Terra de Nadal

Com o nono título em Roland Garros, o Touro derruba recordes centenários

Por Arnaldo Grizzo em 5 de Julho de 2014 às 00:00

Max Decugis. Poucos já ouviram esse nome, mas, até o dia 8 de junho deste ano, ele era o homem que mais havia vencido o torneio de Roland Garros na história. Numa época em que a competição francesa era reservada somente a tenistas de seu país, o talentoso Decugis levantou a taça oito vezes, em 1903, 1904, de 1907 a 1909 e de 1912 a 1914. Com o advento da I Guerra Mundial, ele não pode defender seu título nos anos seguintes – lembrando que, naquela época, o campeão do ano anterior disputava apenas a final no ano seguinte.

Paul Aymé. Este é outro nome desconhecido na história de Roland Garros, mas, até este ano era o detentor do recorde de títulos seguidos no torneio, com quatro entre 1897 e 1900, juntamente com Bjorn Borg, que, bem mais recentemente, havia vencido a competição de 1978 a 1981.

Enfim, passados 100 anos, Rafael Nadal simplesmente demoliu marcas que eram consideradas inalcançáveis e deixou para trás os resquícios de uma época ainda incipiente do tênis com o nono título de Roland Garros. E, assim, o espanhol vai reescrevendo os livros de história.

Com mais uma conquista, o Touro soma agora 14 títulos de Grand Slam, o mesmo número de Pete Sampras, apenas três a menos do que Roger Federer. E é interessante lembrar que, apesar das dúvidas sobre sua longevidade no tênis, dos últimos seis Majors disputados, ele venceu três.

Casa na terra

No entanto, mais do que perseguir o recorde de Grand Slams do suíço, Nadal parece querer provar sua invencibilidade no saibro a cada ano que passa. Desde 2005, quando jogou pela primeira vez em Roland Garros e já conquistou o título, ele perdeu apenas uma partida, em 2009, para o sueco Robin Soderling, e venceu as outras 66. “Vamos ver com quantos Grand Slams terminarei a carreira, mas, para mim, o mais importante é vencer Roland Garros”, afirmou depois de derrotar Novak Djokovic na final deste ano.

Para se ter uma ideia da dominância do Touro sobre o piso de saibro, ele tem nada menos que 45 títulos no piso, apenas um a menos que Guillermo Vilas. Ao todo, ele soma 318 vitórias na terra batida, contra meras 24 derrotas, um aproveitamento fantástico de 93%.

Para celebrar as incríveis marcas de Nadal, aproveitamos para relembrar suas trajetórias durante os nove títulos no Aberto francês, mas também destacamos outros personagens da edição deste ano do torneio.

Imbatível

Vencer Rafael Nadal em Roland Garros vai se provando ser uma tarefa hercúlea, mesmo quando acredita-se que ele não está no melhor de sua forma. Em 10 anos, ele perdeu apenas uma partida e, nos outros nove em que saiu campeão, perdeu, ao todo, apenas 16 sets. Somente dois jogadores conseguiram levar a partida ao quinto set: Novak Djokovic, em 2013, e John Isner, em 2011. Dos 205 sets que ele disputou em suas campanhas vitoriosas, em nada menos que 83 deles não deixou que seu adversário fizesse mais do que dois games, ou seja, em mais de 40% das vezes.

Campanhas vitoriosas de Nadal em Roland Garros

2005

Ainda aos 18 anos, Nadal vinha galgando posições no ranking desde o fim de 2004. Sua arrancada ao top 10 se deu na Costa do Sauípe, em 2005, quando conquistou o título e não perdeu mais nenhuma partida no saibro por dois anos. Em sua primeira campanha em Roland Garros, surpreendeu o favorito, Roger Federer, na semifinal e conteve a ansiedade para vencer o argentino Mariano Puerta na decisão.

1ª rodada Lars Burgsmuller (GER) 6/1, 7/6(4) e 6/1
2ª rodada Xavier Malisse (BEL) 6/2, 6/2 e 6/4
3ª rodada Richard Gasquet (FRA) 6/4, 6/3 e 6/2
Oitavas Sebastien Grosjean (FRA) 6/4, 3/6, 6/0 e 6/3
Quartas David Ferrer (ESP) 7/5, 6/2 e 6/0
Semi Roger Federer (SUI) 6/3, 4/6, 6/4 e 6/3
Final Mariano Puerta (ARG) 6/7(6), 6/3, 6/1 e 7/5

2006

Nadal chegou a Roland Garros em 2006 já consolidado como o segundo melhor tenista do ranking e invicto no saibro. Nos Masters Series de Roma e Monte Carlo, fez duelos épicos em finais contra Federer. Na França, o suíço começou arrasador, mas não foi capaz de manter o ritmo e sucumbiu mais uma vez.

1ª rodada Robin Soderling (SWE) 6/2, 7/5 e 6/1
2ª rodada Kevin Kim (USA) 6/2, 6/1 e 6/4
3ª rodada Paul-Henri Mathieu (FRA) 5/7, 6/4, 6/4 e 6/4
Oitavas Lleyton Hewitt (AUS) 6/2, 5/7, 6/4 e 6/2
Quartas Novak Djokovic (SRB) 6/4, 6/4 e desistência
Semi Ivan Ljubicic (CRO)  6/4, 6/2 e 7/6(7)
Final Roger Federer (SUI) 1/6, 6/1, 6/4 e 7/6(4)

2007

A rivalidade entre Nadal e Federer crescia. Dias antes do começo do Aberto da França de 2007, o suíço finalmente derrotou o espanhol no saibro, em Hamburgo. No entanto, a consistência do Touro novamente minou qualquer resistência de Federer, que ao menos conseguiu vencer um set, como havia feito nos anos anteriores.

1ª rodada Juan M. Del Potro (ARG) 7/5, 6/3 e 6/2
2ª rodada Flavio Cipolla (ITA) 6/2, 6/1 e 6/4
3ª rodada Albert Montañes (ESP) 6/1, 6/3 e 6/2
Oitavas Lleyton Hewitt (AUS) 6/3, 6/1 e 7/6(5)
Quartas Carlos Moyá (ESP)  6/4, 6/3 e 6/0
Semi Novak Djokovic (SRB) 7/5, 6/4 e 6/2
Final Roger Federer (SUI) 6/3, 4/6, 6/3 e 6/4

2008

A temporada 2008 começou um pouco errática para Nadal, mas assim que os torneios de saibro iniciaram, ele parecia disposto a, enfim, suplantar Federer no topo do ranking. Dessa forma, este foi o primeiro Roland Garros em que o espanhol não perdeu um set sequer. Na final, estraçalhou o suíço, sem piedade. Meses depois, tornar-se-ia número um do mundo. Porém, em meados de 2009, o tremendo esforço fez com que seus joelhos não aguentassem e ocorreu sua primeira e única derrota no saibro francês.

1ª rodada Thomaz Bellucci (BRA) 7/5, 6/3 e 6/1
2ª rodada Nicolas Devilder (FRA) 6/4, 6/0 e 6/1
3ªrodada Jarkko Nieminen (FIN) 6/1, 6/3 e 6/1
Oitavas Fernando Verdasco (ESP) 6/1, 6/0 e 6/2
Quartas Nicolas Almagro (ESP) 6/1, 6/1 e 6/1
Semi Novak Djokovic (SRB) 6/4, 6/2 e 7/6(3)
Final Roger Federer (SUI) 6/1, 6/3 e 6/0

2010

Em 2010, depois de uma temporada de altos e baixos, Nadal retornou triunfante, venceu os três Masters 1000 no saibro que antecedem Roland Garros e, novamente, não cedeu nenhum set em sua campanha vitoriosa na França. Retomou a liderança do ranking e ainda venceu Wimbledon e o US Open na sequência.

1ª rodada Gianni Mina (FRA) 6/2, 6/2 e 6/2
2ª rodada Horacio Zeballos (ARG) 6/2, 6/2 e 6/3
3ª rodada Lleyton Hewitt (AUS) 6/3, 6/4 e 6/3
Oitavas Thomaz Bellucci (BRA) 6/2, 7/5 e 6/4
Quartas Nicolas Almagro (ESP) 7/6(2), 7/6(3) e 6/4
Semi Jurgen Melzer (AUT) 6/2, 6/3 e 7/6(6)
Final Robin Soderling (SWE) 6/4, 6/2 e 6/4

2011

Pela primeira vez em seis anos, Nadal não era o protagonista no saibro. Novak Djokovic vinha em uma temporada mágica, sem derrotas, e tendo vencido o espanhol no seu piso predileto duas vezes antes do Aberto francês. E logo na estreia em Paris parecia que Nadal ficaria pelo caminho mais uma vez, pois, pela primeira vez, ele havia sido obrigado a lutar por cinco sets, contra John Isner. Seria um prenúncio? Nada disso, Djokovic foi surpreendido por Federer na semifinal e, na decisão, o suíço esteve inspirado, fez talvez seu melhor jogo contra Nadal, mas, ainda assim, a vitória ficou com o incansável espanhol.

1a rodada John Isner (USA) 6/4, 6/7(2), 6/7(2), 6/2 e 6/4
2ª rodada Pablo Andujar (ESP) 7/5, 6/3 e 7/6(4)
3ª rodada Antonio Veic (CRO) 6/1, 6/3 e 6/0
Oitavas Ivan Ljubicic (CRO) 7/5, 6/3 e 6/3
Quartas Robin Soderling (SWE) 6/4, 6/1 e 7/6(3)
Semi Andy Murray (GBR) 6/4, 7/5 e 6/4
Final Roger Federer (SUI) 7/5, 7/6(3), 5/7 e 6/1

2012

Apesar de um começo de ano oscilante, Nadal chegou a Roland Garros após novamente ter vencido seus principais rivais nos Masters 1000 de Monte Carlo e Roma. Sua única derrota importante ocorreu no contestado saibro azul de Madri. Roland Garros correu como o esperado e a final, enfim, foi entre Nadal e Djokovic. O sérvio lutou, mas o espanhol prevaleceu, de novo.

1ª rodada Simone Bolelli (ITA) 6/2, 6/2 e 6/1
2ª rodada Denis Istomin (UZB) 6/2, 6/2 e 6/0
3ª rodada Eduardo Schwank (ARG) 6/1, 6/3 e 6/4
Oitavas Juan Monaco (ARG) 6/2, 6/0 e 6/0
Quartas Nicolas Almagro (ESP) 7/6(4), 6/2 e 6/3
Semi David Ferrer (ESP) 6/2, 6/2 e 6/1
Final Novak Djokovic (SRB) 6/4, 6/3, 2/6 e 7/5

2013

A temporada 2013 foi mais um ano de provação para Nadal e novamente ele mostrou sua resiliência extrema. Depois de ter ficado afastado das quadras desde Wimbledon 2012, voltou à ativa no ATP de Viña del Mar, perdendo na final para Horacio Zeballos. Contudo, nos sete torneios seguintes, perdeu apenas uma partida, contra Djoko, na final de Monte Carlo. Ainda assim, provou que estava completamente recuperado, física e mentalmente em uma semifinal épica em Roland Garros contra o sérvio, que terminou em 9/7 no quinto set, depois de mais de 4h30 de partida. A final contra o freguês David Ferrer foi bem mais tranquila. Era a segunda vez que Nadal conquistava Roland Garros por quatro vezes seguidas.

1ª rodada Daniel Brands (GER) 4/6, 7/6(4), 6/4 e 6/3
2ª rodada Martin Klizan (SVK) 4/6, 6/3, 6/3 e 6/3
3ª rodada Fabio Fognini (ITA) 7/6(5), 6/4 e 6/4
Oitavas Kei Nishikori (JPN) 6/4, 6/1 e 6/3
Quartas Stan Wawrinka (SUI) 6/2, 6/3 e 6/1
Semi Novak Djokovic (SRB) 6/4, 3/6, 6/1, 6/7(3) e 9/7
Final David Ferrer (ESP) 6/3, 6/2 e 6/3

2014

Dos anos em que a supremacia de Nadal chegou questionada em Roland Garros, este talvez tenha sido um dos que mais os especialistas supuseram que, enfim, uma nova derrota poderia ocorrer. A campanha do espanhol no saibro foi uma das piores dos últimos anos, com derrotas surpreendentes para os fregueses Nicolas Almagro e David Ferrer, além de novo revés para Djoko. Mas, a verdadeira força de Nadal se prova na terra parisiense. “É muito impressionante a forma como ele joga nesta quadra”, ponderou o sérvio, novamente vice-campeão em Paris.

1ª rodada Robby Ginepri (USA) 6/0, 6/3 e 6/0
2ª rodada Dominic Thiem (AUT) 6/2, 6/2 e 6/3
3ª rodada Leonardo Mayer (ARG) 6/2, 7/5 e 6/2
Oitavas Dusan Lajovic (SRB) 6/1, 6/2 e 6/1
Quartas David Ferrer (ESP) 4/6, 6/4, 6/0 e 6/1
Semi Andy Murray (GBR) 6/3, 6/2 e 6/1
Final Novak Djokovic (SRB) 3/6, 7/5, 6/2 e 6/4

Ares parisienses

Como explicar que uma tenista que se dizia completamente inapta ao jogo no saibro é capaz de vencer Roland Garros duas vezes? “Nunca me senti confortável”, admite Maria Sharapova. No entanto, com o tempo, ela revela que aprendeu a construir os pontos e não ser tão afoita em busca de vitórias rápidas, especialmente nas primeiras rodadas. Neste ano, ela ficou a dois pontos da derrota nas oitavas e nas quartas de final, contra Samantha Stosur e a revelação Garbine Muguruza, respectivamente, e precisou lutar bravamente na final contra Simona Halep, na melhor decisão feminina em anos do torneio. Dez anos depois de ter vencido seu primeiro Grand Slam, Sharapova ainda tem tênis para mostrar.

 

Talento sem controle

Talento é o que não falta ao letão Ernests Gulbis, assim como também uma boa dose de irresponsabilidade. Ele sempre foi cotado para estar entre os tops, mas seu desleixo em relação à profissão o impediu. Bastou, porém, manter-se algum tempo focado na quadra para que ele mostrasse todo o seu potencial. Com boas vitórias sobre Roger Federer e Tomas Berdych, ele alcançou a semifinal do Aberto da França. Perdeu para Djokovic, mas a campanha lhe valeu, enfim, lugar no top 10.

 

Garota de peito

Em 2008, aos 17 anos, Simona Halep venceu a chave juvenil de Roland Garros. No entanto, a atenção sobre a romena ocorreu mais pelo fato de ter optado por uma cirurgia de redução dos seios, que, segundo ela, a atrapalhavam. Desde então, não houve muito alarde sobre a moça. No fim do ano passado, contudo, ela beirava o top 10. Com boas campanhas neste ano, logo apareceu entre as cinco primeiras. Sua campanha em Roland Garros foi impecável. Não perdeu nenhum set até a final, quando encontrou Sharapova. Aos 22 anos, ela já é terceira do ranking.

 

A volta da dancinha?

Andrea Petkovic ficou sob os holofotes do mundo em 2011, quando estava no top 10, mas, mais do que isso, comemorava suas vitórias com uma dancinha engraçada. Porém, em seguida ela passou por duas temporadas conturbadas, com lesões graves que a fizeram pensar em deixar o tênis. Agora, voltou a vencer. Seu estilo descontraído lhe levou à semifinal, quando perdeu para Halep. Vale lembrar que, no ano passado, ela sequer conseguiu entrar na chave, perdendo na segunda rodada do quali.

Brasil

Mais uma vez, as grandes campanhas brasileiras em Roland Garros foram dos juvenis e dos duplistas. Desta vez, Bruno Soares e Marcelo Melo não conseguiram ir muito longe (Melo jogou sem seu parceiro habitual, Ivan Dodig, que preferiu se poupar para as simples). Soares, porém, esteve perto de alcançar a final de duplas mistas, mas perdeu match-points ao lado de Yaroslava Shvedova. Em simples, vale ressaltar o ótimo resultado de Teliana Pereira, que venceu uma partida, tornando-se a primeira brasileira a conseguir tal feito em mais de 20 anos. Thomaz Bellucci, único brasileiro na chave, também ganhou na estreia. Mas, foi o juvenil Orlando Luz quem chegou mais longe. Ele alcançou a semifinal em simples e também em duplas, ao lado de João Menezes. E a jovem brasileira Luisa Stefani também foi semifinalista em duplas, ao lado da mexicana Renata Zarazua.

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