O Brasil Open viu uma das últimas atuações de Fernando Gonzalez, um dos tenistas mais carismáticos do circuito
Matheus Martins Fontes em 29 de Fevereiro de 2012 às 07:19
EM MARÇO DE 1998, um discreto país da América do Sul ousou barrar a hegemonia quase que completa dos Estados Unidos no topo do ranking da ATP. O chileno Marcelo Rios quebrava cinco anos ininterruptos de domínio por parte de Pete Sampras e se tornou o primeiro sul-americano a alcançar o posto de número um do mundo.
Apenas duas semanas antes, um jovem de 17 anos, de nome Fernando, havia brilhado nas quadras do Esporte Clube Pinheiros ao vencer a principal categoria do Banana Bowl. O menino, proveniente do bairro de La Reina, em Santiago, tentava seguir os passos do compatriota e despontava como a nova promessa do tênis do Chile justamente em São Paulo, palco de seu adeus ao público brasileiro 14 anos mais tarde.
Prejudicado por várias lesões nos últimos anos, que culminaram em uma cirurgia no quadril em 2010, Gonzalez declarou no início de fevereiro o que muitos já aguardavam - a derrota derradeira para os limites do corpo. "Não tenho a disposição para continuar gastando energia para voltar ao nível de competitividade que desejo. Por isso, prefiro não continuar. Foram meses muito duros para mim, nos quais me dei conta que não tenho mais a energia que preciso para onde quero estar", explicou o tenista.
Após ser eliminado logo na segunda rodada do caseiro ATP de Viña del Mar, torneio em que triunfou em quatro oportunidades, "Feña" (como ficou conhecido no circuito) avisou que disputaria seus três últimos compromissos antes de pendurar a raquete - São Paulo, Buenos Aires e o Masters 1000 de Miami. Dentre tantos, é compreensível imaginar o porquê de a capital paulista, que pela primeira vez sediou o Brasil Open, estar nas opções do tenista.
"Foi uma época muito linda da minha vida. Lembro que fui campeão sul-americano de 16 e 18 anos em São Paulo. Joguei por três vezes o Banana Bowl, que, nessa época, tinha o mesmo status de um Grand Slam juvenil. A primeira vez que vim, perdi a final (1997) e, no segundo ano, fui campeão. Vencer esse torneio foi importante porque deu um passo decisivo em minha carreira. Depois, ganhei Roland Garros e outros grandes torneios", afirmou o chileno.
Além disso, o jogador de 31 anos também destacou a afinidade da metrópole brasileira com o esporte e a grande relação que manteve com os grandes nomes do tênis brasileiro, entre eles, Guga e Fernando Meligeni. "São Paulo é uma cidade que gosta muito de tênis e é um lugar onde é possível reunir vários jogadores latino-americanos. Os brasileiros estão sempre alegres, aqui tenho bons amigos como Guga, André Sá, Meligeni e outros. São pessoas que estão sempre de alto astral apesar de estarem disputando um circuito tão estressante", revelou Gonzalez.
"Joguei por três vezes o Banana Bowl. Vencer esse torneio foi importante porque deu um passo decisivo em minha carreira"
Em quase uma década e meia como profissional, "Gonzo" dividiu terreno com talentos de uma safra promissora que ele mesmo já avistava em seus tempos no juvenil. "Vivi em uma geração muito difícil com David Nalbandian, Roger Federer, Guillermo Coria", citou o chileno, que classificou Federer como o melhor de todos os tempos. "Ele é um jogador que faz de tudo em quadra e destaco também a força mental de Rafael Nadal. Os dois são grandes jogadores, mas, para mim, Federer é o melhor jogador da história", analisou.
O suíço foi o carrasco do tenista de Santiago em sua principal campanha entre os quatro maiores torneios do calendário - no Aberto da Austrália, em 2007, após passar com autoridade por Lleyton Hewitt, Rafael Nadal e Tommy Haas (jogo que classificou como o melhor de sua carreira). Naquela final contra Federer, Feña teve chances de vencer o primeiro set, porém terminou com o vice-campeonato, mesmo destino de Rios nove temporadas antes.
Mas o que marcou, sem dúvida, a carreira de Gonzalez foi o espírito e a garra em competições por equipes. Se na Copa Davis o tenista não conseguiu levar a nação ao título, o sucesso apareceu em meio ao maior evento esportivo do planeta - as Olimpíadas. Antes de 2004, o Chile nunca havia conquistado uma medalha de ouro em qualquer modalidade. Então, nada melhor do que fazer história em Atenas, cidade que introduziu a era dos Jogos da Idade Moderna.
Na Grécia, Feña e o companheiro Nicolas Massú surpreenderam - nas simples, "Nico" levou o ouro, enquanto Gonzalez abocanhou o bronze. E mesmo com uma lesão no tornozelo, Gonzo retornou à quadra no sacrifício para formar a parceria dourada com Massú. Na final, os dois levaram a melhor sobre a Alemanha com direito a 16 a 14 no set decisivo.
Quatro anos depois, Massú já não ocupava o mesmo status dos Jogos Olímpicos anteriores e a tentativa do bi nas simples acabou logo na segunda fase. Assim, Gonzalez caminhou rumo à glória na China - nas semifinais, teve pela frente Rafael Nadal no melhor momento da carreira do espanhol. A fase espetacular do "Touro" foi demais para o chileno, que voltou com a medalha de prata. No entanto, ele se tornou um dos quatro na história a obter três diferentes medalhas olímpicas.
"É preciso saber o momento exato de quando bater (o forehand) e usar bem todo o corpo"
Irreverente nas entrevistas, polêmico em seu jeito de quebrar raquetes, curioso na dieta inusitada de abacate na infância. Fernando Gonzalez, contudo, deixa como seu grande legado um dos maiores forehands de todos os tempos. Com um amplo movimento, característica da maioria dos atletas que cresceram sobre quadras de saibro, Feña impressionou com a potência e agressividade (por muitas vezes desproporcional) de sua direita em qualquer tipo de piso. Segredo? O próprio "Bombardero de La Reina" admitiu que o dom veio à custa de muito treino.
"É algo natural, mas sempre trabalhei muito nesse golpe. Pegar bem na bola não é só o braço, é preciso saber o momento exato de quando bater e usar bem todo o corpo, é o mais importante", orientou o jogador, que não descartou passar seus conhecimentos aos mais jovens.
"Acho que ser capitão (da Davis) é um desejo para qualquer ex-jogador, mas é prematuro para mim. Agora quero me dedicar a coisas para as quais nunca tive tempo. Adoro o tênis, mas não estou pensando em nada nesse momento. Preciso de tempo para mim, para pensar bem e saber o que vou fazer no futuro", finalizou.
A derrota frente ao russo Igor Andreev no Ibirapuera pouco acrescenta na carreira de Feña. Poderia ser vista como um dos últimos suspiros do tenista no esporte que o consagrou. Ou mesmo um fim trágico para quem queria jogar por muitos anos após ultrapassar a barreira dos 30. Na feliz conclusão do jornalista argentino Jorge Viale, a despedida de Gonzalez deixa sensações distintas e, ao mesmo tempo, ambíguas em quadra. "Que isso termine. Ou que não termine nunca mais!"
RAIO-XNOME: Fernando Francisco Gonzalez Ciuffardi |
Com a colaboração de Patricio de La Barra