João Olavo Souza rompe a barreira do top 100, estreia em Grand Slams e, enfim, cumpre uma etapa pela qual ele mesmo ansiava
José Eduardo Aguiar em 23 de Setembro de 2011 às 13:29
"BOA BOLA, FEIJÃO!" Quem acompanhava o circuito juvenil há alguns anos já está acostumado. Desde os 16 anos, João Olavo Souza - o Feijão - era tido como um dos garotos que poderiam brilhar no tênis brasileiro. Apesar de ter demorado mais do que se supunha (e mais até do que ele gostaria) para romper a dura barreira do top 100 no ranking ATP, hoje, aos 23 anos, o rapaz parece, enfim, pronto para alçar os altos voos que dele sempre foram esperados.
Jovem dormia na academia, pois não tinha dinheiro para pagar hotéis
Filho de Maria Ângela e Milton e membro de uma família que "ama a prática de esportes", como ele mesmo descreve, Feijão começou cedo no tênis, ainda aos nove anos. "Meu pai e minha irmã sempre jogavam e fiquei com vontade de aprender também. Nessa fase, só pensava em jogar bola, como todos os garotos. Mas uma hora resolvi me arriscar no tênis", conta à Revista TÊNIS o atleta natural de Mogi das Cruzes.
O apelido ele recebeu ainda criança: "pela cor da pele e por ser apaixonado pela comida de mesmo nome, principalmente a feita pela avó". Após "largar" o futebol e tomar gosto pela raquete, Feijão iniciou seu caminho com destaque, chamando a atenção na cidade. "Logo nos primeiros torneios que joguei já fui bem. Com 10 anos já estava jogando brasileiro, me destacando", lembra. "Conforme os anos foram passando, fui evoluindo, ficando entre os melhores do Brasil".
A MUDANÇA PARA SÃO PAULO
Sempre muito apegado à família, Souza teve que tomar uma decisão difícil ainda aos 15 anos. Em busca do sonho de se tornar profissional, se mudou sozinho para São Paulo, um dos principais centros do tênis nacional. O destino era a academia de Jaime Oncins, no Brooklin, local que passaria a fazer parte da rotina e da vida do filho de Maria Ângela.
"Nos dois primeiros meses, morei na casa de um amigo, no bairro do Ipiranga. Mas estava muito fora de mão, eu tinha que acordar todos os dias às 6h da manhã e pegar ônibus, era muito cansativo", conta. Diante das dificuldades, o garoto só teve uma saída. "Passei a morar na academia. Foram alguns meses de muito perrengue mesmo, dormia em um beliche, era um lugar que não podia nem chamar de quarto. Era aquele ambiente com redes de tênis, bolas, aquele esquema bem academia mesmo. Tinha muito pernilongo, goteira. Não era fácil".
Foram meses de sofrimento, longe da família, mas, acima de tudo, meses de amadurecimento. "Eu gostava muito daquele lugar, das pessoas, o ambiente me fazia bem e me dava forças. Não tinha dinheiro para morar em hotéis que nem os outros meninos", descreve, ressaltando o aprendizado e as lições tiradas daquele período. "Foi muito bom para a minha vida, aprendi muito, principalmente a valorizar as coisas. Agradeço a todos que conviveram ali comigo".
Tamanho sofrimento tinha uma razão e, principalmente, um objetivo. "Com 16, 17 anos, vi que realmente tinha chances de me tornar profissional e que era isso o que queria para a minha vida", lembra Feijão.
ESCOLA X TÊNIS
O sucesso como tenista, infelizmente, teria de vir com um ônus nada aconselhável para qualquer garoto, e o jovem de Mogi largou os estudos ainda no segundo ano do ensino médio. "Não gostava de estudar, mas tinha facilidade na escola. Eu era bom principalmente em matemática, puxei da minha mãe. Mas era popular, as meninas sempre copiavam as matérias para mim, colocavam meu nome nos trabalhos", conta o tenista, que, devido às constantes viagens e duros treinamentos, acabou interrompendo sua vida escolar antes do final.
De curioso dos tempos de escola sobrou o "dom", como ele mesmo descreve, de contar quantas letras têm as palavras de uma frase, feito esse destacado inclusive no seu perfil oficial no site da ATP. "Pode perguntar o que quiser, eu nunca erro", desafia, realmente cumprindo a promessa e acertando de primeira.
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A SEGUNDA MUDANÇA
Após alguns anos de batalha em São Paulo, Feijão optou por se mudar para o Rio de Janeiro e passou a treinar no Centro de Treinamento da Amil, comandado pelo ex-técnico de Fernando Meligeni e ex-capitão brasileiro da Copa Davis, Ricardo Acioly, o Pardal.
Feijão tem apenas 23 anos e muito a evoluir
"O Rio é uma cidade maravilhosa, o clima é ótimo, a qualidade de vida é muito boa", garante o paulista, mostrando toda sua admiração pela "Cidade Maravilhosa". E o clima carioca fez bem a Feijão, que viu sua carreira deslanchar nos últimos anos.
Após estrear como profissional em 2004, ainda aos 15 anos, Souza conquistou seu primeiro ponto na ATP em 2005 e passou a ser considerado uma das maiores promessas do tênis brasileiro. Em 2007, conquistou o primeiro título em Future e já mostrava que o amadurecimento conquistado no Rio de Janeiro começava a fazer efeito.
Porém, foi apenas em 2010 que ele resolveu mostrar as caras no tênis mundial, furando o quali do ATP de Santiago e parando na semifinal. No mesmo ano vieram os dois primeiros títulos em torneios Challenger, ambos em Bogotá, na Colômbia.
A ENTRADA NO TOP 100
Chegava o ano de 2011 e as esperanças eram ainda maiores. Era hora de consolidar a ascensão e passar a figurar nos grandes torneios. Após um título incontestável no Challenger de Santos, no primeiro semestre, resolveu apostar em qualis de torneios ATP na segunda metade do ano. E o resultado não podia ser melhor. Entrou na chave em Gstaad, na Suíça e, na semana seguinte, em Kitzbuhel, na Áustria, lembrou o desempenho em Santiago, furou o quali e terminou novamente entre os quatro melhores do torneio.
Aos 23 anos, no alto de seu 1,93 metro, o tenista alcançou um de seus maiores sonhos. A ótima semana na Áustria lhe rendeu, após bater na trave no final de 2010, a tão esperada vaga no top 100. Número muito simbólico no tênis, que representa, muitas vezes, uma mudança significativa na carreira de qualquer atleta.
Para Feijão, porém, especialista em matemática, o que mais importa - pelo menos dessa vez - não é o número, e sim o momento vivido dentro de quadra. "O top 100 é legal, ajuda a entrar nos grandes torneios, competir contra os melhores, mas, no fundo, o que conta é que estou evoluindo e jogando muito bem. Não posso negar que tira um peso das minhas costas, mas continua sendo um número e agora é seguir evoluindo para estar entre 70, 60, sempre dando um passo de cada vez", discursa o confiante tenista.
Um dos principais responsáveis pelo momento vivido por Feijão, Ricardo Acioly também entra no embalo e elogia o momento vivido pelo pupilo. "O top 100 é um marco para qualquer jogador e claro que será para ele. É para se comemorar, mas bem pouco, pois o trabalho cada vez fica mais duro. É muito legal saber que começamos o trabalho com ele bem jovem e que hoje ele já coloca as barbas de fora", orgulha-se o treinador. "No ano passado faltou pouco para entrar no top 100 (Feijão chegou a ocupar a 101ª colocação no ranking), mas acabou sendo bom, ajudou ele a melhorar algumas coisas. Ele tem apenas 23 anos, muito a evoluir e vai crescer cada vez mais".
O FEIJÃO FORA DAS QUADRAS
Buscando seu espaço no tênis mundial, Feijão garante não ter nenhuma fonte de inspiração dentro do tênis, embora declare idolatria por Guga. "Prefiro me espelhar na minha família, principalmente em minha mãe e em minha avó. São duas guerreiras, batalhadoras, que sabem o que querem e vão atrás".
Mas há um tenista em especial que chama a atenção do brasileiro, não só pelo inquestionável desempenho dentro das quadras, mas principalmente pelas atitudes demonstradas fora delas. "Gosto bastante do Nadal, ele é um cara muito humilde, mesmo sendo um dos melhores do mundo", comenta. "Ele passa de funcionário em funcionário, desde o diretor até o cara que recolhe as toalhas, e pergunta como estão as coisas, como vai a família, os filhos".
Conhecido pela irreverência nos bastidores, Feijão se compara ao espanhol e garante ser um cara que "fala com todo mundo". Simpático, o tenista de Mogi das Cruzes já é um espelho para os mais jovens.
Mas afinal, como é o Feijão fora das quadras? "Sou um cara duro, teimoso. Um pouco egocêntrico, mas o tênis é um esporte individual e, às vezes, isso é necessário. Você tem que pensar em você mesmo, guardar as energias", responde o tenista ao ser questionado sobre seus defeitos. As qualidades? "Me considero um cara inteligente, que sabe bem o que é certo e o que é errado. Sei ver bem quem é bom e quem não é, conheço as pessoas só de olhar".
Nos tempos livres, a internet e a música são as maiores companheiras do agora top 100. "Sou um cara que escuto de tudo, sertanejo, house, reggae, pop, praticamente todas essas músicas que costumam tocar nas rádios", garante.
No Rio de Janeiro, o clima até o inspirou a se arriscar em outro esporte, mas, como ele mesmo brinca, sem sucesso. "Até tento me arriscar no surfe, mas é uma tragédia. Engulo muita água. Mas gosto de dar um mergulho na praia, relaxar", se diverte. "Não fosse o tênis, não faço a menor ideia do que seria na vida. Não costumo pensar nisso, sempre tive esse objetivo claro na minha cabeça".
O PRIMEIRO GRAND SLAM
A entrada no top 100 foi muito comemorada, mas veio um pouco mais tarde do que o esperado. Mesmo entre os melhores, Feijão teve de jogar o quali do US Open, sendo o cabeça-de-chave número um da disputada competição. Mas nada que abalasse a confiança do paulista, que venceu seus três jogos e finalmente pôde disputar o primeiro Major da vida. "A sensação de estar na chave de um Grand Slam pela primeira vez é muito boa, estou muito feliz, é mais uma barreira ultrapassada na minha carreira", afirmou em Nova York. Em seguida, ele pegou o experiente Robby Ginepri e perdeu na estreia.
O FUTURO
Vivendo o ponto mais alto de sua carreira até então, seria natural que Feijão já tivesse definido uma série de objetivos e metas para os próximos anos, mas o jovem, tranquilo, faz questão de ir com calma, pensando dia após dia. "Gosto de viver cada momento, não penso muito na frente. O importante é se sentir bem dentro de quadra, torneio a torneio. Se treinar firme e trabalhar, sei que os resultados vão aparecer", garante.
Como ele se enxerga no futuro? "Pretendo jogar até uns 34 anos, depois fazer mais umas três temporadas jogando duplas, quem sabe. Daí eu paro e penso na minha vida, em constituir uma família", prevê. O local escolhido para passar o resto da vida? "O Rio de Janeiro, sem dúvida", responde o cada vez mais carioca João Olavo Souza.