Treinar ou jogar?

Só treinar não melhora o seu jogo. Só jogar, também não. Saiba como unir as duas coisas e realmente progredir

Por Suzana Silva em 27 de Outubro de 2014 às 00:00

Treinar, no vocabulário esportivo, significa praticar uma habilidade já aprendida de modo que sua execução fique limpa, eficiente e automática. Treinar envolve repetição, cansaço, e pode envolver, inclusive, dor física ou psíquica.

Jogar faz parte do vocabulário recreativo e do lazer, e significa relacionar-se com pessoas sob regras definidas e acordadas por todos. No caso do tênis, o jogo tem uma ou duas pessoas de cada lado, como o objetivo de passar mais bolas para o outro lado do que os adversários e vencer. Jogar pode também envolver dor física ou psíquica, principalmente no alto rendimento.

Para nós, simples mortais, o jogo é muito mais prazer (com um pouquinho de dor por falta de preparo físico) do que qualquer outra coisa.

No dia a dia, há tenistas de vários tipos. Há aqueles que adoram treinar, fazer todos os exercícios propostos, suar, mas que não entram em torneios nem por decreto. Esses alunos experimentam o prazer de simplesmente bater firme na bola, descarregar tensões e desintoxicar o organismo. Batem bonito, orgulham-se de seus golpes, mas, se fossem jogar... Será que seriam eficientes?

Há ainda aqueles alunos fechados a qualquer tipo de mudança em seus golpes, pois são tão competitivos, mas tão competitivos, que a simples ideia de perder um jogo para o amigo do clube devido à nova empunhadura do saque lhe causa calafrios. Não fazem aulas porque gostam mais é de jogar – e as vitórias para os mesmos amigos de sempre os realiza e dá boas conversas e gozações nos vestiários. Será que esses tenistas evoluem?

Treino é treino, jogo é jogo

Como professora, sou uma pessoa de sorte, pois tenho a possibilidade de treinar um pouco enquanto dou minhas aulas, ao mesmo tempo que posso fazer um jogo “valendo” de vez em quando com meus amigos. Treino é treino. Adoro treinar e repetir golpes, mas, se não fizesse meus joguinhos, não teria graça alguma.

Por outro lado, jogo é jogo. Quando não jogamos, deixamos de desenvolver as qualidades emocionais que devemos ter durante erros de marcação de bola em pontos importantes, durante as trocas de bola com “balões” intermináveis e em match-points nos quais erramos voleios por um milímetro, só para citar alguns exemplos.

O treino envolve repetições de golpes e de jogadas para alvos específicos da quadra, de modo que, ao receber uma bola específica, o corpo do jogador possa disparar a melhor bola que puder para aquela situação.

O treino leva à confiança, que vem das mil bolas rebatidas com o ponto de contato à frente do corpo, com o pé da frente fincado no chão e o corpo perfeitamente equilibrado.

O treino leva à confiança, que vem dos alvos derrubados pelo menos 10 vezes num treino de saque com cones, debaixo de sol escaldante depois que todos os seus amigos já foram para casa.

O treino leva à ousadia para subir à rede atrás do saque, mesmo que essa não seja a sua característica, pelo simples fato de que você repetiu tanto essa jogada que, na hora “H”, ela aparece como uma “carta na manga” para surpreender o adversário.

O processo da repetição gera uma espécie de memória muscular, que é extremamente importante no jogo de tênis

Dentro do nosso corpo, o processo da repetição gera uma espécie de memória muscular. Cada bola que golpeamos envolve um estímulo – o tipo de bola que vem, por exemplo, alta, baixa, com slice ou topspin, rápida ou lenta etc – que gera um tipo de resposta do nosso corpo – uma preparação longa ou curta, alta ou baixa, um ponto de contato perto do ombro ou do quadril etc.

Essa memória muscular é importante porque o jogo de tênis é extremamente variado (nenhuma bola vem do mesmo jeito) e acontece numa velocidade que não permite ao jogador pensar “prepare rápido”, ou “flexione os joelhos”, ou qualquer outro tipo de comando sobre o movimento corporal para produzir o golpe desejado. É “pá pum”: sem pensar os movimentos dos golpes são desencadeados pelo estímulo-bola, justamente devido às repetições exaustivas durante os treinamentos.

Então, para subir de patamar, a tenista precisa repetir-repetir-repetir-repetir o golpe ou jogada que deseja acrescentar ao seu arsenal, de modo que, na hora do jogo, tudo aconteça de maneira natural e automática. Isso também é necessário para um tenista aumentar a potência de seus golpes: precisará repetir-repetir-repetir-repetir rebatidas com bolas cada vez mais rápidas vindas do outro lado.

Rato de treino

Todo mundo já viu o espécime “rato de treino”, o cara que faz aula aqui, faz treino ali, executa pelo menos 100 bolas cruzadas de forehand em todas as sessões, mas que chega na partida... No primeiro balão ou slice que recebe, já se apavora todo, sai do jogo e depois ainda fica dando desculpa, dizendo que perdeu porque o adversário não deu ritmo. Ou então você já encontrou por aí aquela tenista que estava indo razoavelmente bem na partida, mas que saiu completamente do controle porque a adversária caiu na quadra e fez um pouco de cera. Por aqui, já concluímos também que apenas treinar, trocar bolas e realizar drills não é suficiente para aprender a jogar.

O pulo do gato é o seguinte: nos seus treinos, você deve incluir jogos. Além dos drills, jogue pontos, games, sets inteiros, para treinar também os aspectos emocionais, praticar seus rituais entre os pontos, praticar as viradas com descanso e tomadas de decisões táticas, enfim, tudo aquilo que envolve esse jogo tão completo que é o tênis. Ainda assim, realizar jogos-treino não substitui a experiência do jogo real, “valendo”.

Portanto, vale a pena, para melhorar de verdade, além de treinar, inscrever-se no maior número de campeonatos que puder. Escolha torneios adequados ao seu nível técnico, começando pelos internos e rankings do seu clube ou academia, partindo logo que possível para os intercâmbios com outras escolas ou clubes, ligas regionais e torneios federados. Nos torneios “valendo”, tudo o que você praticou será realmente posto à prova, contabilizando suas horas de voo. E, aí sim, você viverá a experiência plena de todas as emoções, peripécias, reviravoltas e aventuras que esse jogo fascinante tem para lhe oferecer.

Dicas para melhorar nos treinos e nos jogos

Treinos

1 - Os drills podem ser de três tipos:

“Bola morta”: o professor solta uma sequência de bolas para o aluno acertar alvos específicos na quadra, com o objetivo de aprimorar a técnica ou de enfatizar um padrão tático;

“Bola viva”: professor e aluno, ou dois atletas, trocam bolas procurando acertar uma quantidade específica, com o objetivo de melhorar a técnica e a consistência de algum golpe;

Misto: o exercício começa com uma sequência específica de bolas lançadas pelo professor ou com uma sequência de trocas entre dois tenistas e, depois que esta sequência inicial é feita, disputa-se o ponto valendo qualquer jogada. Neste tipo de exercício, o tenista pode avaliar a eficiência de uma jogada ensaiada e depois tomar as decisões táticas que as bolas imprevisíveis trarão na sequência.

2 - Todos os drills funcionarão melhor se tiverem objetivos bem claros e quantificados. Por exemplo, ao praticar consistência, estabeleça o golpe a ser trabalhado e a quantidade de bolas (20 trocas cruzadas fundas de forehand, por exemplo). Outro exemplo: ao praticar um drill de golpe de aproximação, coloque os alvos na quadra e só pare de praticar depois de acertar a área-alvo no mínimo quatro vezes.

JOGOS

1 - É muito importante incluir jogos nos seus treinos. A proporção de drills e jogos mudam conforme a periodização: na pré-temporada, a ênfase é colocada nos drills, para que o atleta ganhe mais recursos, aprimore o que não vai bem e adquira mais confiança. Conforme os torneios vão se aproximando, o treinador programa um volume maior de pontos jogados, tiebreaks, sets, para preparar o atleta para as partidas que virão. Durante uma competição, o volume de treino como um todo diminui e o atleta  realiza apenas alguns drills para aumentar sua confiança, direcionados ao golpe ou jogada que trará maiores chances de sucesso com cada adversário. Durante os torneios ou logo antes deles, também é importante enfatizar o saque e a resposta de saque, pois são os golpes que abrem o ponto.

2 - Nos jogos-treino, dê sempre 100% e tenha um objetivo claro em mente. Pode ser que seu treinador peça para você cruzar todas as respostas de saque, ou para subir à rede na primeira oportunidade. Pode ser que o objetivo seja não se recriminar em nenhum ponto perdido. Pode ser que a meta seja utilizar com inteligência o tempo entre os pontos e nas viradas de lado. Foco nele.

TORNEIOS

1 - É imprescindível participar de competições caso você queira ser um tenista completo.

2 - Procure torneios adequados ao seu nível de habilidade. A recomendação da ITF (Federação Internacional de Tênis) é que você seja capaz de vencer pelo menos dois jogos antes de perder. Se estiver entrando em torneios federados e sempre perdendo na primeira rodada, participe um pouco mais dos torneios internos de sua academia ou clube.

3.  Planeje algo que possa ser divertido para seus amigos ou sua família: o torneio pode ser uma oportunidade para vocês conhecerem outras cidades, estados ou outros bairros do seu município. Unir o útil ao agradável torna possível para você participar de torneios e se divertir cada vez mais.

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