Estudo sobre o ranking da WTA derruba mitos sustentados por pais e técnicos das tenistas
Arnaldo Grizzo em 28 de Maio de 2007 às 11:49
A precocidade de Monica Seles, que ingressou no top 10 com menos de 16 anos, não é regra no circuito |
A PRECOCIDADE parece algo inerente ao circuito feminino. Há casos de meninas que assumiram a primeira posição no ranking com 18 anos ou menos, como Martina Hingis, Monica Seles, Tracy Austin, Steffi Graf e, mais recentemente, Maria Sharapova. Outras ainda mais jovens, com menos de 16 anos, surgiram no top 10 como Jennifer Capriati e Gabriela Sabatini. Disso se criou o maior mito entre as mulheres: “Se até os 18 anos a menina não estourou (entrou entre as 100), não o fará mais”.
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Quem põe por terra esta falácia é Élson Longo, técnico de São Carlos, interior de São Paulo. Com um trabalho de análise matemática do ranking, o treinador mostra que exemplos como Martina Hingis não são regra, mas raríssimas exceções. “As pessoas deveriam entender que qualquer indivíduo entre os cinco melhores é totalmente excepcional. Estas pessoas possuem padrões e histórias diferentes dos demais e devem ser encarados como exceções. Um dos objetivos deste trabalho foi demonstrar o quanto estas jogadoras diferem da média, não devendo ser usadas como referência”, avisa Longo.
E seu trabalho prova que o mito de a menina ter que vingar até 18 anos representa, na realidade, um fator sóciocultural. “Para a sociedade, os 18 anos representa uma idade de decisão social e esta vertente é transferida aos jogadores, que já devem apresentar uma definição de cunho profissional em suas carreiras. Este mito é encorajado pela mídia esportiva que sempre coloca em extrema evidência jovens expoentes que atingem o topo antes mesmo desta idade”, lamenta o treinador. Segundo o estudo, feito com dados do ranking final de 2005, a maioria das jogadoras atinge seu ápice aos 24 anos e, em média,ultrapassam a barreira das top 100 somente aos 20 anos.
Pelos cálculos, a média de entrada entre as top 10 é de 17 anos e nove meses, ou seja, quase 18 anos. Isso indica que para cada caso de uma jogadora que entra com menos de 18 anos, há outra que entra após os 18 anos, em uma relação de meio a meio. Entre as 20 primeiras, a média aumenta e vemos apenas três casos de jogadoras que entraram com menos de 18 anos. E quanto mais nos afastamos das primeiras colocações, mais velhas as jogadoras ingressam entre as cem.
CAMADAS
Quando colocados, lado a lado, pontos e a posição equivalente no ranking, o gráfico demonstra uma função exponencial acentuada, que reflete também os níveis hierárquicos de torneios femininos. Na base, temos os Futures, com premiação até US$ 10 mil, que dão somente seis pontos às vencedoras. Depois, seguem-se competições de US$ 25 mil a US$ 100 mil, que dão até 75 pontos. Em seguida, os Tiers, de I a IV, e os Grand Slams. Todos com premiação acima de 100 mil dólares e pontuação muito elevada.
Com isso, Longo dividiu a carreira das mulheres em três camadas e, em sua observação, uma tenista deveria alcançar o topo da primeira camada (por volta da 500ª posição) com 18 anos. Para isso, ela precisaria começar a disputar torneios com 15 anos, já que a WTA limita o número de competições dependendo da idade. Depois, até os 21 anos, a jovem deveria buscar o topo da segunda camada, que é entrar no top 100. A partir daí, até os 24 anos, o auge da sua forma, tentar atingir o seu melhor ranking.
Este seria um cenário ideal e não uma regra a ser seguida. Mas, se aos 18 anos a tenista já estiver por volta das 500 primeiras colocações, significa que ela deve ter tido ampla vivência em Futures. “Apenas quando uma jogadora atingir este ranking é que deve, gradualmente, iniciar sua participação em torneios da segunda camada. E apenas jogadoras que estão perto do top 100 ou top 80 devem procurar os Tiers com freqüência. Caso elas não respeitem esta hierarquia, correm sério risco de despencar no ranking, pois há uma sutileza matemática na pontuação dos torneios acima de US$ 25 mil que confere apenas um ponto para quem perde na primeira rodada. A tenista que não estiver preparada e colecionar derrotas em primeiras rodadas não defenderá seus pontos e cairá vertiginosamente”, avisa Longo.
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VERDADES E MENTIRAS
Segundo o treinador, há frases que sempre são ouvidas quando se trata do circuito feminino e nenhuma delas corresponde a uma visão adequada. Algumas são: “Se até os 18 minha filha não estiver entre as 100 do ranking, vai se dedicar aos estudos”; “Minha filha só jogará torneios profissionais a partir dos 17. Antes é muito cedo”; “Minha filha só tentará ser profissional até 21 anos, depois disso terá de fazer outra coisa, pois já estará muito velha”, etc.
Para Longo, todas estas convicções são equivocadas e fundamentadas em uma base sócio-cultural de extremo protecionismo em relação às mulheres. “Isso pode chegar ao limite de impossibilitar uma carreira. Este comportamento gera jogadoras imaturas e dependentes, que não condiz com o universo competitivo do mundo profissional do tênis. Em Futures, já percebemos que é território de tenistas decididas, acostumadas às exigências do circuito do ponto de vista emocional e com alto nível de independência. Estas qualidades não são fomentadas em um indivíduo imbuído num contexto sócio protetor”, lamenta o técnico. Convicto disso, ele – apesar de não ter filhos – afirma que deixaria sua garotinha viajar pelo circuito sozinha aos 15 anos.
Jogadoras costumam a atingir o seu auge aos 24 anos |
A maior das exceções. A suíça Martina Hingis foi a mais nova número um da história com apenas 16 anos, seis meses e um dia |
E a história de que nossos tenistas demoram a amadurecer, não conta? “Existe esta demora na maioria dos casos. Sem dúvida o fator sócio-cultural é o maior catalisador deste processo. Exemplos do Leste Europeu, que hoje representa o maior celeiro de jogadoras do mundo, apontam alto índice de independência e exigência por parte da família e treinadores. Sem ser extremista, é hora de percebermos que devemos reavaliar algumas posturas comportamentais como jogadores, pais e principalmente treinadores”, afirma o técnico de São Carlos.
Há 17 anos o Brasil não tem uma tenista no top 100 e apesar de achar que temos uma excelente safra de novas jogadoras, Elson Longo acredita que para que este tabu se quebre é preciso mais do que apenas talento. “O passo mais importante é termos um bom número de torneios Futures e Challengers aqui no Brasil. Sem isso, todo o processo será mais difícil. Como estamos lidando com uma dimensão exponencial, qualquer atenuante é bem-vindo!”, afirma.