Como Guga e Nadal influenciaram a jogo na terra batida
Por Stephen Tignor em 22 de Setembro de 2013 às 00:00
RAFAEL NADAL TEM, tradicionalmente, suas conquistas no saibro comparadas com as de Bjorn Borg e não com as de Gustavo Kuerten. Faz sentido já que Borg venceu Roland Garros por seis vezes e Kuerten, “apenas” três. No entanto, mesmo que Nadal e Kuerten nunca tenham se enfrentado, Guga é muito mais próximo da era de Nadal. O brasileiro fez parte dela, na verdade, quando se aposentou em 2008, depois de várias cirurgias e voltas que fizeram dele uma pálida sombra de sua personalidade alegre e vivaz.
A era de Guga no saibro começou com a sua impressionante atuação que – ainda como um desconhecido de 20 anos – o levou ao título em Roland Garros, em 1997. Ela terminou sete anos depois, com sua impressionante vitória na terceira rodada contra Roger Federer, em Paris. A era de Rafa começou em 2005, com sua sensacional conquista do título ainda como um adolescente, e ela ainda não chegou ao fim. Às vezes, me pergunto como teria sido uma disputa entre Rafa e Guga, em uma final de Roland Garros.
Uma coisa é certa: a torcida parisiense torceria por Guga ao invés de Rafa. A imagem de Kuerten está, para sempre, atrelada a Roland Garros, ao ponto que é até difícil lembrar-se dele jogando em qualquer outro lugar. E por que mesmo pensar nele jogando em outro lugar? Em Paris, lembramo-nos de Guga com seus longos cachos rebeldes, halo de cabelo mal contido por sua faixa na cabeça. Lembramos de suas roupas icônicas da Diadora durante suas vitórias rumo ao título por lá, as listras verticais amarelas e azuis de 1997 e as bege de 2000.
Lembramos de Guga espontaneamente se curvando para Borg quando o sueco lhe entregou seu primeiro troféu de campeão em Paris e, acima de tudo, todos nos recordamos dele desenhando um coração no saibro, na quadra Philippe Chatrier após seu último título em 2001.
A torcida parisiense, famosa por seu temperamento volúvel e preconceituoso, retribuiu-lhe o carinho no mesmo momento. Kuerten era o sonho de uma estrela de tênis, imagem ideal para um artista boêmio, um surfista despreocupado das terras do sul, um brasileiro que jogava em seu próprio ritmo e um campeão que vencia com alegria e aptidão, e com um sorriso simpático para todos.
O estilo de Guga era diferente do de Nadal. Onde Rafa é sólido, Guga era todo ginga. O espanhol, porém, era o passo seguinte depois de Guga na evolução do jogo no saibro
O estilo de jogo de Guga também era diferente do de Nadal. Onde Rafa é sólido, Guga era todo ginga. Kuerten dominava livremente com seu backhand de uma mão e ditava os pontos com seu primeiro serviço chapado.
Enquanto que Rafa explora e força seu oponente com golpes no corpo, Kuerten atordoava os adversários flutuando em quadra. Você vê bem a diferença entre os dois quando comparamos suas deixadinhas. Nadal normalmente se assegura de estar bem preparado para o golpe, seu corpo está virado e está atacando a bola: essa é uma das razões pelas quais ele perde poucos pontos com esse fundamento. Kuerten, pelo contrário, deixava a bola chegar até a altura de seu quadril e, de repente, deslizava “fatiando” por baixo da bola, dando a impressão de fazer isso sem pensar ou sem esforço algum.
Se esses dois tivessem se enfrentado no saibro, você teria visto uma porção dessa marca registrada dos jogos entre Federer-Nadal: o forehand de Rafa na cruzada em direção ao backhand de uma mão de Guga. Kuerten tinha um belo backhand de uma mão, sem dúvida. Mas será que isso teria sido suficiente para suportar o excesso de topspin de Nadal durante três, quatro ou cinco horas ou sets? Não creio.
Não que Guga não tivesse os seus truques. Ele tinha um melhor saque do que Rafa; aliás, foi usando essa arma tão bem que ele ganhou de Federer em Paris em 2004. Kuerten sabia como avançar em quadra, como jogar na rede, e como disparar passadas de ambos os lados – diferentemente de Borg, ele jogava o tênis moderno com equipamento moderno. Mas acho que Rafa o teria vencido com seu inesgotável forehand e sua atitude de nunca se entregar. O espanhol era o próximo nível, o passo seguinte depois de Guga na evolução do jogo no saibro.
Mas Guga era maravilhoso, um passo inigualável nesse caminho, um jogador que ainda faz falta para os fãs do tênis de todas as partes do mundo, de Paris a Indian Wells a São Paulo. Mesmo em um esporte tão individualista, ele era capaz de ser notado. Eu me sentei ao lado de Kuerten durante a final do US Open do ano passado, e acho que não houve uma só pessoa que tenha passado por nós sem saudá-lo, estender a mão ou tirar uma foto com essa lenda do tênis. Kuerten tinha um sorriso – aquele sorriso “do Guga” com a cabeça inclinada alegremente – para todos eles.
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