Puxando a fila!

Teliana Pereira é a primeira brasileira a chegar à semifinal de um WTA em 23 anos e fica próxima de ingressar no top 100. Ainda assim, ela mantém os pés no chão e quer que compatriotas a acompanhem

Matheus Martins Fontes em 21 de Março de 2013 às 08:43

COM TODA A SIMPLICIDADE de quem valoriza as origens, ela explica sua história ao jornalista curioso. "Eu nasci em Santana do Ipanema, em Alagoas, mas apenas nasci lá. Eu morava em Barra da Tapera, no Pernambuco, que, na verdade, é um sítio. Não tem maternidade. Então, você atravessa o rio e está em Alagoas. Apenas nasci em Alagoas, porque não tinha como nascer em Pernambuco".

Filha de ex-boia fria no sertão nordestino, Teliana Pereira foi acostumada desde pequena a lutar por seus ideais, sejam eles para sobreviver em meio às dificuldades impostas pela desigualdade social, sejam para se sobressair em uma modalidade que há anos não lhe trazia retorno. Aos sete anos, ela se mudou com a família para Curitiba, onde passou a trabalhar como boleira em uma academia ao lado de seus dois irmãos, José e Renato, e do pai, o velho José, que exercia o serviço de pedreiro.

A ARRANCADA

Nessa idade, Teliana já tinha noção de que o tênis feminino era algo deixado de lado no País. Mas, ainda assim, decidiu encarar os desafios de ser profissional. O irmão José Pereira logo fez sucesso no juvenil, quando foi o número 4 do ranking ITF. Renato, por sua vez, não emplacou no circuito e passou a orientar a irmã. E, assim, ela se arriscou na empreitada de um duro circuito cheio de obstáculos, principalmente diante das lesões (no joelho) que sofreu e que fez com que ela ficasse longe das quadras desde o começo de 2009 até agosto de 2010. Desde então, precisou, praticamente, recomeçar a carreira.

Quando parecia ter encontrado um norte e sua confiança de volta em 2012 com o sucesso nos torneios intermediários (títulos nos ITFs de Buenos Aires, Rosário e Sevilha, além dos vices em Mont-de-Marsan, Maribor e Caracas), Teliana sofreu com a falta de apoio. Sozinha, colheu os frutos de excelentes campanhas e entrou, de vez, no top 200 da WTA, mas ainda com dificuldades no momento de planejar um calendário com longas viagens. Daí, um acerto com a Confederação Brasileira de Tênis (CBT) permitiu que a tenista ousasse encarar os maiores torneios do circuito.

No final de dezembro, Teliana embarcou pela primeira vez à Austrália para uma série de três torneios grandes na Oceania, todos no piso rápido. Nos qualifyings de Brisbane, Hobart e do Aberto da Austrália, foram três reveses na estreia, mas que serviram de aprendizado para que a brasileira adquirisse "bagagem" para se enturmar com as melhores da atualidade.

"Você tem que estar entre essas jogadoras, para poder acreditar que pode estar ali. Enquanto você está fora, você acaba achando que é muito difícil. Às vezes, você vê o treino de uma top e pensa: 'Nossa, é impossível, não vou conseguir'. E depois fica frente a frente e enxerga uma diferença. Na Austrália, eu perdi os três torneios na primeira do quali. Fiz jogos duros, e perdi no detalhe. Fiquei decepcionada, muito triste, mas, ao mesmo tempo, joguei com uma menina 80 do mundo e perdi porque faltou acreditar. Era só uma questão de tempo para as coisas acontecerem", revelou.

"Conviver nesse meio, com essas meninas, é muito importante porque te faz acreditar que pode conseguir jogar de igual para igual"

COLHENDO OS FRUTOS

Na volta à América do Sul, ela ajudou o Brasil a chegar à final do Zonal Americano I da Fed Cup contra o Canadá e, logo em seguida, conseguiu ótimo resultado no WTA 125 de Cali, onde chegou às quartas em simples e ao vice nas duplas. Assim que terminou a disputa em Cali, Teliana viajou às pressas para Bogotá, onde ia encarar o qualifying do torneio de primeiro escalão.

Na estreia da fase prévia, um susto. Ela perdia para a norte-americana Nadia Echevarria Alam, a 799ª do ranking, quando o jogo foi suspenso pelo mau tempo. No dia seguinte, Teliana conseguiu virar a partida e rumou para as outras duas vitórias que a colocaram na chave principal, a primeira a conseguir entrar em um torneio de primeiro nível desde Carla Tiene em Acapulco 2006.

Na tática "jogo a jogo", Teliana pareceu se adaptar muito bem à altitude colombiana e foi batendo uma adversária de cada vez e derrubando premissas do tênis feminino brasileiro formadas nas últimas décadas.

Ao passar pela austríaca Yvonne Meusburger na primeira rodada, a jogadora de 24 anos se tornou a primeira brasileira a vencer um jogo de nível WTA desde Carla, sete anos antes. Ao desbancar a francesa Alize Cornet, cabeça 2 e 36ª do mundo, ela se igualou a Vanessa Menga, que foi a última quadrifinalista havia 13 anos. E o triunfo rendeu até destaque na capa do site da WTA, em que a colega romena Alexandra Dulgheru brincou ao dizer que "Teliana merecia uma estátua em sua cidade natal pelo resultado".

Nas quartas, Teliana empolgou ainda mais ao arrasar a luxemburguesa Mandy Minella, outra top 100, em sets diretos, batendo nova marca - desde Luciana Corsato no Aberto de São Paulo de 1990 que uma brasileira não ficava a dois triunfos de um título de WTA. E nem mesmo o revés apertado para a argentina Paola Ormaechea na semifinal foi capaz de tirar o brilho da campanha. Para Teliana, o resultado foi fantástico, mas nada fora do padrão que ela e sua equipe estavam projetando para 2013. O principal objetivo é a vaga no grupo das 100 melhores e assim conseguir a classificação direta para um Grand Slam, algo que o País não vê acontecer desde Andréa "Dadá" Vieira em 1993.

"Foi uma semana incrível em Bogotá. Mas confesso que não fiz nada de diferente, continuei trabalhando e treinando, tudo o que eu já fazia há algum tempo. Na minha análise, estou no nível das meninas top 100. Ainda tenho muito para melhorar, porque para enfrentar jogadoras top 20, top 10, uma Serena, uma Azarenka, ainda preciso melhorar muito. Ainda não cheguei nesse nível, mas top 100, sim. Tanto que em Bogotá ganhei de meninas nessa faixa. Antes eu já vinha jogando bem, mas a diferença é que não estava jogando esses torneios. Ganhava um torneio de US$ 25 mil, mas não ganhava na primeira rodada de WTA porque não tinha obtido uma sequência nesses torneios. Então, conviver nesse meio, com essas meninas, é muito importante porque te faz acreditar que pode conseguir jogar de igual para igual", completou a brasileira, agora dentro do top 120.

MORAL DA HISTÓRIA

No Brasil Tennis Cup, Teliana tinha a chance de furar o grupo das 100 melhores, mas o revés logo na estreia não permitiu nova façanha. Entretanto, ser a única jogadora do País dentro do top 300 (a segunda melhor brasileira no ranking é Paula Gonçalves, 340ª do mundo) não anima Teliana quando o assunto é o futuro da modalidade no Brasil. Para ela, seus ótimos resultados não devem ser encarados como apenas um fato isolado, mas que as compatriotas possam seguir o mesmo caminho.

"[Os meus resultados recentes] Incentivam as meninas, porque mostra que não é impossível. Cada uma tem suas qualidades, convivi com elas na Fed Cup e ficou claro que com trabalho você consegue tudo. Devem trabalhar duro, persistirem. Acho que o tênis feminino brasileiro tem que ver e fazer isso. Não ficar esperando uma jogadora apenas de destaque, mas ter muitas meninas ali no topo. Estar jogando esses torneios, ganhando as rodadas e ver que não é impossível. É apenas uma questão de confiar em si mesma", concluiu.

Teliana sabe que a responsabilidade de ser número 1 do Brasil irá deixá-la mais conhecida do público especializado e, consequentemente, sofrerá mais pressão por resultados, assim como acontece com Thomaz Bellucci no masculino, sempre vivendo à sombra de Gustavo Kuerten. No entanto, a jogadora mantém os "pés no chão" para que não venha a se cobrar mais do que deve. Ser a única promessa do País está fora de cogitação, mas servir de guia para trilhar o caminho das demais é o que a motiva em continuar pensando que o trabalho árduo é o verdadeiro divisor de águas no esporte.

CONFIRA O QUE SE COMENTOU EM FLORIANÓPOLIS SOBRE A ATUAL FASE DE TELIANA PEREIRA

CARLA TIENE
"Acho que é legal ter um nome de referência. As meninas pensam: 'Caramba, ela é 100 do mundo, mas o que ela tem de diferente de mim?' Porque a gente não tem nenhuma referência de uma 100 do mundo. Agora temos a Teliana muito perto. Assim, as meninas passam a acreditar mais."

BEATRIZ HADDAD MAIA
"Só de ter treinado com ela, já me trouxe energia positiva. Uma brasileira lutando, superando as adversidades até depois ter operado o joelho. A gente sabe como é dura a rotina do atleta. É importante ver uma brasileira junto com as melhores. Pensamos: 'por que a gente não pode também?' Deus deu para cada uma a oportunidade, se você trabalha naquilo, uma hora vêm os frutos."

CARLOS ALBERTO KIRMAYR
"Ela sempre foi trabalhadora, muito séria, muito focada. Teve problemas de lesão, que a mantiveram na dúvida, porém agora está mais experiente. Uma das coisas que têm acontecido no tênis feminino brasileiro é uma desistência precoce. Tem que haver o tempo de experiência, trabalho, dedicação, perseverança como a Teliana está fazendo."

CÉSAR KIST
"É preciso dar a oportunidade para nossas jogadoras jogarem um torneio grande. Quantos Challengers a Teliana teve que jogar para começar a jogar um WTA? O circuito WTA é muito mais fechado do que o da ATP. Os resultados dela fazem com que nossas jogadoras possam acreditar no seu potencial para chegar um dia a esse nível."

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