A hipnose é uma prática médica importante no tratamento de enfermidades e traumas psicológicos, mas também mostra-se uma ferramenta eficaz para elevar o nível nas quadras de tênis
Por Matheus Martins Fontes em 17 de Março de 2014 às 00:00
A hipnose pode ser usada para tratar diversos problemas de ordem psicológica, como ansiedade, depressão, estresse, insônia, fobias e também tem sido utilizada por atletas famosos como Tiger Woods, Michael Jordan e Ayrton Senna
É BEM COMUM VERMOS EM programas de entretenimento “mágicos” se apropriarem de um método para submeterem outras pessoas a tudo o que desejam nos palcos. E, na maioria das vezes, a imagem do pêndulo percorrendo a trajetória parabólica na mão de quem está no controle do show é o sinal definitivo para que ele transforme suas vítimas em zumbis. Infelizmente, os mais leigos ainda podem pensar que esse é o verdadeiro conceito de hipnose. Entretanto, essa técnica merece importância bem maior do que mera atração circense.
A hipnose é reconhecida há bastante tempo como uma ferramenta médica para tratamentos contra várias enfermidades (diminui efeitos colaterais da quimioterapia, é opção terapêutica contra o tabagismo, auxilia no tratamento de câncer e pode até permitir cirurgias sem anestesias em pacientes) e diversos problemas de ordem psicológica, como ansiedade, depressão, estresse, insônia, baixa autoestima e fobias.
Como não é de se surpreender, o esporte também entrou na gama de influência da hipnose. Nomes como Tiger Woods, Michael Jordan, Ayrton Senna e Mike Tyson foram (e alguns ainda são) atletas que viram na hipnoterapia a forma de potencializar a concentração, elevar a performance e, consequentemente, obter melhores resultados a partir de uma postura mais vencedora. Se atletas consagrados aprovaram o uso dessa tática mental – o time do Chicago Bulls fez uso diário da auto-hipnose na década de 1990 para conquistar a NBA por seis vezes –, os tenistas também podem recorrer às sessões nos consultórios. A Revista TÊNIS descobriu que jovens jogadores já demonstram melhora nos resultados a partir da técnica hipnótica e aprimoraram bastante o comportamento dentro de quadra.
Uma das primeiras marcas da utilização do método por hipnose remonta ao Egito antigo. No entanto, um olhar mais sério sobre o tema só começou no século XVIII, com pesquisas feitas pelo austríaco Franz Mesmer. Adiante, o escocês James Braid definiu o transe como um “estado de sono do sistema nervoso”. Foi a partir daí que cunhou o termo hipnose, que vem do grego “hypnos” (“sono”, na tradução), a deusa do sono. Braid, todavia, arrependeu-se da criação ao observar que hipnose e sono são fenômenos diferentes e, assim, adotou uma abordagem mais científica. Com isso, novos seguidores puderam dar prosseguimento aos estudos, como o francês Jean-Martin Charcot e o russo Ivan Pavlov. No século XX, coube a Sigmund Freud, o pai da psicanálise, usar o recurso primeiramente no tratamento da histeria – e relatos indicam que o médico chegou a hipnotizar seus pacientes no começo da carreira. A técnica só voltou à tona anos depois, durante as I e II Guerras Mundiais, nas quais ela era utilizada em cirurgias no lugar dos anestésicos químicos. Os feridos das batalhas eram postos em transe tanto para alívio de suas dores como para execução de operações.
Hoje, por meio de estudos e pesquisas avançadas, sabemos que a hipnose é um fenômeno neurológico que provoca modificações profundas no funcionamento do cérebro e é capaz de alterar padrões de comportamento pela atuação no inconsciente. O estado de transe hipnótico é realizado por meio do relaxamento dirigido por palavras ou toque em pontos específicos da face, entre outras técnicas. Nesse estado, há mudanças nos padrões das ondas cerebrais e várias estruturas do órgão são ativadas com maior intensidade, em especial as relacionadas à memória e às emoções.
O objetivo é atingir um nível máximo de atenção para extrair da mente o que for preciso para ajudar no tratamento, aproveitando que as condições cerebrais obtidas deixam o paciente com maior abertura para receber sugestões, facilitando o processo de entendimento e auxílio do hipniatra.
O paciente não adormece durante a sessão e não faz nada contra a sua vontade. É um processo seguro, uma vez que toda hipnose é um sistema de autossugestão, e estudos comprovam que a respiração, o tônus muscular e as pulsações são iguais aos de uma pessoa acordada.
Outro fato bem interessante é que o estado de transe hipnótico pode aparecer muitas vezes sem que o indivíduo perceba, como numa longa viagem de carro em que a pessoa parece “perdida” num olhar distante e mal se lembra depois do trajeto percorrido. É um estado de grande atenção, em que o cérebro se concentra em uma determinada ação e se desliga do resto. Mas isso nada mais é do que um mecanismo que faz parte do funcionamento do cérebro.
O jovem Rodrigo Ferreira Aguiar afirma que, quando passou a trabalhar a concentração e o equilíbrio emocional com a psicóloga e hipniatra Flávia Freitas, sua atitude em quadra melhorou
No tênis, o norte-americano Jimmy Connors foi um forte defensor da hipnose na época em que jogou profissionalmente e as técnicas, enfim, parecem chegar às novas gerações, inclusive no Brasil.
O carioca Rodrigo Ferreira Aguiar começou a jogar tênis logo aos oito anos por incentivo do pai Milton e, nas primeiras raquetadas, já se notava todo o seu potencial. Porém, ainda assim, ele parecia se perder quando as derrotas teimavam em aparecer e o aprendizado não vinha de maneira natural. “Enquanto jogava, ele ficava olhando para a quadra do lado e, quando perdia um ponto, esbravejava e não mantinha a concentração para os pontos seguintes”, lembra o pai sobre a fase pré-hipnose do filho.
Com todo o apoio vindo de casa, Rodrigo seguiu o caminho da terapia hipnótica em meados de 2013 e o saldo não poderia ser mais animador, com vários resultados expressivos a nível estadual e nacional no circuito juvenil.
O tenista de 14 anos admite que a terapia o ajudou a melhorar sua atitude e ter uma postura mais equilibrada ao longo dos jogos. “Na hipnose, trabalho a minha concentração e o equilíbrio emocional. Com isso, acabei ganhando mais confiança, foco e coragem nas quadras. Mudei minha atitude diante da perda dos pontos. No meu dia a dia, tudo isso me tornou menos ansioso”, analisa Rodrigo, hoje um dos quatro melhores cariocas na categoria 16 anos do ranking da Confederação Brasileira de Tênis (CBT).
Na sua empreitada em busca de uma solução para corrigir os pontos fracos no aspecto mental, Rodrigo procurou Flávia Freitas, psicóloga e hipniatra, que também trabalha com jogadores de futebol e lutadores de MMA na sua rotina diária. Para a especialista, os atletas de elite não conseguem mais separar a técnica do aspecto mental, principalmente no tênis, em que o circuito é dominado por Rafael Nadal e Novak Djokovic, dois verdadeiros gigantes quando o assunto é a cabeça no lugar.
As distrações mentais são as maiores vilãs para eles e podem interferir até no seu desempenho técnico. Flávia cita que há dois tipos de distrações prejudiciais ao jogador – as externas e as internas. As primeiras acontecem quando o tenista sofre interferências do ambiente de competição, como barulho, ofensas e provocações da torcida ou mesmo do adversário, e até o incômodo diante da observação dos pais e/ou treinador na arquibancada.
Já as distrações internas são aquelas em que o jogador estabelece um diálogo interno de baixa autoestima. Sentenças do tipo “Sou burro, não deveria ter errado essa jogada” ou “O jogo está perdido e meus pais vão ficar tristes”, dentre outras, atrapalham diretamente os processos automáticos de desempenho que o atleta se dedicou nos treinos.
A hipnose, nesse caso, é uma ótima opção de se chegar ao equilíbrio emocional, como vem sendo trabalhado com Rodrigo durante as sessões. “Os técnicos sabem que a maioria dos tenistas têm performances melhores quando estão calmos e seus músculos, relaxados. Ansiedade, medo, pensamentos e comportamentos negativos, muitas vezes, possuem origem no inconsciente e é nesse ponto que a hipnose entra como uma ferramenta importante no processo de terapia, porque acessa o inconsciente e muda o significado de algumas coisas para o atleta”, explica a médica.
O processo da hipnose consiste em colocar o paciente em um estado alterado de consciência através de um relaxamento físico e mental. Dessa forma, ele fica suscetível às induções hipnóticas, mas não perde o controle das suas ações. Nesse momento, o médico trabalha os principais pontos a serem aperfeiçoados no atleta, tais como medos, traumas anteriores, foco, controle da ansiedade etc.
O trabalho é customizado e realizado principalmente com a contribuição dos pais e/ou treinadores, que, por conhecerem bem os pontos fracos de seus alunos, tendem a dar boas contribuições. Os efeitos são percebidos na própria sessão e se intensificam conforme o paciente faz a auto-hipnose ou sessões de reforço.
Não há como precisar quantas sessões serão necessárias para se chegar aos resultados ideais, uma vez que cada indivíduo responde à terapia de maneira única e traz questões específicas de acordo com suas experiências nas quadras.
O trabalho de hipnose é personalizado e realizado com a contribuição de pais ou treinadores para uma maior eficácia
Mas a partir dessa linha de raciocínio, o hipniatra faz um papel próximo a de um estrategista, pois a hipnose é uma ferramenta dentro da terapia. É necessário que o médico entenda o contexto de vida do tenista nas primeiras sessões, antes mesmo de se fazer uso da hipnose, para conhecer o que permeia a sua mente durante as competições e identificar seus padrões de comportamento. Ele é o encarregado de ensinar ferramentas psicológicas que favoreçam o controle emocional do tenista durante as partidas. E todo esse processo, muitas vezes, pode definir as posições daquele atleta em um determinado torneio.