Os três títulos de Grand Slam do suíço foram sobre ex-números um do ranking ATP
Arnaldo Grizzo em 16 de Dezembro de 2016 às 14:07
“Já tentou. Já fracassou. Não importa. Tente novamente. Falhe novamente. Falhe melhor”. A tatuagem com os dizeres do escritor e dramaturgo Samuel Beckett, estampada na parte interna do antebraço esquerdo de Stan Wawrinka, deixa o caso ainda mais misterioso. O suíço nunca foi o mais duro dos competidores. Nunca esteve à altura do compatriota Roger Federer, ou mesmo de Rafael Nadal, Novak Djokovic e Andy Murray, os donos do tênis nos últimos anos. Ele nunca foi páreo.
Em 2014, porém, sua história parecia que mudaria. A vitória por 9/7 no espetacular jogo contra Novak Djokovic nas quartas de final do Australian Open foi um primeiro prenúncio. Dias depois, ele surpreendeu novamente vencendo Rafael Nadal e conquistando um improvável título de Grand Slam em sua carreira. Seu papel como coadjuvante no circuito, contudo, não mudou.
No ano seguinte, longe dos holofotes mais uma vez, impediu Djokovic de completar o Grand Slam ao desbancá-lo com uma virada impressionante na final de Roland Garros. Mais um ano se passou e, fora do mainstream novamente, levantou seu terceiro troféu de Grand Slam, mais uma vez derrotando, impiedosamente, o então número um do mundo na decisão. Como ele é capaz disso?
Wawrinka é um caso a ser estudado. Tão logo venceu o US Open, foi questionado se poderia se tornar número um do mundo. A resposta foi um não seco e curto. Depois, instigado, complementou dizendo que não joga consistentemente durante um ano todo, como fazem Djokovic, Nadal, Federer e Murray, por exemplo, portanto, não seria capaz.
Mesmo nos Majors que venceu, Stan não foi regular. No Aberto dos Estados Unidos, por exemplo, sofreu nas oitavas contra o britânico Daniel Evans. Aliás, é difícil haver um torneio em que ele apresente uma constância de atuação em todas as partidas. No entanto, quando vai chegando às rodadas finais, ele se torna extremamente perigoso.
Por sinal, desde 2013 até o US Open, Wawrinka não havia perdido nenhuma final. Ao todo, ele chegou a 11 decisões e venceu todas – sua sequência de invencibilidade em finais foi quebrada semanas depois em São Petersburgo, quando foi derrotado pelo jovem Alexander Zverev. Ou seja, o suíço, com o tempo, transformou-se em um jogador de decisões. Especialmente das grandes.
Quando ele atinge o estágio final de um torneio, torna-se o mais duro dos rivais. Nesse momento, suas dúvidas cessam, seu backhand flui, sua mente encontra uma paz que nem sempre o acompanha. Não importa o adversário, ele é capaz de jogar não somente de igual para igual, como sobrepujá-lo em suas principais qualidades. Wawrinka é como a esfinge de Édipo, que lança seu enigma e, caso ele não seja respondido, devora seu oponente.
O mais interessante do “enigma Wawrinka” é ele ser capaz de realizar algo que quase ninguém mais no circuito consegue fazer: enfrentar e derrotar Djokovic no fundo da quadra. Diante do tenista mais regular dos últimos tempos, praticamente imbatível do fundo de quadra, o suíço não somente encontra respostas para as “respostas” do sérvio, como o encurrala de uma maneira que pouquíssimos já fizeram. Federer, por exemplo, é um dos que, às vezes, deixa Nole sob extrema pressão, mas o ex-número um não tem sido capaz de manter o ritmo por tempo suficiente para bater Djokovic nos Grand Slams.
Já Stan, surpreendentemente, é capaz de demonstrar uma regularidade aliada a golpes com força e precisão que desnorteiam Djoko. No fim, quem fica sem respostas é o sérvio, que não encontra brechas e, quando as constrói, vê o rival tapar os buracos impiedosamente. No US Open, por exemplo, Wawrinka salvou nada menos que 14 break points e ganhou a maioria dos ralis longos da partida – especialidade de Nole.
Em sua tática, Djokovic tenta minar o backhand do suíço, teoricamente seu ponto de maior desgaste, contudo, ao longo da partida, isso só lhe dá ainda mais confiança para arriscar golpes mais potentes de diferentes posições da quadra. A cada winner de backhand paralelo ou cruzado, Djoko fica atônito. Aos poucos, passa a jogar no forehand, todavia, essa não é uma fraqueza de Stan, que é capaz de variar ainda mais com sua direita poderosa. No fim, quase não há o que fazer. Não há saídas fáceis.
Wawrinka sequer dá ao rival a chance de levar a partida para um ponto de desgaste físico que comece a minar seu jogo. Quando necessário, o suíço agride para encurtar os pontos e faz isso com destreza. E mesmo nos pontos de grande desgaste, ele consegue sair vencedor, abalando a confiança do sérvio. Em um primeiro momento, o adversário parece não acreditar que Wawrinka continuará disparando aqueles golpes incríveis o tempo todo, mas, conforme o tempo passa, a incredulidade só aumenta e leva ao único desfecho possível, a derrota.
Mesmo vencendo os grandes oponentes nos principais torneios, Wawrinka não acredita que pode competir diretamente com Djokovic, Nadal e Murray pelo número um do mundo. Quando não está nesses relativamente raros lampejos de genialidade, seu jogo e sua mente parecem voltar a se apresentar como o Stan de antes da conquista do Australian Open em 2014, inseguro, inconstante, inofensivo.
E o suíço não parece preocupado em tornar esses momentos brilhantes uma constância em sua carreira. A cada título, ele se mostra contente com o que tem, com o que alcançou. Não parece almejar muito mais do que isso, do que, vez ou outra, desafiar os grandes e devorá-los.