A cultura de um país influencia no estilo de jogo de seus tenistas?
Por Suzana Silva em 9 de Junho de 2014 às 00:00
DISCIPLINA TÁTICA, INTELIGÊNCIA, força mental e, principalmente, coragem. São com esses atributos que o japonês Kei Nishikori vai ganhando jogos e fãs. E vale a pena refletir sobre até que ponto a cultura de um país influencia no estilo de um jogador.
Nishikori vem de um país pequeno, de cultura milenar. Samurais, cerimônias de chá e ikebanas são ícones culturais japoneses que nos remetem a valores importantes como respeito, disciplina, paciência, trabalho duro, coletividade e, sobretudo, coragem.
Ele é um jogador relativamente baixo para a média dos tenistas, com “apenas” 1,78 m de altura (Rafael Nadal e Roger Federer têm 1,85 m; Novak Djokovic, 1,88 m; Juan Martin del Potro, 1,98 m; Andy Murray, 1,90 m), mas isso não impede que dispare saques indefensáveis no piso de saibro. Com muito trabalho, o tenista japonês – radicado nos Estados Unidos desde os 14 anos – desenvolveu golpes biomecanicamente perfeitos e eficientes.
Como Michael Chang – tenista norte-americano de ascendência chinesa, campeão de Roland Garros com apenas 17 anos e 110 dias, em 1989 –, seu trabalho de pés primoroso compensa a falta de envergadura e o coloca em condições de disparar tiros extremamente ofensivos dos dois lados. Aliás, na pré-temporada de 2014, Chang deu uma força aos treinamentos de Nishikori. Imaginem só dois super-trabalhadores orientais atuando juntos.
Nishikori precisou de nove match-points para fechar o jogo contra David Ferrer na semifinal do Masters 1000 de Madri, com a torcida espanhola gritando enlouquecida como numa partida de Copa Davis. O também “trabalhador” espanhol não queria entregar o osso de jeito nenhum, mas os corajosos e surpreendentes forehands e aces de Nishikori falaram mais alto. Como arremate, o japonês escreveu na tela da câmera da tevê: “Vamos”. Nem precisou gritar. Humildade japonesa.
Na final contra Nadal, todos esperavam que Nishikori, cansado do duelo do dia anterior e lutando contra uma lesão nas costas, perderia fácil. Mas, e a defesa da honra? E a superação de limites? Ele surpreendeu Rafa jogando perto da linha de fundo, disparando seus forehands agressivos, e abriu 6/2 e 4/2. Inacreditável.
O resto da história do jogo, todos já conhecem. Como treinadora, eu já teria pedido a ele que jogasse a toalha, pensando em sua carreira dali em diante. Mas os jogadores são adultos, fazem suas escolhas. E Nishikori saiu de quadra apenas quando não conseguia mais andar. Bem kamikaze: saltou para a experiência com risco de “morte”.
Será que os tenistas de outras nacionalidades também incorporam as características culturais de seus países no jeito de jogar tênis? Brinquemos de Roberto da Matta.
Os suíços são conhecidos pela limpeza, organização, educação. Roger Federer possui movimentos limpos – sem trejeitos, firulas, ações desnecessárias que fariam com que gastasse energia à toa. Aliás, os suíços são bem preocupados com o meio ambiente e com a utilização correta da energia disponível. Administração de energia é uma peculiaridade bem suíça no jogo de Federer. E a educação? Sem comentários.
Dizem que os franceses de Paris são mal-humorados. Richard Gasquet? Eles saem pouco do país nas férias, comparados aos outros europeus. Os franceses são conhecidos também pela cultura refinada e por lerem bastante. Podemos dizer que o estilo francês de jogar é bem eclético, e seus tenistas profissionais sabem jogar em todas as áreas da quadra. Os treinadores respeitam as idiossincrasias de cada tenista, sua personalidade. Por isso, temos tenistas tão esquisitos como Fabrice Santoro e Marion Bartoli que, com estilos tão particulares, conseguiram se destacar no circuito profissional.
Os espanhóis? Com a siesta tradicional – tudo fecha entre 14 e 17h –, almoçam em casa com a família, que é super importante para eles. O tio ser treinador do sobrinho, andar 24 horas e 365 dias por ano com ele, é bem espanhol. Os espanhóis são bem tradicionalistas, mantendo até hoje aspectos culturais como as touradas e a dança flamenca. Falando em touradas, lutar como um touro até sangrar é bem típico do tenista espanhol.
Ingleses? Bom humor, ousadia, criatividade. Bem, Murray não é nosso exemplo ideal de inglês. Ah! Ele é escocês. Então está explicado. Os escoceses são filhinhos da mamãe e um tanto rabugentos.
Falaremos um pouco dos russos. Vivendo em um continente gigantesco com tantas etnias, podemos dizer que, em comum, os russos são carinhosos – apesar de aparentarem dureza – e ingênuos. São sinceros e diretos em suas colocações. Viram-se bem em situações difíceis. Um toque de belicosidade e... chegamos a um estilo de tiros diretos ao alvo, sem muitas preliminares.
Os alemães são metódicos, organizados, pouco flexíveis, com procedimentos para tudo. Os tenistas alemães também aprendem a fazer de tudo na quadra de tênis, mas, por vezes, o lado muito metódico engessa a criatividade. O ex-número 1 do mundo, Boris Becker, tenista durão, teve que conviver com o treinador romeno Ion Tiriac para colocar pitadas de loucura e ousadia em seu jogo.
Os norte-americanos são práticos, objetivos, diretos e ambiciosos. Vão direto ao ponto também. Jogam, em geral, com bastante belicosidade e determinação para chegar ao número 1. Serena não está no topo contando apenas com sua enorme força física: é muita vontade, belicosidade e objetividade compactadas numa pessoa só.
Argentinos? Sentimentais e cheios de garra, lutadores. Sentimentalismo para valer é o tom de Del Potro. Guillermo Villas, ex-número 2 do mundo era também um poeta nas horas livres. Vendo Delpo jogar aquele bolão, gostaríamos que tocasse menos tango e jogasse com a faca entre os dentes como os companheiros da Seleção Argentina de Futebol.
Criativos, flexíveis, com ginga. Malemolentes, hospitaleiros, simpáticos. Pouco disciplinados, pouco trabalhadores, volúveis. Colocar todas essas características no tenista brasileiro é exercício para loucos. Guga, Rogerinho, Bellucci, Teliana, Bruno Soares, entre tantos outros tenistas profissionais brasileiros, são exemplos de trabalho e dedicação incontestáveis.
Nosso maior ídolo no esporte, Guga, era também flexível, criativo e simpático. Apesar de jogar no fundo de quadra, sabia surpreender os adversários com subidas à rede em momentos importantes. Curtinhas improváveis faziam parte de seu arsenal, assim como grand-willies (aquelas espetaculares rebatidas por baixo das pernas). Andando com malemolência, parecia que ia desmontar a qualquer momento, mas herdou de alguma maneira aquela força dos capoeiristas africanos, magrinhos, mas potentes. Sua simpatia conquistou o mundo inteiro, e é querido até hoje.
Que venham outros jogadores, de outras nacionalidades, somar seus temperos ao caldeirão cultural que o tênis proporciona. Essa diversidade faz bem para o esporte e a vida no planeta.