Marcelo Melo precisou abrir mão de muita coisa para se tornar campeão de Roland Garros
Por Arnaldo Grizzo em 24 de Junho de 2015 às 00:00
Imagine-se um tenista de 23 anos que foi um dos melhores juvenis de sua geração e que possui uma envergadura invejável do alto de seus 2,03 metros. Você pensaria em desistir de sua carreira de simples e apostar todas as fichas nas duplas?
Pois foi o que Marcelo Melo fez em 2006. Jogando o circuito profissional desde 1998, o mineiro de Belo Horizonte, vindo de uma família em que seus dois irmãos, Daniel e Ernane, também eram tenistas, viu-se diante de um dilema. Depois de uma temporada fraca atuando em Futures, ele precisava de apoio e encontrou um patrocinador. No entanto, a condição para o patrocínio era deixar as simples e investir somente nas duplas, modalidade em que ele estava próximo do top 100, muito diferente das simples, então fora das 600 primeiras posições.
Por mais que alguns possam alegar o contrário, não foi uma decisão fácil, tampouco óbvia. As duplas não dão o mesmo prestígio das simples. Para complicar, a premiação é sempre mais baixa e, pior, precisa ser dividida com seu parceiro. Ou seja, é preciso ter muita certeza de sucesso para poder se manter no circuito somente jogando duplas. Você encararia o desafio?
Só tem uma maneira de ganhar deles (irmãos Bryan), que é montar um bom plano de jogo e acreditar 100%
Depois de muito matutar e até de ouvir conselhos de Gustavo Kuerten (que o orientou a partir por esse novo caminho), Melo aceitou. Pouco depois de completar 23 anos, em setembro de 2006, fez uma sequência de quatro finais de Challengers em duplas, com três parceiros diferentes (entre eles, André Sá), e venceu três. No começo do ano seguinte, firmou dupla com Sá e logo viu-se que a aposta tinha dado certo. Eles conquistaram um ATP (em Estoril), mas o grande momento foi quando alcançaram a semifinal de Wimbledon, com direito a uma vitória épica sobre Paul Hanley e Kevin Ullyett por 28/26 no quinto set.
Nos dois anos seguintes, eles venceram mais quatro títulos de ATP e fizeram mais três finais. Em 2010, Melo, porém, resolveu se associar a outro mineiro, Bruno Soares. Juntos, eles venceram quatro torneios e estiveram muito próximos de entrar no Finals, em dois anos de parceria.
Em 2012, eles decidiram buscar novos parceiros e, por um acaso, Melo jogou o ATP de Memphis com o croata Ivan Dodig. O brasileiro ia atuar ao lado de Ivo Karlovic, que desistiu de disputar a competição. Assim, a dupla formada de última hora com Dodig surpreendeu e foi à final. E, depois de fazerem quartas de final em Roland Garros e Wimbledon, a parceria tomou forma definitivamente.
Diferentemente de Soares e Sá, Dodig também se dedica ao circuito de simples e, por vezes, isso atrapalhou o calendário da dupla. No entanto, os resultados começaram a ser cada vez mais consistentes, atingindo um ponto importante quando chegaram à decisão de Wimbledon em 2013.
Alguns podem achar que a chave para Melo e Dodig terem conquistado Roland Garros neste ano foi aquela final em Londres contra os mesmos irmãos Bob e Mike Bryan, quando perderam de virada por 3/6, 6/3, 6/4 e 6/4. Contudo, o mineiro lembra que a grande mudança na dupla ocorreu um pouco antes disso. “A gente vinha jogando bem, mas não vinha vencendo. Tínhamos que ver o que estava acontecendo. Um torneio antes de Wimbledon [Eastbourne], conversamos da maneira como deveríamos jogar, abertamente. Nesse torneio, acabamos perdendo na estreia, mas jogamos da maneira que deveríamos jogar. Não como estávamos jogando antes”, afirmou Melo.
Quem esclarece um pouco mais essa mudança é Daniel Melo, irmão e treinador de Marcelo: “Antes, eles não faziam muito ‘australiana’, para pegar mais o meio e dificultar a devolução adversária. O Ivan também passou a jogar mais no fundo quando saca, aproveitando os bons golpes de base que ele tem”. Ou seja, a dupla fez os ajustes para se entrosar melhor.
Além da final em Londres, eles ainda foram à semi do US Open e venceram o Masters 1000 de Xangai. Com isso, classificaram-se para o ATP Finals, entre as oito melhores duplas do mundo e alcançaram a semifinal logo na estreia. Em 2014, foram além, fizeram finais em dois Masters 1000 (Monte Carlo e Canadá) e também no Finals, com nova derrota dolorida para os Bryan.
Melo lembra ainda que parte da conquista de Roland Garros deve-se à derrota na semifinal do Australian Open deste ano. O mineiro teve a chance de fechar a partida em suas mãos, mas viu a oportunidade escapar na derrota para os franceses Nicolas Mahut e Pierre-Hugues Herbert por 6/4, 6/7(5) e 7/6(5). “Lembro que fiquei muito triste, pois era mais uma chance que tínhamos deixado escapar”, conta Melo, que admite ter ficado muito mais nervoso naquela ocasião do que na final em Paris. “Às vezes, pensamos muito nas consequências do que nem fizemos ainda. Em Paris, deixei o celular desligado o dia inteiro para não pensar muito em ser campeão antes de jogar”, admite.
Porém, antes mesmo de chegar a Roland Garros, a dupla conquistou seu segundo título juntos, no ATP de Acapulco, além de fazer duas semifinais de Masters 1000 (Indian Wells e Monte Carlo). A campanha até a decisão no saibro parisiense foi extremamente sólida, mas, na final, era preciso superar os Bryan, dupla número 1 do mundo, que buscavam seu terceiro título no Aberto francês, o 17 Grand Slam de suas carreiras. Como superá-los?
“Eles são a melhor dupla da história do tênis. Só tem uma maneira de ganhar deles, que é montar um bom plano de jogo e acreditar 100%, além de estar 100% no dia. É uma dupla que dá pouca oportunidade e aproveita a primeira que tem”, admitiu Melo.
Quem obviamente ajudou a formatar a estratégia vencedora foi Daniel: “Monto a tática sobre cada coisa que os Bryan fazem que eu acho que pode ser explorada. Onde vai ser o saque? Onde vai ser o primeiro voleio? Isso tudo é planejado, pois funciona. Tem que ter uma disciplina tática dentro da quadra, pois, do contrário, fica muito difícil jogar contra eles”.
Ele cita como exemplo o match-point da partid final. Em formação “australiana”, Melo sacou, recebeu uma bola baixa na devolução e foi para cruzada antecipando a movimentação de Bob Bryan que, imaginando que o brasileiro iria responder uma bola funda na paralela, avançou para interceptar e acabou sendo surpreendido. Ou seja, cada possível jogada foi pensada.
O treinador conta que, por jogar no saibro, a dupla de Melo e Dodig também mudou um pouco seu padrão de jogo. “Fizemos o Marcelo ir para a frente e o Ivan jogar de fundo. Você pode perceber que toda vez que o Ivan sacava, ele não ia para a rede. Ele é muito bom de simples e, por isso, é bom no rali. E ele usava essa arma contra dois duplistas. Foi interessante, pois os Bryan não se sentiram muito confortáveis lá atrás”, afirmou Daniel.
“Às vezes, alguns jogadores querem primeiro ter algum tipo de recompensa, um apoio, antes de trabalhar. O mais importante é cada um acreditar em si e não ficar dando muita desculpa de que não tem apoio, não tem isso, não tem aquilo”, afirma Melo
Vitória conquistada sob os olhares de Guga – que estava torcendo na primeira fila –, este foi o primeiro título brasileiro em Roland Garros desde o tricampeonato do catarinense. Antes, apenas Maria Esther Bueno havia conquistado o título de duplas e duplas mistas em 1960 e, em 1975, Thomaz Koch também levou as mistas. Aliás, a primeira final de Grand Slam de Melo havia sido exatamente em Paris, em 2009, jogando ao lado da norte-americana Vania King.
Neste ano, por estar focado na possibilidade conquistar o título de um Grand Slam com Dodig, o mineiro optou por não disputar duplas mistas na França. “Não joguei porque achava que estava em um bom momento com o Ivan e, por vezes, quando você está nas mistas, há dias em que precisa disputar jogos em sequência e isso acaba desgastando um pouco”, afirmou. E mais essa aposta deu certo.
Este foi o terceiro título de Grand Slam brasileiro nos últimos quatro anos (Bruno Soares venceu as mistas do US Open em 2012 e 2014), além de um título juvenil em Wimbledon no ano passado. E também foi a sétima final de Major com brasileiros desde 2009 (13 ao todo se considerarmos os juvenis). Vale ressaltar que, depois da vitória em Roland Garros, Melo e Dodig assumiram a liderança no ranking de duplas na temporada e estão quase garantidos no Finals. Nada mal para um país que “não incentiva” o esporte.
Para os que continuam reclamando, Melo aponta: “Às vezes, alguns jogadores querem primeiro ter algum tipo de recompensa, um apoio, antes de trabalhar. O mais importante é cada um acreditar em si e não ficar dando muita desculpa de que não tem apoio, não tem isso, não tem aquilo”. E o mineiro ainda faz questão de dar o exemplo. Ele manteve o jovem Orlando Luz junto com sua equipe até o dia da final. “Ele estava lá no vestiário para sentir o que é jogar uma final de Roland Garros aos 17 anos. Isso é uma oportunidade única para ele e é isso que tento passar para os juvenis. Quando eles estiverem aposentando, que façam isso para outros. Se cada um continuar ajudando o outro e as instituições fizerem o seu trabalho, há grandes chances de o tênis continuar evoluindo”, finalizou.