golpes. Mas, primeiramente, a segurança deve estar no próprio treinador em realizar sua profissão de maneira correta e com metas bem estipuladas. “Os treinadores devem confiar primeiro neles mesmos para formar campeões. Caso contrário, como os jogadores vão poder confiar neles? Os técnicos devem pensar como campeões, ter uma equipe de trabalho para moldar grandes jogadores e esse grupo precisa ter metas bem claras de trabalho, um plano para conseguir pô-las em prática e, acima de tudo, não desistir do seu objetivo”, explica.

A mentalidade do mentor em começar a trabalhar os pontos importantes com o jovem atleta desde pequeno é a chave para o sucesso no futuro, diz Jaramillo. Por isso, os técnicos em sua academia têm o objetivo de definir uma estratégia para moldar o tenista segundo sua personalidade e estilo de jogo específicos. Daí o porquê de nunca orientarem atletas diferentes utilizando a mesma filosofia. “Exigimos do jogador disciplina, perseverança e sacrifício, as mesmas coisas que nós, treinadores, temos como obrigação. Mas sempre respeitamos seu jeito, sua personalidade. Se nós lidarmos com um jogador de forma muito rigorosa, ele não vai desenvolver seu melhor tênis. Da mesma forma que se soltarmos as rédeas, deixá-lo fazer o que quiser, treinar de qualquer jeito, não dará certo. O ideal é sempre o meio termo, um pouco dos dois e, principalmente, que o treinador tenha uma boa relação com o jogador”, enfatiza Gabe.


“Agassi chegava na quadra de calça jeans cortada, cabelo comprido, não dava bom dia para ninguém. Era um cara esquisito. Mas, se desse 100% em quadra, eu não mudaria isso nele. Marcelo Ríos era polêmico fora de quadra, mas nunca conheci um cara mais profissional do que ele”, lembra Jaramillo

CUIDADOS COM O JOGADOR

Durante os treinos, geralmente realizados em grupos de vários jogadores, Jaramillo afirma que, quando percebe que algum deles está cometendo vários erros em um mesmo fundamento, está cabisbaixo ou com falta de confiança, senta-se com ele e ouve seus desabafos. Só mesmo com o depoimento do aluno ele poderá ter carta branca para auxiliá-lo.

É por isso que no circuito profissional, muitas vezes, jogadores não conseguem deslanchar mesmo trabalhando com treinadores renomados. O britânico Andy Murray, campeão de Wimbledon, é um exemplo. “O Brad Gilbert (ex-tenista norte-americano da década de 1980) treinou o Murray por um tempo, viajou com ele por um ano e ganhava US$ 1 milhão. Acabou não dando certo, porque não tinham uma boa comunicação, não conseguiam se entender. Por isso digo que o mais importante é uma boa interação entre jogador e técnico”, reforça.

Além da boa química com o atleta, o treinador precisa ser flexível e compreensivo para entender qual é a melhor maneira de lidar com os instintos do jogador, afinal a ligação entre professor e aluno é uma espécie de relacionamento. Algumas vezes um tenista demonstra ter uma postura de “bad boy”, ranzinza e antissocial fora de quadra, porém, quando entra para jogar, transforma-se e age com seriedade na profissão que escolheu para sua vida. Dessa maneira, Jaramillo acredita que os técnicos não precisam querer alterar a personalidade do jogador. “Por que deveria mudar? Agassi, por exemplo, chegava na quadra de calça jeans cortada, cabelo comprido, não dava bom dia para ninguém. Era um cara esquisito. Mas, se desse 100% em quadra, eu não mudaria isso nele. Marcelo Ríos era polêmico fora de quadra, mas nunca conheci um cara mais profissional do que ele. Se o treino estava marcado às 7h, ele chegava às 6h30, de tênis amarrado e pronto para jogar”, relembra o norte-americano.

Até a carga de treinamento deve ser tratada com bastante cautela com cada jogador. O volume não deve ser iniciado de forma intensa para os jovens atletas, já que eles podem sofrer lesões inesperadas se forem expostos a um exercício rígido demais, ou simplesmente não conseguirão processar tantas informações de uma vez só. Portanto, o limite de cada um não deve ser extrapolado pelo técnico. “Cito Agassi e Sampras, que eram jogadores muito diferentes. O Agassi treinava 1h30 de manhã, 1h30 à tarde e conseguia dar 100% em quadra. Já o mesmo não podia ocorrer com o Sampras, que treinava em outro ritmo. Com ele, eram 2h30 de manhã e 2h à tarde, ele precisava de um volume maior. Então, cada jogador tem sua demanda, tudo vai depender de quanta carga ele precisa e como ele aceita esse volume de treino”.

LIÇÕES PARA QUEM ENSINA

Assim como um pai, o treinador quer o melhor para seu comandado e, por isso, certifica-se de que ele esteja muito bem instruído quanto aos seus métodos de trabalho. Jaramillo aprendeu muito durante o período em que era braço direito de Bollettieri e cobra bastante empenho dos seus treinadores ao longo do batente. Mas o que você, técnico, precisa ter em mente para fazer com que seu pupilo seja um grande jogador no futuro e, principalmente, feliz com a profissão?

Veja algumas dicas de “Gabe” para você ter certeza de que uma ótima relação é a chave para um melhor futuro para seu jogador, dentro e fora de quadra.

  1. Ter paixão pelo seu trabalho – Não somos movidos a dinheiro, essa é a nossa profissão, somos formadores de grandes jogadores. A emoção que carregamos entra em quadra junto com os atletas, isso faz parte de nosso dia a dia.
  2. Qual seu estilo? – Antes de entrar em quadra, pergunte ao seu atleta se ele sabe como vencer, se tem uma estratégia e objetivos pré-definidos. É muito importante que você observe o atleta para saber orientá-lo e responder às dúvidas que possam surgir a respeito de determinada estratégia. A meta é que ele sempre saia de quadra com algum aprendizado.
  3. Identifique na hora – Se o jogador erra uma jogada várias vezes, pare e oriente-o imediatamente com respostas curtas e rápidas. Forneça as ferramentas para que ele consiga construir um golpe melhor e mais sólido.
  4. Momento apropriado – Às vezes, falar com o jogador depois de uma derrota sofrida, como 7/6 no terceiro set, não é a melhor saída. Espere, veja como ele vai reagir, deixe a adrenalina baixar e, assim, discuta soluções.
  5. Reação – Como melhorar um golpe sem confiança?
    A) Com repetição: faça-o bater quantas direitas, saques, esquerdas, voleios forem necessários para que o fundamento flua automaticamente.
    B) Com variação: se o atleta fizer o mesmo exercício, o corpo e a mente já não vão mais responder. Tire-o da zona de conforto. Devemos alterar o volume para que ele consiga aprender a lidar com diferentes situações.
  6. Vivendo e aprendendo – Mesmo que seja apenas um treino, o jogador deve estar focado em todos os momentos. Exija isso dele. Se ele está jogando a bola curta, no “T”, motive-o a aprofundar mais a bola. Vá até ele, se for preciso, para dar uma carga de incentivo. Nunca creia que ele, por mais maduro que seja, saiba de tudo. É preciso fornecer as instruções certas ao longo do tempo.
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