O saque de Bellucci

Saiba o que faz com que o serviço do principal tenista brasileiro seja uma arma notável

Elson Longo em 21 de Outubro de 2010 às 13:38

NA COPA DAVIS deste ano, em Bauru, tive a oportunidade de filmar o saque de Thomaz Bellucci com uma câmera capaz de obter imagens na taxa de 1200 quadros por segundo. O resultado são filmagens em ultra slow motion, que permitem análises minuciosas dos aspectos técnicos. Na ocasião, o saque de Bellucci revelou uma técnica bem apurada, enquadrada nos conceitos modernos da mecânica do serviço. Agora então vamos comentar o saque de uma das maiores estrelas do nosso tênis. Antes, porém, aconselhamos o leitor a ler o box explicativo ao fim da matéria para se familiarizar com a nomenclatura utilizada.

 

1 - Fase de preparação, muito importante do ponto de vista mental. É neste momento que jogadores relaxam a musculatura e mentalizam a jogada a ser executada. Note a postura serena e calma de Bellucci, obtendo a textura ideal para as rápidas contrações que virão a seguir.

2 - O tenista restabelece contato visual com a quadra. Começa a girar os ombros em direção ao alambrado de trás. A mão que lança a bola inicia seu alinhamento com a linha de base. O braço não dominante está estendido e segurando a bola com a ponto dos dedos. Neste processo, Bellucci usa como eixo de rotação a perna de trás, transferindo praticamente todo seu peso para ela. 3 - Inicia-se a elevação da bola. Braço estendido e paralelo à linha de base. Palma da mão para cima o tempo todo. Note como Bellucci conduz a bola o maior tempo possível (ele irá abandonála quando sua mão estiver acima da linha dos olhos) sempre com a palma da mão na horizontal. O braço dominante trabalha em conjunto, subindo em sincronia. Observe como ele mantém o cotovelo longe do corpo. Enquanto realiza a elevação dos dois braços, o peso do seu corpo migra para a frente, transferindo o peso à perna adiantada.



4 - Também chamada de "trophy position" ou posição em "W". É o momento que antecede a sequência de contrações ordenadas dos diferentes segmentos do corpo até o ponto de contato. Bellucci lança a bola perto do seu corpo, ligeiramente à frente, numa trajetória que sai do seu lado esquerdo e vai para seu lado direito (note que ele é canhoto, para destros é o contrário). Seu objetivo é impactar a bola em torno de 20 centímetros à direita (no referencial do jogador) do pé que está à frente. Repare que a bola foi lançada pouco mais de um metro acima de sua mão não dominante. Este lançamento bem justo, característico dos jogadores atuais, elimina a pausa depois que se flexionam os joelhos (algo bem comum quando o lançamento é muito alto e o jogador tem que esperar a bola voltar). É uma maneira de aproveitar uma força externa extra do chão, que engloba o peso do jogador mais a força que realizou para baixo ao flexionar rapidamente. No braço dominante, o cotovelo está bem afastado do corpo e a raquete bem alta. Chamamos este momento de MFC (máxima flexão do cotovelo). O ombro dominante está bem abaixo do outro ombro. O quadril fica perpendicular à linha de base e o jogador totalmente perfilado em relação à quadra.

#Q#

5 - Bellucci explode verticalmente. Corpo estirado para cima. Não há nenhuma rotação do quadril no eixo longitudinal (ou seja, de girar em direção à quadra - ver box explicativo). Este é um dos pontos fortes do saque de Bellucci. Ao controlar o quadril elevando apenas o lado dominante em relação ao outro, ele consegue subir rapidamente o ombro dominante em relação ao ombro não dominante, realizando a primeira rotação do tronco que chamamos de "ombro-sobre-ombro", que ocorre no eixo transversal. Ao contrário do que se fazia antigamente, os tenistas atuais não querem girar em direção à quadra, e sim subir fortemente na vertical. Isto explica o toss (lançamento da bola) bem mais perto. Toda energia é otimizada na vertical. Enquanto o corpo sobe, a raquete, que estava em equilíbrio instável, começa a descer por questões de inércia (mesmo fenômeno que ocorre quando a cabeça de uma pessoa vai para trás quando ela é empurrada bruscamente para frente). A mão não dominante desce e já se nota todo o lado dominante do jogador mais elevado em relação ao lado não dominante, configurando a rotação no eixo transversal.

6 - Maravilhosa elevação de ombros. O ombro dominante já bem mais alto que o ombro não dominante (pode se verificar isso também observando o pé que estava atrás mais alto que o que estava à frente). O braço não dominante é recolhido junto ao corpo. A raquete encontra-se verticalmente apontada para baixo e longe do corpo. O quadril continua impecavelmente perpendicular à quadra, como no princípio do movimento. Repare o conjunto mão e antebraço do tenista que está paralelo ao piso. Chamamos esta posição de MRE (máxima rotação externa). Nesse instante, a articulação do ombro saiu de sua amplitude natural e, por milésimos de segundo, permanece nessa situação extrema. Todos os tecidos não contráteis do ombro estão sendo esticados e fornecerão incrível energia ao restituírem sua posição natural. Como o corpo subiu e a raquete desceu, quem estava entre eles era o ombro que sofre esta forte tensão. Bellucci se prepara para executar a segunda rotação do corpo: "o mortal", ou rotação no eixo sagital.


7 -
Ponto de contato. Repare como o jogador está sobre a linha de base, porém bem acima do piso: toda a impulsão convergiu para cima e não para frente, como se fazia antigamente. O corpo está inclinado para o lado não dominante do jogador (repare a cabeça de Bellucci pendida para o lado) e o ponto de contato cerca de 20 centímetros para o lado não dominante em relação ao pé da frente. Raquete e antebraço desalinhados, e ângulo de pouco mais de 90o entre braço e tronco. Note que o quadril finalmente começa a girar em relação à quadra. Isso é consequência da segunda rotação do tronco: o mortal. Imediatamente após realizar a rotação de ombro sobre ombro, Bellucci inclina seu tronco para frente (rotação no eixo sagital) como se fosse dar um salto mortal. O quadril acompanha passivamente esta ação do tronco, que transfere grande velocidade ao sistema braço-raquete. Para atingir a bola, ele acelerou sua raquete através de quatro poderosos elementos, que ocorreram nesta ordem: extensão do cotovelo, rotação interna do ombro, pronação do antebraço e flexão da munheca. A rotação interna do ombro é a mais poderosa e foi auxiliada pelos rotadores internos do ombro e pelos tecidos não contráteis dessa articulação ao restabelecerem sua amplitude natural.

 

#Q#

8 - O tronco bem inclinado para a frente e a raquete direcionada para fora devido à pronação do antebraço. Como a parte superior do tronco se inclinou muito, a perna de trás vai sincronizada para trás para estabelecer uma compensação de equilíbrio (do contrário o tenista cairia para a frente). O quadril vai seguindo o tronco, acomodando-se para a frente. Repare o braço não dominante junto ao corpo do jogador (caso contrário esse seria um freio e um incremento desnecessário do momento de inércia do movimento). O queixo de Bellucci alto e a cabeça erguida denotam grande equilíbrio apesar das rápidas contrações.


9 - Bellucci aterrissa. A perna de trás atinge sua altura máxima, conferindo a estabilidade para o tronco do atleta, que já termina de se desacelerar para a frente. A raquete também termina de percorrer seu trajeto de frenagem. O corpo do tenista apresenta grande simetria e equilíbrio.


10 -
Bellucci já começa a encolher a perna e trazer o tronco para sua posição natural, preparando-se para a segunda bola. A cabeça continua alta. Note o pé do tenista alguns centímetros dentro da quadra. Ele usou todas suas forças para subir e dobrar sobre a bola, como fazem os grandes jogadores da atualidade. Quem vai para frente é apenas o tronco do jogador, portanto há bem menor transporte de massa, havendo, assim, maior velocidade dos segmentos. Observe que os jogadores de hoje trocaram o giro do corpo tradicional (no eixo longitudinal) por duas rotações conjuntas: ombrosobre- ombro (eixo transversal) e mortal (eixo sagital). Enquanto "girar para sacar", "bola à direita" e "bola para a frente e joga o corpo na bola" virarão conceitos obsoletos na mecânica de saque atual; "subir muito sem girar", "dobrar o corpo sobre a bola" e "bola perto e ligeiramente inclinada no lado não dominante" são as novas diretrizes dos grandes sacadores. A técnica de Thomaz Bellucci é admirável, digna de ser imitada.

 

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