Se um grande clube atravessa uma má fase, quase sempre sobra para o treinador. E nas quadras, o que acontece?
Da redação em 2 de Fevereiro de 2017 às 15:53
Boris Becker treinou Djokovic até o fim de 2016
NO FUTEBOL, PRINCIPALMENTE O BRASILEIRO, é difícil um treinador ficar por muito tempo à frente de um time. Basicamente, a fórmula é a seguinte: se o time não vence, quem cai é o técnico. Uma eliminação no mata-mata, rebaixamento ou mesmo uma série de derrotas instalam um clima de crise e incertezas sobre o trabalho do comandante. Os torcedores já o chamam de “burro”, querem mudanças por resultados e, em muitas vezes, a diretoria atende ao clamor popular, trocando de técnico.
No tênis, em contrapartida, as relações costumam durar um pouco mais e ainda que os resultados possam não vir com tanta facilidade, jogador e treinador não cortam os laços de uma hora para outra. Às vezes, há um fator importante que sustenta a parceria até nos momentos mais complicados. O suíço Roger Federer encerrou recentemente o trabalho com o treinador Paul Annacone, após três anos e meio, em meio à má fase do momento. Mas você pode pensar – se ele está passando por um momento difícil, de que maneira ficar sozinho vai melhorar? Que perfil de treinador é o mais adequado agora? Existe um momento certo para procurar outros caminhos?
Diante de todas essas indagações, buscamos entender quais são os pontos primordiais que fazem a parceria entre técnicos e tenistas ser bem-sucedida por um período mais extenso, a diferença da filosofia de trabalho para o futebol e, finalmente, que sinais indicam que é necessária uma alteração no comando.
Antes de trabalhar com Federer, Annacone orientou Pete Sampras, outra lenda do esporte, em uma relação que durou sete anos – em duas passagens. Os dois estiveram juntos nos momentos de alegria e tristeza, desde a época em que “Pistol Pete” dominou o tênis na década de 1990 até a sua aposentadoria em 2002. Esse é um dos vários exemplos de parcerias que sobreviveram ao longo do tempo e ganharam um valor bem mais especial do que meros companheiros de trabalho.
Para José Nilton Dalcim, a relação entre o jogador e técnico no tênis pode ser comparada a um casamento, em que ambos passam a conhecer detalhes minuciosos que fazem a diferença para uma maior afinidade. “A relação exige um tempo maior de maturação, porque o jogador convive com o técnico o dia inteiro, come junto, treina junto, os dois vão para a quadra, ficam no mesmo quarto. É difícil encontrar um técnico que combine com cada estilo de atleta. É necessária uma maior identificação”, opina o jornalista.
O ex-tenista profissional Jaime Oncins compartilha esse ponto de vista e cita a relação com seu pupilo, o português Gastão Elias, para comprovar o pacto fiel entre comandante e comandado. “No meu caso, fico mais tempo com o Gastão do que com minha própria família. É uma convivência que não é fácil e, para dar certo a parceria, deve haver aquela química para que cada um respeite o espaço do outro”, reforça o treinador. É por isso, segundo o tenista Ricardo Hocevar, que as demissões no futebol acontecem com mais frequência do que em relação ao tênis – justamente pela falta de afinidade entre treinador e elenco. “O técnico de um time orienta 11 titulares e, ao todo, deve trabalhar com uns 30 jogadores, fora conselheiros e diretoria. Então, como você vai agradar a todos? Daí pode acontecer também que o fulano não gosta do técnico e conta para o goleiro e depois para o atacante e isso vira uma panela que pode tirar o técnico”, diz.
Para Guilherme Clezar, um dos destaques da nova geração do tênis brasileiro, a relação com o treinador João Zwetsch é bem-sucedida devido ao respeito que o técnico tem por suas características. O treinador de tênis, segundo o jovem gaúcho, decifra aos poucos qual é a melhor maneira de trabalhar com determinado perfil de jogador. “No tênis, as relações são mais a longo prazo e só dão certo quando o jogador tem vontade de aprender. O João me entende por não ser tão acelerado, temos um perfil muito mais tranquilo e, por isso, temos mais afinidade”, afirma.
Tio de Nadal treina o sobrinho desde criança. “No tênis, as relações são mais a longo prazo e só dão certo quando o jogador tem vontade de aprender”, aponta Guilherme Clezar
Por sua vez, Marcos Daniel, que está há mais de um ano no Itamirim Clube de Campo, em Santa Catarina, prega que seu papel é seguido à risca a partir do momento em que o atleta confia em suas orientações. “A fase de transição do juvenil para o profissional é bem complicada, porque é cheia de dúvidas na cabeça do menino. Então, ele deve ter confiança no que o treinador passa, porque é uma informação diferenciada. O técnico deve saber como mostrar ao jogador a evolução do trabalho para ele não ter dúvidas de que está fazendo a coisa certa”.
O tenista Augusto Laranja acrescenta que seguir a mesma filosofia de trabalho é fundamental para que a relação perdure baseada na cumplicidade entre ambas as partes. “O tênis não é igual ao futebol, em que se você perde quatro jogos seguidos, a ‘culpa’ é do treinador. O tenista tem que conversar com o seu técnico para sair dessa fase. O treinador, que está há bastante tempo com o atleta, sabe em que pontos ele deve melhorar o seu jogo”, diz o rio-pretense.
João Zwetsch vê que, muitas vezes, o papel do mentor ultrapassa os limites da quadra, cabendo a ele ser compreensivo com o pupilo ao longo do circuito, principalmente quando os resultados acabam não saindo como planejado. “O técnico precisa entender o jogador pelo dinamismo que acontece no tênis. De repente, o tenista é campeão no domingo e na terça-feira perde na primeira rodada. Por isso, a função do técnico é saber entender o atleta até naqueles momentos em que os resultados não estão aparecendo”.
No futebol, Gilson Kleina, que já comandou o Palmeiras há, crê que a transparência entre técnico e atletas é o que influencia no sucesso da relação nos gramados. “Se alguma coisa mais grave acontece, o problema é meu e do jogador na minha sala. Mas, em nível de desempenho diário, eu me dirijo a todos de forma coletiva. Trabalhamos com muitos jogadores e, por mais que tenhamos concentração no hotel, número elevado de jogos, às vezes, acabamos conhecendo um atleta depois de seis meses. Ainda assim, a minha filosofia é ser transparente e espero a mesma franqueza deles. Não abro mão dessa harmonia no meu dia a dia”, conta o treinador.
No entanto, o próprio Kleina admite que há uma cobrança da diretoria a respeito de resultados imediatos. José Carlos Brunoro, diretor-executivo também do Palmeiras, explica qual é o foco em relação ao técnico contratado e de que maneira a parceria pode se tornar, por vezes, insustentável. “Acho que, em qualquer modalidade, a duração de um técnico depende primeiramente de resultados. Se ele tem resultados positivos, as pessoas querem mantê-lo. Em segundo, a questão da liderança. Se você perde a liderança sobre o grupo, praticamente não tem condição de continuar o trabalho”. Campeão por diversos clubes brasileiros, o técnico Cuca corrobora a declaração de Brunoro no que diz respeito ao desempenho nas competições ao longo do ano. “O resultado, claro, é o mais importante. O treinador não deixa de ser um administrador no dia a dia. O relacionamento precisa ser bom, mas no futebol não é o suficiente. Precisa vir acompanhado do resultado. Quase sempre, no futebol brasileiro, a demissão de um treinador é consequência da falta de resultados”, reconhece.
Para Vagner Benazzi, que já trabalhou em times como Paysandu, a cobrança excessiva por resultados acontece baseada dentro da cultura imediatista do futebol brasileiro. Só que quando não se planeja adequadamente e o objetivo não é alcançado, fica cômodo se desfazer do técnico. “É claro que se os resultados e os títulos não aparecem, é preciso modificar algo. Nesse caso, mudar de treinador é a saída, pois seria inviável trocar o grupo inteiro de jogadores”, observa.
O treinador, que já passou por Portuguesa, Ponte Preta, entre outros times, tem uma opinião formada sobre a maneira ideal de avaliar um técnico no futebol, bem próxima de como acontece no tênis: “Para analisar o trabalho do treinador, deve-se acompanhá-lo no dia a dia. Tenho uma carreira de quase 30 anos como técnico, fui jogador e sei como me relacionar com o grupo. Procuro deixar sempre claro qual é o nosso objetivo e o que devemos fazer para conquistá-lo. É uma relação de confiança, e procuro sempre criar um ambiente agradável para todos trabalharem em busca dos resultados”.
No tênis, assim como no futebol, um relacionamento entre treinador e atleta também vai depender da liderança e, essencialmente, de resultados. “O resultado, claro, é o mais importante. O treinador não deixa de ser um administrador no dia a dia. O relacionamento precisa ser bom, mas no futebol não é o suficiente. Precisa vir acompanhado do resultado”, aponta Cuca
E ainda que as relações no tênis sejam baseadas pelo bom nível de afinidade entre técnico e jogador, os temidos resultados também não podem ser deixados de lado na rotina do atleta. Rogério Dutra Silva afirma que a confiança no técnico aumenta com a sequência de vitórias no circuito. “As vitórias dão confiança para a relação e melhora o relacionamento. Na hora decisiva de um jogo, num 4/4 e 30 iguais, se você olhar para o seu técnico e ele falar para sacar fechado, você vai sacar fechado, porque está funcionando”. Mas e se a maré virar? Rogerinho confessa que, nesse caso, pode ser um bom momento para tentar novos ares. “Se eu não estiver vencendo por um bom tempo, acho que preciso de alguma alteração. Não estou associando isso ao profissional ser ruim, mas, às vezes, a sintonia não está boa ou simplesmente não era para acontecer. Acho que se o jogador tiver um pouco de dúvida, as coisas não saem bem e, talvez, seja bom mudar de rumo”, reforça.
“A mudança pode fazer bem, porque será um novo clima, uma nova perspectiva, uma energia diferente”, diz Thiago Alves
Marcos Daniel indica que a confiança, tão essencial na relação, uma vez perdida, já é uma indicação de que você tem que testar novas estratégias em sua preparação. “A partir do momento em que se perde a confiança ou percebe-se que tudo o que pôde ser feito não rendeu o esperado, pode ser bom mudar os parâmetros, ter aquela motivação extra de volta”, opina o ex-tenista.
No tênis, é o jogador que tem o poder de contratação e demissão do seu coach. O experiente Thiago Alves confessa que não é a favor de seguidas trocas de comando, pois tal fato compromete o entrosamento do próprio jogador com o técnico. No entanto, como defende um clima amigável na parceria, uma mudança é aconselhada pelo rio-pretense caso o desgaste estiver prejudicando o desempenho do atleta. “A rotina do circuito é desgastante. Ficamos viajando, em média, 30, 35 semanas só com o treinador, então é inevitável acontecer atrito. Mas a mudança pode fazer bem, porque será um novo clima, uma nova perspectiva, uma energia diferente. Essa troca pode ser uma saída”.
Apesar de distintos, tênis e futebol não deixam de ensinarem, juntos, que mudar de treinador a todo momento nem sempre é a melhor solução. No esporte da raquete, principalmente, não há dirigente para decidir quem vai ou fica com o jogador. O atleta é o único responsável por estruturar seu caminho. Trocar de opção, às vezes é necessário, porém somente se técnico e atleta chegarem a um ideal em comum falando a mesma língua.