Por vezes subestimadas, elas aparecem em grande parte do dia a dia dos tenistas e torna-se necessário saber como preveni-las ou tratá-las. Rafael Nadal que o diga
Por Sérgio Talarico em 17 de Março de 2014 às 00:00
DE REPENTE, e não sem motivo, um dos assuntos que dominaram o mundo do tênis neste começo de ano, durante o Australian Open, foi o problema das bolhas na mão de Rafael Nadal. Revistas, jornais, sites e blogs estamparam fotos da mão do número 1 do ranking e os artigos comentaram o provável favoritismo de seus adversários devido às supostas lesões do “Touro”, a dimensão do problema e como ele foi conduzido. Enfim, nossa atenção esteve focada na importância dos problemas físicos que afetam os tenistas e, principalmente, esses super homens e mulheres que compõem a nata dos atletas de elite.
Nadal aparentemente não foi derrotado pelas bolhas, tampouco por sofrer com uma contusão nas costas, mas por enfrentar um Stanislas Wawrinka em dia de grande brilho conforme humildemente declarou após o jogo. Ainda assim, o que ficou mais na boca da mídia foram os problemas físicos do espanhol.
Vários são os artigos científicos que apontam para lesões no tênis e diversas são as suas classificações. É quase que instintivo comentar que as lesões dos membros superiores superam, em gravidade, as dos inferiores e estas, as do tronco. Outros preferem se preocupar com a incidência segundo a faixa etária dos atletas ou mesmo pelo tempo de experiência e de atividade no esporte.
O que podemos afirmar, sem dúvida, é que – apesar de sempre nos lembrarmos das lesões dos joelhos, tornozelos, ombros, tendões (inclusive o de Aquiles), epicondilites dos cotovelos, entorses, dores lombares e musculares – as bolhas (muito menos charmosas) são tão preocupantes quanto qualquer outro problema físico. Muitos atletas chegam a assumir que elas fazem parte obrigatória de sua rotina.
Para nos protegermos da formação das bolhas, devemos tentar diminuir o atrito na pele. Diminuir a umidade também é fundamental
Por definição, a bolha é uma lesão de conteúdo líquido (lesões menores são chamadas de vesículas) na qual existe uma separação entre a camada mais superficial da pele, chamada de epiderme, da segunda camada, que leva o nome de derme. Em geral, esse líquido é claro, mas, por vezes, pode haver conteúdo de sangue ou mesmo secreção com pus. Bolhas costumam ser dolorosas. Ocorrem em decorrência da fricção constante a que a pele é submetida (seja pelo contato com a roupa, calçado ou equipamento esportivo) e são agravadas pela condição de umidade excessiva.
O primeiro sinal de alerta se dá pela presença de vermelhidão e pelo aumento de temperatura da região. Na sequência, há um acúmulo de líquido que representa uma tentativa de a pele oferecer proteção ao trauma a que está sendo submetida, e então a bolha se forma.
Embora existam várias doenças dermatológicas que se manifestem com a presença de vesículas e/ou bolhas nas mãos (dermatites de contato e lesões por fungos, por exemplo), deve-se aproveitar a oportunidade para negar o mito popular que tais lesões possam estar associadas a problemas pelo aumento do ácido úrico.
Para nos protegermos da formação das bolhas, devemos tentar diminuir o atrito na pele. Diminuir a umidade também é fundamental e é por isso que a cada intervalo (praticamente a cada ponto) observamos os grandes tenistas enxugando cuidadosamente mãos e também raquetes. Muitos acreditam que, para se prevenir da formação de bolhas nos pés, seria útil o uso de produtos que lubrificassem a pele, gerando assim uma diminuição do atrito. Hoje sabe-se que, para uma atividade de até uma hora, esse efeito pode ser real, porém, em práticas de maior duração, teríamos um efeito paradoxal, agravante, pelo aumento da retenção líquida que, na realidade, elevaria a chance da formação das bolhas.
O uso de pós “secantes”, que pareciam fazer sentido para diminuir a umidade, acabaram demonstrando, em estudos detalhados, o papel de aumentar as forças de fricção e, consequentemente, elevam a incidência das bolhas.
Vários trabalhos mostram que as meias de tecidos acrílicos ou de poliéster são superiores às de algodão. Da mesma maneira, as meias mais finas também sofrem menor alteração com a transpiração. Elas são capazes de manter uma melhor compressão, absorvendo melhor as forças de pressão na superfície da pele e, assim, reduzem o risco da formação das bolhas.
O calçado obviamente deve ser adequado à prática do tênis, nem muito justo, tampouco muito folgado, o que em ambas as situações pode gerar um aumento das forças de atrito.
O teto da bolha sempre é a melhor proteção para a mesma e, portanto, a pele que a recobre preferencialmente não deve ser retirada. Pequenas bolhas podem ter resolução espontânea e, quando possível, o simples repouso por alguns dias auxilia nessa recuperação.
Quando o desconforto for mais evidente ou em lesões maiores, a bolha pode e deve ser drenada. Deve-se ter atenção quanto à limpeza da área, realizar uma boa lavagem (cuidados necessários para se prevenir de uma infecção secundária) e, então, perfurá-la por meio de agulha estéril executando a drenagem por leve pressão. Deve-se procurar recobrir a região com um curativo, o qual evita que se mantenha o atrito (existem vários do tipo membrana como algumas dessas marcas comerciais: Band-Aid® Blister, Urgo®, Compeed®, DuoDerm®).
Voltando ao “caso Nadal” na Austrália, soubemos que o espanhol recebeu a ajuda da equipe de fisioterapeutas da Federação Espanhola de Tênis (RFET), que utilizaram um aparelho de radiofrequência para acelerar a sua recuperação. Esse aparelho utilizado é empregado frequentemente para estimular a produção de novas células do tecido cutâneo, principalmente com fins estéticos e de rejuvenescimento. Ele gera calor e um dos riscos de complicações, em caso de uso indevido, é a própria formação de bolhas.
Infelizmente, como é frequente nos problemas de pele, não existe nenhuma manobra mágica que permita uma solução imediata. A formação de bolhas em plena competição fatalmente implica em um problema que vai acompanhar o tenista nos seus próximos jogos. Os cuidados terão que ser redobrados quanto à boa higienização, insistimos na manutenção do “teto” da bolha e na devida proteção (de forma a evitar o atrito diretamente com a pele lesada), além de mais cuidado com a secagem da região.
Como sempre, o melhor tratamento para as bolhas seria que elas não surgissem. Assim, devemos estar atentos aos sinais que as precedem e investir na prevenção.
Sérgio Talarico é chefe do departamento de Dermatologia da Escola Paulista de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)