Para lidar com os pensamentos

Por que Monfils não foi capaz de superar Federer e por que Krunic, que veio do qualifying, foi capaz de ir tão longe no US Open? A resposta pode estar na formação

Por Suzana Silva em 26 de Setembro de 2014 às 00:00


De todo o jogo, uma cena não sai da cabeça: o par de olhos franceses esbugalhados

“ESQUEÇA A NFL, FEDERER VERSUS Monfils é o melhor evento esportivo desta quinta feira”. Com este título, o jornalista norte-americano Chris Chase expressou a grande expectativa em torno desse jogo válido pelas quartas de final do US Open 2014. Em plena quinta-feira de jogo importante da Liga Nacional de Futebol Americano – o esporte mais popular dos Estados Unidos –, Mr. Chase ousou convocar a massa de leitores do US Today para acompanhar o esporte branco pela televisão. E aí, valeu?

O jogo que colocou frente a frente o “certinho” e elegante Roger Federer, casado, quatro filhos, 17 títulos de Grand Slam, e o descontraído francês Gael Monfils, que parece se contentar em apenas jogar tênis com grande cobertura da mídia e mostrar sua alegria e talento físico, acabou se configurando numa epopeia. A reviravolta espetacular no placar tirou urros de alegria do suíço e comentários xoxos e conformados do “showman” francês.

De todo o jogo, uma cena não sai da cabeça: o par de olhos franceses esbugalhados e, logo acima, um balão quase invisível com um pensamento escrito: “Mon Dieu, tenho dois match-points para vencer Roger na frente destas 22 mil pessoas e chegar à semifinal do US Open”. Esse balão de pensamento foi fruto da minha imaginação, mas os olhos esbugalhados estavam lá, sim. O que passou realmente pela cabeça do artista não sabemos, mas que o pensamento o levou à desconstrução da altíssima performance que vinha apresentando até ali, isso podemos afirmar sem medo.


Dizemos que um jogador é forte mentalmente quando consegue manter o foco na estratégia, de modo positivo, energizado e fluente

Intervalos

Quando repetimos exaustivamente, como um mantra: “Pais, por favor, deixem seus filhos jogarem, procurem não interferir, eles precisam aprender a pensar e a se motivar por si mesmos, pois o ‘Grande Jogo’ acontece dentro de cada um de nós e, muitas vezes, o jogo acontecerá e vocês não estarão por perto”, queremos realmente deixar essa ideia muito bem compreendida e clara.

O tênis é feito de saque, resposta de saque, bolas para lá e para cá, e.... de intervalos. Muitos intervalos entre os pontos, entre os games, entre os sets. O que fazemos com nosso pensamento e com nosso corpo nesses intervalos fazem a diferença entre ganhar e perder. Em entrevista para Brad Gilbert no final do jogo, Federer disse o que pensou no momento do match-point: “Bem, agora já foi, o que tenho de fazer é ir lá e devolver todas as bolas”. Ou seja, viu o jogo perdido, mas não desistiu de jogar por causa disso. O resultado: jogadas corajosas e soltas do suíço. Enquanto Monfils... Alguém falou em dupla-falta?

Dizemos que um jogador é forte mentalmente quando consegue manter o foco na estratégia, de modo positivo, energizado e fluente. Qualquer pensamento que entre no cérebro para atrapalhar essa fluência pode ser chamado de “pensamento vírus”, ou seja, ele entra no sistema e destrói o funcionamento da performance atlética como se fosse um vírus de computador. Como podemos estimular esse tipo de foco em nossas crianças se falamos o que eles devem fazer durante suas partidas, como devem jogar, quanto está a contagem, e por aí afora?

Conseguimos a oportunidade fantástica de educarmos nossas crianças para a vida através do tênis. Excelente. Temos de aproveitar essa oportunidade levando-as para participar de jogos e torneios e deixá-las errar, acertar, pensar, vibrar, experimentar, explorar, brincar – tudo isso por si mesmas.

Aqui, darei um intervalo no assunto “intervalo” e abrirei um parênteses: Monfils e Federer são dois atletas de um talento excepcional, mas houve o trabalho de profissionais de Educação Física e Esporte na infância, oferecendo exercícios e experiências psicomotoras variadas. Rebater saltando ou escorregando como esses dois fenômenos esportivos não é coisa para amadores com pouco repertório motor. Pelo contrário. Ambos saltaram, rebateram, rolaram, escorregaram, correram, galoparam, de tantas maneiras, com tantas combinações diferentes, e graças a todas essas experiências puderam chegar à fina arte de um tênis excepcionalmente maduro, bem jogado, atlético, elegante e eficiente.

Aleksandra Krunic foi a sensação do torneio e disse que estava apenas “curtindo o momento”

Já a sensação da chave feminina, Aleksandra Krunic disse, após vencer Petra Kvitova, que “apenas curtiu o momento e tentou ficar no tempo presente o máximo que conseguisse”, usando, dessa maneira, os intervalos entre os pontos. Imagine a mesma tenista olhando para os pais o tempo todo em busca de aprovação, ou tentando encontrar pessoas famosas no meio da multidão que lotava o Arthur Ashe Stadium. Impossível, para uma tenista saída do qualifying, apresentar uma performance daquele nível sem muito trabalho mental positivo nos intervalos.

Nossa torcida agora fica com Monfils, para que siga nos presenteando com seu tênis alegre e com o amadurecimento de suas capacidades psíquicas; com Federer, para que possa continuar mostrando por quanto tempo for por que é o melhor tenista de todos os tempos, e com Krunic, para que continue evoluindo e mostrando que uma garota de 1,63 m pode ter um saque respeitável e muita atitude.

Nossa torcida fica também com vocês, pais, para que consigam conter a ansiedade plena de intenções positivas, mas que retarda o amadurecimento das crianças para a vida. Por último, estamos torcendo sempre para os professores de tênis infantil, pedindo que oportunizem eventos adequados e motivadores para cada vez mais praticantes, e que os mantenham nesse esporte fascinante por muitos e muitos anos.

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