Andy Roddick surpreendeu e anunciou sua aposentadoria do tênis durante o US Open. Quais lições aprendemos com esse exímio sacador - talvez o último grande representante de uma era - durante as 13 temporadas em que esteve lutando?
Matheus Martins Fontes em 24 de Setembro de 2012 às 14:12
QUANDO ALGUÉM elogia Thomaz Bellucci e, inevitavelmente, se vê instigado a comparar os feitos do paulista com os de Gustavo Kuerten, tricampeão de Roland Garros e ex-líder do ranking, dá para imaginar o tamanho da pressão acumulada nos ombros do canhoto. Afinal, o brasileiro sempre acredita que o principal nome do esporte deve ser superior ou, nesse caso, equivalente ao seu antecessor.
E se o exemplo for migrado para um país que vive e respira tênis desde os primórdios, como é o caso dos Estados Unidos? Assim que um jovem tenista desponta no circuito, já é visado com muita atenção pelos vários especialistas. Andy Roddick foi apenas um desses talentos que tiveram que superar muitos obstáculos fora do âmbito da quadra. Se Bellucci tem "apenas" a sombra de Guga, o norte-americano tinha às suas costas - Pete Sampras, Jimmy Connors, John McEnroe, André Agassi e Jim Courier, todos estiveram no topo do tênis.
Bom, se houve uma característica que Roddick seguiu ao longo de sua carreira de 13 anos foi a de não fugir dos desafios. Logo com oito anos de idade, o menino de Omaha visitou o US Open e, sem medo, ingressou na sala dos jogadores sem credencial para bater Sampras no videogame.
Até nas situações mais controversas, aquele jogador marrento que apareceu para o tênis com boné virado e disparando suas "bombas" soube ser sincero e irreverente quando lhe foi necessário falar.
Nunca procurou inventar desculpas, nem quando pareceu impossível explicar a freguesia tão esmagadora contra Roger Federer (Andy finalizou a carreira com três triunfos em 24 jogos diante do suíço), tampouco quando os árbitros não enxergaram suas marcações em quadra ("Acredito que tomei as decisões certas durante a carreira... Os árbitros podem não concordar comigo", disse às gargalhadas em sua última entrevista no US Open). Sempre foi autêntico, desde os momentos de fúria com suas raquetes até as "patadas" em jornalistas nas coletivas (é possível conferir uma série de vídeos no Youtube com suas respostas célebres). "Houve momentos horríveis para ambos os lados [ele e a imprensa], mas certamente nunca foram chatos", avalia.
Roddick terminou nove temporadas entre os top 10. Venceu um Grand Slam e cinco Masters 1000. Ao todo, foram 32 títulos na carreira e 13 semanas como líder do ranking
O mundo do tênis aprendeu a amar Andy Roddick em sua verdadeira essência, um homem que soube muito bem a sua hora de ascender no esporte e que encarou com maturidade o momento de dizer "chega".
O publico brasileiro teve seu primeiro contato com esse garoto em 2000, quando ele disputou o Banana Bowl. Naquele ano, ele fez a final do torneio contra o sueco Joachim Johansson, outro exímio sacador. Não houve quem não ficasse impressionado em ver dois meninos marcando aces um atrás do outro naquele saibro lento do Clube Pinheiros, em São Paulo, com diversos games em que o recebedor sequer encostava na bola. Roddick venceu por 6/2, 3/6 e 7/6(3).
Por mais de uma década, desde que conquistou o Australian Open e o US Open no juvenil, fechando o ano 2000 na liderança do ranking da ITF, Roddick jogou sob pressão e expectativas. Em 2002, viu Sampras vencer o Aberto dos Estados Unidos e encerrar sua magnífica carreira em grande estilo com o 14º título de Grand Slam. Doze meses depois, Andy foi o protagonista no Arthur Ashe Stadium e, com 21 anos, chegou ao auge de sua trajetória com o único título de Grand Slam - ao bater o espanhol Juan Carlos Ferrero em sets diretos. Com a aposentadoria de Agassi na mesma quadra quatro temporadas à frente, Roddick ficou, definitivamente, com o bastão de ídolo do tênis norte-americano. E ficou longe de fazer feio.
Foram nove temporadas consecutivas em que terminou no top 10 - de 2002 a 2010 -, algo que apenas Federer conseguiu no esporte. De quebra, o título em Flushing Meadows em 2003 pavimentou seu caminho para a liderança do ranking em novembro daquele ano, status que manteve por 13 semanas. Roddick faturou um total de 32 troféus na carreira, incluindo cinco Masters 1000, e também foi vice-campeão de quatro Majors - por três vezes em Wimbledon (2004, 2005 e 2009) e uma no US Open (2006).
Foi na grama sagrada do All England Club que o jogador fez uma das partidas mais espetaculares de sua vida e que muitos apontaram como a melhor decisão de Wimbledon - em 2009, Roddick saiu aplaudido da Quadra Central mesmo com o duro revés por 16/14 para Federer no quinto set.
Como um norte-americano patriota, o tenista liderou seu país no 32º título da Copa Davis ao bater a Rússia na final de 2007. Suas 33 vitórias em simples na competição representando a bandeira dos Estados Unidos o fazem ficar em segundo na estatística, superado apenas por John McEnroe (com 41).
O torneio entre equipes também foi palco da mais "devastadora" de suas armas - em 2004, Roddick aplicou um serviço a 155 milhas por hora (o equivalente a 249,4 km/h) durante embate contra a Bielorrússia, o que o fez receber o status de maior sacador da história. Até hoje, com certeza, o norte-americano é umas das principais referências para uma eficiente análise biomecânica do fundamento.
"Não pensei no que dizer. Provavelmente deveria ter pensado. Supus que apenas estaria respondendo perguntas. Sou melhor para responder questões do que para criar algo da minha própria cabeça"
Andrew Stephen Roddick
Idade: 30 anos (nascimento 30/08/1982)
Local de nascimento: Omaha, Nebraska, Estados Unidos
Residência: Austin, Texas, Estados Unidos
Altura e peso: 1,88 m e 88 kg
Melhor ranking: 1º (em 03/11/2003)
Vitória e derrotas: 612-213
Títulos: 32
Prêmio em dinheiro: $20,637,390
www.AndyRoddick.com
E, mesmo quando seu atributo fenomenal já não parecia causar os mesmos estragos, Andy jamais recuou ou "fugiu da raia". Ao lado de renomados treinadores como Brad Gilbert, Connors e Larry Stefanki, o jogador soube desenvolver apetrechos e ajustes em seu jogo, como foi o caso do slice de backhand e o aumento da frequência em subidas à rede. Para entender o quão cabeça dura Roddick poderia ser em quadra, Patrick McEnroe contou uma passagem em que era treinador da equipe norte-americana da Copa Davis. "Um dia, antes de uma partida, Andy disse para eu não falar com ele, pois ele sabia o que devia fazer. Ele entrou em quadra, aqueceu, começou a partida e logo perdeu o primeiro set. Eu, conforme ele pediu, não abri a boca durante as viradas. O mesmo aconteceu no segundo set e todos os que estavam do lado de fora já começaram a questionar a minha liderança. Assim que perdeu o segundo set, Andy sentou na cadeira e disse 'Ok, diga-me o que fazer'".
Quando foi posto contra a parede, Roddick soube ser homem de enfrentar as seguidas lesões ou o fato de se tornar obsoleto num circuito marcado pelas grandes devoluções de saque. Nessa espécie de "mata-burro" da vida, ele aceitou as limitações e seguiu em frente, ainda que já fora do top 20.
Em 2012, Roddick, mesmo taxado como decadente pela imprensa de seu país, alcançou a 600ª vitória na carreira e não passou em branco em finais - abocanhou os ATPs 250 de Atlanta e Eastbourne, mantendo sua marca de, pelo menos, um título por 12 temporadas seguidas.
E no palco onde se sentiu no ápice da carreira, Roddick soube sair pela porta da frente do tênis. No dia 30 de agosto, data do seu 30º aniversário, ele anunciou, sem choro ou ressentimentos, que deixaria o esporte após a disputa do US Open ("Vamos fazer isso rapidamente. Decidi que este será meu último torneio", foram suas palavras). As vitórias contra Rhyne Williams, Bernard Tomic e Fabio Fognini empolgaram a plateia que lotou a quadra central no que poderia ser o último saque, a última dupla-falta, o último foot-fault, os últimos lampejos de uma das personalidades mais fortes que já pisaram em uma quadra de tênis. Não faltaram "Let's go Andy" e também os famosos números "140, Andy" que os fãs se acostumaram a gritar pedindo que o sacador atinja essa marca (em milhas por hora).
O revés em quatro sets para o argentino Juan Martin del Potro nas oitavas de final pouco contou para os mais de 23 mil espectadores. As lágrimas do ídolo minutos antes do desfecho já explicavam por si só que Roddick não é homem de se esconder da verdade. Até o rival percebeu, ao término do confronto, que o verdadeiro dono da festa estava do outro lado da rede.
"Pela primeira vez em minha carreira não estou certo do que falar", começou um gaguejante Roddick em seu discurso após a partida. Na entrevista coletiva, mais aliviado, disse: "Não pensei no que dizer. Provavelmente deveria ter pensado", avaliou rindo. "Supus que apenas estaria respondendo perguntas. Sou melhor para responder questões do que para criar algo da minha própria cabeça", assumiu.
Assim como os ídolos Sampras e Agassi fizeram no mesmo piso do estádio Arthur Ashe, Roddick agradeceu a legião de fãs e encerrou sua luta contra o corpo, o seu verdadeiro limite. A dura e justa realidade de saber que seu momento finalmente chegou.