Transição

Com o começo da temporada de quadras rápidas, a Revista TÊNIS mostra como você pode ter uma adaptação eficiente do saibro para as superfícies mais velozes

Por Matheus Martins Fontes em 5 de Julho de 2014 às 00:00

Mesmo tenistas profissionais precisam fazer ajustes em seu jogo para poderem se adaptar às condições que se apresentam em superfícies distintas

NÃO FAZ TANTO TEMPO ASSIM, havia uma grande dicotomia no circuito profissional. Vários tenistas se destacavam em uma mesma temporada, ora aclamados num período do ano, ora dando espaço a outros quando mudava-se o piso da quadra. No começo dos anos 2000, Gustavo Kuerten era “rei” no saibro, mas, junto a ele, havia uma enorme esquadra espanhola com Carlos Moyá, Juan Carlos Ferrero, Alex Corretja, além dos argentinos e outros especialistas, que dominavam essa etapa do calendário.

Guga e Cia, todavia, perdiam força quando os torneios deixavam a terra batida e se dirigiam à turnê pelo piso rápido. Nessas condições, o brasileiro e a legião dos “saibristas” tentavam acompanhar o ritmo de Pete Sampras, André Agassi, Patrick Rafter, Goran Ivanisevic, entre outros experts nos pisos mais velozes.

Hoje em dia, o circuito parece muito mais homogêneo, muito devido à Federação Internacional de Tênis (ITF) ter reduzido a velocidade dos pisos e, de certa forma, padronizado as superfícies, antes, antagônicas. E também pela maior importância ao preparo físico dos atletas, que escorregam em pleno cimento como se estivessem na terra batida.

Ver Rafael Nadal, por exemplo, triunfar em Roland Garros e deslizar com maestria na quadra dura do US Open passa a imagem de que a transição entre superfícies não demanda tanto esforço. Ledo engano. Até o “Touro” precisou de ajustes no seu arsenal para se tornar tão bom em diferentes pisos. E se não é algo simples para quem vive disso, certamente não é fácil também para você, apaixonado, que tem compromisso em duas quadras diferentes no final de semana. Por isso, a Revista TÊNIS aproveita a chegada da gira de torneios pelas quadras duras para ajudá-lo a fazer uma transição eficiente do piso mais lento para os velozes, partindo de exemplos dos próprios profissionais no circuito.

Superfícies

De maneira geral, o tenista tem à sua disposição três superfícies para jogar: o saibro (vermelho ou verde) descoberto ou indoor – as condições mais lentas do jogo –, o piso rápido, com as superfícies sintéticas asfálticas, acrílicas, emborrachadas, podendo ser ou não cobertas, e a grama, a mais veloz das superfícies no esporte. A alteração de piso interfere em dois aspectos fundamentais: o quique da bola e a movimentação e criação de apoios dos atletas. A partir desses pontos, há uma ideia do que o tenista vai ter que incorporar ou não para ser eficiente em cada superfície.

Táticas do jogo no saibro são diferentes das usadas na quadra dura. Na terra também é preciso mais paciência para definir os pontos

Entendendo o jogo no saibro

Na terra batida, observamos que o pó de tijolo auxilia na frenagem da bola, fazendo com que ela ganhe bastante altura após o contato com o solo. Em contrapartida, há o fator da irregularidade dessa superfície e o desvio pode comprometer a trajetória natural da bola, dificultando assim a melhor preparação do corpo (posição dos pés, quadril, tronco, ombro etc) para o golpe.

Podemos afirmar que, em quadras mais lentas, o jogador sempre necessita de atenção quanto à amplitude e terminação (follow-through) do golpe. É normal, com swings mais longos e com muito efeito topspin, que as bolas passem mais altas sobre a rede (entre dois a três palmos maior em comparação com o piso duro). Nessas condições, é necessário que o atleta gere mais força na sua alavanca, ou seja, precisa ter uma maior abertura das pernas para garantir o equilíbrio e sair do chão para gerar potência na bola, que costuma ser interceptada numa altura superior à da linha da cintura.

O saibro traz baixa resistência aos apoios dos pés e, por isso, muitos jogadores escorregam quando tentam frenar seu movimento. A habilidade de frear o corpo deslizando, típica de Rafael Nadal e dos espanhóis, é tarefa que requer muito treinamento para sincronizar a movimentação e o impulso. Esses jogadores, geralmente atletas mais rápidos e leves, aproveitam a camada de pó de tijolo para deslizarem ao invés de dar aquele passo mais comprido, facilitando a desaceleração do corpo a fim de se posicionarem adequadamente para o golpe.

É claro que devemos respeitar a individualidade de cada tenista (onde gosta de devolver, o estilo de jogo etc), mas a maioria dos “saibristas” costuma se posicionar um pouco mais atrás da linha de base para receber o saque. Como a distância para o rival é maior, o devolvedor tem mais tempo para armar o golpe. As bolas geralmente saem recheadas de spin e visam empurrar o adversário para trás de forma que o devolvedor consiga abrir os ângulos da quadra e comandar o ponto a partir dali.

E por mais que seja difícil vermos a definição já na primeira bola, o saque não deixa de ter sua real importância na construção dos pontos no piso lento. É válido jogar com porcentagem de primeiro saque para que o rival não se sinta cômodo já nas devoluções. Uma boa e segura opção de saque é o quique, que tira o adversário do centro e abre toda a quadra para atacar o lado oposto.

Uma tática comum dos espanhóis, argentinos, brasileiros e demais “saibristas” na devolução é fugirem do backhand para baterem de forehand. Poderosa arma de Guga, a deixadinha também ganha seu valor no saibro. Portanto, se estiver dentro da quadra (próximo à linha de saque) e perceber que empurrou o oponente bem para trás da linha de fundo, surpreenda-o com um dropshot bem sutil.


Saber deslizar sobre o saibro é uma habilidade  que deve ser treinada por quem não está acostumado a jogar sobre essa superfície

Poder mental da estratégia

No piso lento, o jogo de tênis passa a ser mais cadenciado e planejado do que nos rápidos, pois o atleta precisa trabalhar mais o ponto para encontrar a bola ideal ao ataque. Por isso, notamos longas trocas de bola em quadras de saibro, e raramente um ponto é definido a partir do saque ou da primeira bola.

Assim sendo, você deve compreender que o jogo nessas condições requer mais raciocínio e estudo. O atleta precisa estar pronto para suportar um desgaste mental maior, pois os pontos são mais disputados e os jogos tendem a se alongar mais do que nas superfícies velozes. O jogo no saibro muda bastante, o que é notado com o elevado número de quebras nas partidas e, com isso, é necessário um maior equilíbrio interno para fazer a leitura eficiente da partida.

É normal que o adversário tenha mais brechas para voltar ao jogo no saibro, porém você pode manter-se à frente no lado psicológico, no sentido de entender o que está funcionando ou não em seu arsenal e ter a tranquilidade para fazer os ajustes, e no aspecto técnico, com jogadas que são extremamente eficientes nessa superfície.

Tênis para cada piso?

Hoje em dia, os solados dos calçados próprios para jogar tênis estão bem evoluídos e as marcas desenvolvem muitas tecnologias para auxiliarem o jogador em quadra com novas composições e “desenhos” que combinam leveza, resistência, tração, conforto, estabilidade e amortecimento.

Os calçados voltados para o saibro costumam priorizar “sulcos” maiores nas solas, com desenhos que lembram “espinhas de peixe” para que a terra consiga escoar melhor no instante em que jogador desliza para bater um golpe. Esse tipo de tênis geralmente possui ponto de giro (círculo com ranhuras localizado na frente da sola) que ajuda na rotação do corpo, além de ser produzido para proporcionar mais aderência ao saibro. Para quem joga de duas a três vezes por semana no saibro, por ser uma superfície menos abrasiva, os calçados devem durar, em média, de seis a nove meses.

Já nos calçados voltados pra a quadra rápida, os solados são mais macios, com pontos de ventilação para os pés e a capacidade de absorver o impacto. O tênis com amortecedor para o calcanhar é uma boa opção, sem ser muito alto como os de running. Além disso, deverá ser feito de couro para proteger os pés do atrito nas freadas e arranques junto ao piso duro. Nesse tipo de piso, os modelos duram, em média, de quatro a seis meses.

Há também os calçados que chamamos de “All Court” (qualquer superfície) que combinam desenhos tanto das quadras rápidas como das de saibro. São modelos bem interessantes, pois dão ao tenista a opção de jogar, com um único calçado, tanto em saibro quanto em quadra rápida.

Ao passar para a quadra rápida, é preciso fazer ajustes na movimentação, com passos mais curtos para estar sempre bem preparado para os golpes

Transição para o piso rápido

O próprio calendário estipula um intervalo da gira do saibro para a temporada de quadras rápidas da América do Norte, que se inicia nesta época do ano. E mesmo que haja a curta “aventura” na grama de Wimbledon pelo caminho, o segundo semestre, quase que majoritariamente, reserva os maiores torneios sobre o piso duro. Por isso, os jogadores também necessitam de treino para se adaptarem às características dessa superfície. Então, vamos conhecê-las mais a fundo e delimitar uma comparação com o que muda na preparação para as quadras de saibro.

Entendendo as quadras rápidas

Nas quadras rápidas, a redução na velocidade vertical gera uma bola mais baixa do que no saibro, porém sem sofrer mudanças de trajetória e altura (o quique é regular). Tal característica fornece uma boa margem de segurança para o jogador, que tem mais facilidade para identificar a distância certa a fim de disparar os golpes com equilíbrio.

Os swings longos podem causar atrasos consideráveis nesse tipo de quadra, portanto golpes retos na linha da cintura são mais eficientes do que os cheios de spin.

A grama é o mais rápido e irregular dos pisos, por isso vale a pena investir no jogo de rede

É um mito dizer que jogadores necessitam mudar a amplitude do golpe, porque isso, de fato, não acontece. Quem tem um movimento mais comprido da cabeça da raquete não precisa alterá-lo de uma hora para outra. O que muda, evidentemente, é a sincronia do fundamento. O segredo é adiantar o swing, ou seja, “armar” mais cedo o golpe. A partir do momento em que a bola sai da raquete do rival, o jogador deve preparar o movimento para que, assim que a bola quicar, já esteja equilibrado para a batida. Peguemos como exemplo Nadal e Novak Djokovic, dois tenistas que apresentam movimentos longos (além de empunhaduras acentuadas). Eles não obtêm sucesso nos pisos mais velozes por mudarem o swing, mas compensam pela aceleração do movimento das pernas. Esse é outro diferencial para maximizarem o impacto da bola.

No piso rápido, o atleta precisa chegar próximo da bola, na distância correta, frear os pés no solo e ter equilíbrio para despachar o golpe. Por isso é tão necessário hoje em dia uma boa preparação física para se adaptar às superfícies mais velozes. Aqui não há a ação de “deslizar”, característica marcante da terra batida. São poucos os jogadores, como acontece com Djokovic, que deslizam sobre o piso duro, mas essa é uma prática perigosíssima e basta um pequeno erro para resultar em torções (pé, tornozelo, joelho), bem como o impacto que se produz nas suas articulações.

No entanto, mesmo que na quadra dura não seja adequada a ação de escorregar, a maior percepção de distância do atleta lhe permite executar os “passinhos de ajuste”, fundamentais para ter uma base mais eficaz para o golpe. E, exatamente, o passo mais curto ajudará na volta do atleta ao saibro, pois auxiliará na coordenação das passadas também na terra batida.

Curiosidades da grama

Após o término de Roland Garros, o calendário do tênis dá início à curtíssima temporada de grama visando o torneio de Wimbledon. Apesar de Maria Esther Bueno ter reinado no All England Club nas décadas de 1950 e 1960, e recentemente vermos Marcelo Melo e Bruno Soares em finais de duplas e duplas mistas, o gramado nunca foi uma especialidade dos brasileiros, começando pelo fato de não haver muitas quadras desse tipo à disposição por aqui. As pouquíssimas que existem são particulares e o custo para a construção e manutenção é altíssimo. Mas, ainda que não estejamos acostumados a jogar na grama, é necessário conhecermos as particularidades desse piso traiçoeiro.

Em primeiro lugar, precisa-se de um tênis especial, mais granulado e com cravos, diferentemente do que acontece no saibro e na quadra rápida, em que, hoje em dia, pode haver o mesmo modelo para ambos os pisos.

A segunda característica é o quique da bola, extremamente baixo e que obriga o jogador a flexionar bastante os joelhos. Em terceiro lugar, há poucos eventos no circuito sobre esse piso. E, em um curto espaço de tempo, o atleta deve realizar os ajustes necessários para se acostumar com o quique, a velocidade e a altura da bola. Isso sem contar que, conforme joga-se na grama, ela vai ficando gasta, aparecendo imperfeições que também desviam a trajetória da bola. Por isso, uma tática que remonta aos primórdios do tênis é buscar a rede o quanto antes. Dessa maneira, você dá menos tempo de reação para o rival e também evita que a grama lhe atrapalhe com quiques irregulares, principalmente no fundo.

Swings compridos, por conseguinte, não são recomendados nessas condições, pois, como a bola quica e “espirra”, o jogador precisa armar mais cedo o golpe para não atrasar. Tenistas que possuem movimentos curtos, que usam bem a força do sacador, levam vantagem nessa superfície. O mesmo princípio acontece também para o slice, que mantém a bola rasante e é uma ótima opção de approach à rede. O uso de contrapés, pela dificuldade de equilíbrio no piso, também não pode ser ofuscado. E, é claro, o saque tem um peso enorme na grama, pois possibilita a definição do ponto em poucas bolas. O tipo chapado no centro é bastante eficiente, além do serviço no corpo do devolvedor, pois oferece menos tempo de reação para o oponente.

Ao mudar de piso, alongue as trocas de bola para poder sentir melhor como sua bola se comporta sobre a superfície

Vamos às armas!

Quando se saca em um piso duro, deve-se ter um cuidado especial na recuperação mais rápida após o fundamento, já que, como foi explicado anteriormente, da mesma forma que viaja de forma rápida, a bola pode retornar mais veloz dependendo da preparação do rival. Os saques com slice e flat serão muito eficientes nessa quadra. As táticas de se sacar abrindo a quadra também ganham força, pois é mais fácil aproveitar os espaços vazios para finalizar o ponto nas próximas bolas. Porém, como muitos devolvedores entram na quadra já para dispararem a devolução, o saque no corpo é primordial no quesito surpresa.

O posicionamento diante do serviço também é diferente do apresentado nos pisos mais lentos. É normal que o devolvedor se posicione mais à frente, perto da linha de base, de forma a interceptar a bola movimentando-se na diagonal, pegando na subida, principalmente no segundo saque. O objetivo é anular a vantagem do sacador, pois, quanto mais próximo da linha o devolvedor estiver, mais rápida a bola vai voltar para o outro lado. De quebra, isso exige mais atenção, porque o tempo de reação será bem menor.

As bolas nas paralelas têm maior efeito, pois machucam o adversário e fazem com que você comande as ações e encaminhe a definição do ponto em poucas bolas. É essa a diferença principal de postura do piso rápido para o saibro, já que a quadra dura lhe “intima” a ser mais decisivo, enquanto que no saibro o atleta acaba muitas vezes “incutido” de ser mais passivo.

Transição sem buracos

Apontado tudo isso, quando for trocar de piso, procure trocar bastantes bolas, mudar as direções, batendo cruzadas e paralelas, para sentir a velocidade da quadra e a forma como ela se comporta com os diferentes efeitos do seu jogo.

Se sair do saibro para o piso rápido, o mais correto é tentar se adaptar à quadra nos dois primeiros dias, com foco na movimentação na diagonal, de forma a entrar mais na quadra, com passos mais curtos (que dão suporte ao golpe). E, principalmente, trabalhe a devolução. Pois, como você tem total controle no saque, a devolução se tornou fundamental nas quadras mais rápidas, especialmente pela uniformização dos pisos. Portanto, treine devoluções para sentir o tempo de reação a partir do saque do adversário e da consequente velocidade da superfície. Ao invés das bolas mais altas com spin, ajuste seu swing, encurte o movimento e tente jogar um pouco mais flat, passando a bola mais rente à rede.

E abuse do slice. Veja como Nadal melhorou bastante esse fundamento nos últimos anos. Não é à toa que já venceu todos os Grand Slams, incluindo em pisos mais rápidos. Esse fundamento tem uma tremenda eficácia no piso duro, porque o efeito para trás (backspin) evita que a bola suba muito após o quique, forçando o rival a se desdobrar para tirar a bola lá de baixo. Essa é uma ótima bola para variar o ritmo de jogo. E logicamente serve como approach para se chegar à rede, seja com aquele slice mais curto e cruzado ou o mais profundo, que empurra o adversário alguns metros para trás da linha de base.

Colaboraram com as informações deste artigo os jogadores André Sá, Bruno Soares e Marcelo Melo, os técnicos Edvaldo Oliveira, Elson Longo, João Zwetsch, Luis Peniza, Marcos Daniel e Ricardo Acioly, o preparador físico Eduardo Faria, o fisioterapeuta Ricardo Takahashi e Igor Franulovic, gerente comercial da Wilson.
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