A crença - baseada em aspectos meramente numéricos - que o êxito no tênis feminino é mais fácil merece ser revista. Para alcançar sucesso, as meninas precisam passar por obstáculos que muitos homens sequer imaginam
Elson Longo em 15 de Junho de 2010 às 07:47
É inegável que existem muito mais homens do que mulheres imbuídos no âmbito competitivo do tênis. Este maior contingente numérico, muitas vezes, origina opiniões por parte da comunidade esportiva afirmando que a ascensão das mulheres ao alto rendimento é facilitada. Os números devem ser levados em conta para tecer essa análise, mas estão longe de ser a variável única e mais relevante nesse processo. Se por um lado há menos competidoras, por outro, nossas tenistas enfrentam várias outras dificuldades que são inerentes ao universo feminino. Computando todos os fatores, numa análise mais abrangente, descobre-se que a trajetória das mulheres é tão difícil quanto a dos homens, senão mais.
Competitividade
O primeiro conceito que devemos abordar é a questão da competitividade. Competitividade não é apenas número de jogadores. A qualidade desses jogadores é fator predominante para quantificarmos o nível de competitividade. Ilustrando: uma chave menor, com os oito melhores do ranking, é bem mais competitiva que uma chave maior em que o cabeça um é o 20o no mesmo ranking. Não é novidade que há bem menos torneios femininos do que masculinos. Isso faz com que a assistência aos torneios existentes seja de maior qualidade, embora contenha menor número. Devemos lembrar que, tratando-se de esporte feminino, o tênis é o que possui as maiores premiações, maiores audiências e maiores cifras de investimento, apresentando-se como a maior modalidade esportiva do mundo entre as mulheres. Seria ingenuidade pensar que o nível de rendimento atingido por essas profissionais não é bem maior, em comparação ao nível amador. Lembrando da escassez de torneios, é notória a alta competitividade nos eventos que ocorrem.
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Variáveis de treinamento
Abordando a questão do ponto de vista do treinamento: o que seria mais fácil, formar um homem ou uma mulher? Quem é treinador e trabalhou com os dois gêneros sabe bem a resposta. A mulher apresenta um conjunto bem mais amplo e dificultoso para o treinamento.
O primeiro ponto é a própria escassez de jogadoras, o que, em níveis mais altos, dificulta organizar dinâmicas reais com tenistas do mesmo gênero. Muitas vezes, resta às meninas treinar com homens, numa coexistência irreal do ponto de vista da realidade tática do jogo. No jogo com homens, os pontos são bem mais curtos, eles são mais rápidos, possuem mais aceleração nos golpes e, por fim, proferem saques com velocidades e quiques completamente divergentes do contexto real das mulheres. Sabemos que devemos treinar como se joga e, nesse ponto, surge a primeira dificuldade no treinamento.
Mas, além de encontrar parceiras, existem outras razões que dificultam o treinamento. De maneira geral, a melhora das capacidades físicas são mais lentas e trabalhosas nas mulheres quando comparada aos homens. Assim, a presença de uma menina em uma sessão de treinamento exige, em geral, uma diferenciação por parte do treinador, mais paciência e métodos facilitadores. Isso, sem dúvida, é um componente de retraso quando se busca resultados rápidos.
Na parte técnica, encontramos menor capacidade de produzir força e potência nas meninas, o que torna imprescindível uma técnica muito mais lapidada para termos um ótimo rendimento. Nos homens, não é incomum nos depararmos com técnicas com um bom teor de imperfeição, mas a enorme capacidade muscular desses jogadores faz com que eles produzam golpes extremamente efetivos. Um treinador que tenta desenvolver uma jogadora não poderá contar com esse trunfo do ponto de vista da técnica.
Concluindo, dificuldade em criar um ambiente real de treinamento, diferenciação constante, maior demanda de tempo e atenção, bem como maiores exigências técnicas, confeccionam um dificultoso cenário de treinamento, bem mais complexo que o do tênis masculino.
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Fatores psicológicos
Naturalmente, as mulheres apresentam um estresse competitivo bem maior que o dos homens. Alguns autores atribuem essa característica ao perfil feminino que não sente prazer em competir ou medir forças. Afirmam que o ato de competir, para uma mulher, está muito mais associado a uma situação de alerta e risco do que a desfrutar e ter boas sensações. O fato é que o custo emocional para uma jogadora que compete é bem maior que para os meninos. Também é notório os maiores níveis de frustração das tenistas quando perdem em comparação com os jogadores.
Ainda devemos acrescentar os ciclos hormonais que, em geral, potencializam esses fatores enormemente em um quarto do tempo (25%). Essa plataforma torna o trabalho de desenvolvimento de uma jogadora mais sinuoso e amplo em sua componente competitiva. Novamente, haverá uma demanda de esforços e atenção bem maior por parte do staff envolvido no suporte de uma jogadora. Muito maior do que com um homem.
Questões financeiras
Um grupo de tenistas homens, com pouco mais de 16 anos, pode viajar sozinho de forma considerável. É mais difícil pensarmos essa realidade com as meninas. Lembrando a pouca existência de grupo de meninas que treinam juntas, quase sempre as jogadoras necessitam de companhia para viajar, o que encarece bastante o processo. Podemos estender essa realidade ao treinamento que, em um nível mais alto, também acaba se individualizando. O menor número de eventos também acarreta maiores orçamentos, pois quase sempre as tenistas têm que viajar maiores distâncias para seguirem um calendário. É mais barato desenvolver um jogador do que uma jogadora.
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Heranças culturais
Não devemos esquecer que a abertura cultural e a aceitação das mulheres em condição de igualdade é algo recente nas questões de gênero. No universo esportivo, isso ainda é mais latente. Por muitos anos, os esportes foram atividades exclusivas de homens e a participação das mulheres sempre deixada em um plano secundário, menos valorizado. Ainda hoje é comum ouvirmos, na beirada da quadra, manifestações insensatas e ineptas que discriminam e depreciam as modalidades femininas. Há também um forte enraizamento desses conceitos em nível inconsciente, que acaba moldando um preconceito enrustido em muitas pessoas.
É notório que há um menor número de torneios femininos pelo mundo. Com isso, é preciso viajar mais para conseguir disputá-los. Ou seja, o gasto também é maior |
As tenistas enfrentam isso regularmente, não só quando se apresentam para jogar, como também quando buscam patrocínio ou simplesmente quando querem ser valorizadas pelo que fazem. Uma mulher deve destacar-se muito mais do que um homem em qualquer esporte para ser admirada e respeitada. Não é raro o exemplo de treinadores que não possuem interesse em treinar meninas, munidos da crença que levar uma jogadora ao topo não traria os méritos originados por um jogador. Ainda vai levar algum tempo para que esses resquícios de medievalismo abandonem por completo o pensar e o crer de boa parte dos envolvidos.
As mulheres possuem um contexto mais complexo de treinamento, uma condição psicológica mais dificultosa e elaborada. Demandam mais investimentos e lutam contra tabus e preconceitos. Por outro lado, são as mais bem pagas no mundo dos esportes quando atingem a excelência. É evidente que estão em menor número, mas isso apenas as tornam mais especiais. Sexo frágil? Mas que mentira absurda.