Você é daqueles para quem a derrota é inadmissível e sequer é capaz de reconhecer a superioridade do adversário? Segue aqui um guia para aprender se portar bem nessas situações
Arnaldo Grizzo E José Eduardo Aguiar em 28 de Setembro de 2009 às 07:31
Há uma célebre frase no romance "Quincas Borba", de Machado de Assis: "Ao vencedor, as batatas". Dúbia. Representa a lógica da sobrevivência, ou seja, os mais fortes (vencedores) têm direito sobre as batatas do campo de batalha, o que lhes garantirá a subsistência até a próxima montanha, onde há mais batatas - isso segundo a explicação de Quincas Borba em sua "filosofia do Humanitismo".
Certamente vencer o oponente numa guerra, numa batalha, ou mesmo numa quadra de tênis, invoca um sentimento ancestral - o de que somente os mais fortes sobrevivem. Tanto que é dito que a história é escrita pelos vencedores. Aliás, estes, além de passar por cima dos derrotados, fazem questão de se vangloriar de seus triunfos erguendo marcos, monumentos, estátuas em homenagem aos sucessos nas batalhas. Assim já faziam os antigos gregos e romanos, com estátuas louvando os deuses (como a famosa Vitória de Samotrácia, que teoricamente teria sido dedicada a uma vitória naval da cidade de Rhodes), generais, imperadores e grandes combatentes - que até mesmo se tornaram personagens mitológicos, como na guerra de Tróia, narrada na Ilíada de Homero. Essa tradição seguiu com as conquistas navais de Portugal, retratadas nos 10 cantos dos Lusíadas de Camões. E, especialmente, com as conquistas bélicas francesas, quando o diminuto Napoleão Bonaparte, por exemplo, erigiu monumentos e mais monumentos às vitórias da França - tanto as suas próprias quanto às dos reis que o precederam.
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Sucesso a qualquer custo?
Sendo assim, é fácil perceber que, historicamente, constroem-se arcos do triunfo, nunca do fiasco. Isso significa que somente a vitória importa? Não necessariamente. No entanto, não será fácil encontrar alguém que se vanglorie das derrotas e erga estátuas para homenagear perdedores. Sim, nestas horas, o que impera é mesmo a lei dos mais fortes.
Obviamente que, no esporte - especialmente no nível amador e de clubes -, este talvez não deveria ser o motivo por trás dos embates, já que não há uma questão de vida ou morte envolvida como bem diz a matéria da professora Suzana Silva nesta edição (página XX).
Ainda assim, existem aqueles que simplesmente não se permitem sequer passar perto do sentimento da derrota. Sim, existem, e são muitos! Você, se não for um deles, seguramente conhece um. Todo clube tem, e vários. São tipos fáceis de reconhecer. Eles costumam ter um jogo bem chatinho, cansativo, quase marrento, especialmente quando estão atrás no placar. Ou então, quando estão perdendo e percebem que não conseguirão reverter, desesperam-se e começam a dar um show em quadra, com xingamentos, raquetes voando, gritos etc. Ou ainda sutilmente desistem da partida - seja literalmente, seja fazendo corpo mole já buscando uma desculpa para dar no final - quando estão atrás no marcador.
O que impede essas pessoas de aceitarem a derrota? É caso para a psicanálise. Será que Freud explica a compulsão pela vitória? Talvez, mas a verdade é que como o sucesso geralmente está ligado a alguma recompensa (as batatas, no caso de Quincas Borba, por exemplo), é simples entender essa fixação. Além disso, mesmo quando não há um prêmio, a sensação de poder quando se vence é sempre extasiante. É adrenalina. É prazer. Ao contrário da derrota, sempre representada pelo amargor e sofrimento.
Competição
A verdade é que nascemos em uma sociedade que desde cedo nos incita a competir. Mais do que isso, vencer. O fato de estar vivo já significa que um espermatozóide de seu pai ganhou a corrida contra milhões de outros para fecundar o óvulo de sua mãe. Nascer, por assim dizer, já é uma vitória.
Contudo, ela não basta. Assim que colocamos a cabeça neste mundo, uma série de obstáculos surgem e, junto com eles, adversários.
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Conquistar a menina mais bonita da escola, ou aquele gatinho que todas as amigas pretendem ficar, por exemplo, é uma batalha. A isso some-se a formação do time de futebol do colégio, o vestibular, as entrevistas de emprego, ou seja, em tudo, especialmente dentro do capitalismo, há uma competição - já diria Marx.
Não se pode fugir desta realidade, mas tampouco deve-se deixar absorver por ela por completo para que as frustrações - que certamente acontecerão - não levem a pessoa à loucura. Se a vida é uma competição - e como diz o ditado: "não se pode ganhar todas" -, ganhar e perder faz parte dela.
Aprendendo com a derrota
Perder, em qualquer situação, é sempre terrível. O sofrimento parece não caber dentro do peito. Tanto que, no tênis, é comum ver tenistas mais jovens - e outros tantos marmanjos (quem não se lembra de Federer se debulhando em lágrimas ao perder para Nadal no Australian Open deste ano? Ou de Ivanovic em Wimbledon?) - pranteando derrotas.
Sempre mimados pelos pais, os meninos e meninas, quando confrontados com a perda, raramente sabem lidar com ela - ainda mais esta geração mais nova que parece que não está programada para sofrer e vive indo ao psicólogo e psiquiatra por qualquer probleminha para tomar suas pequenas doses de fluoxetina (aquele remedinho para depressão, lamentavelmente bastante conhecido do público). Para lidar com o sofrimento sem sucumbir a ele, primeiro é preciso aprender a sofrer e aceitar esse sentimento ruim, mas sem se autodepreciar.
Para a maioria das pessoas, esse autocontrole ("Perdi, mas preciso seguir em frente") só vem com o tempo. É a famosa "experiência". E é comum ver isso no tênis. Quantas vezes você já não presenciou esta cena: um garotão enfrenta um velhote, mas o jovem - que tem mais golpes, mais potência, mais velocidade -, no fim, acaba perdendo para o mais velho? A experiência, que ajuda a enxergar o jogo e jogar com sabedoria, não com os músculos, também ajuda a entender como aceitar as derrotas e aprender com elas.
É relativamente comum também ver entrevistas de tenistas profissionais que acabaram de perder jogos importantes e dizem que sentem muito pela derrota, mas que certamente aprenderam muito com ela. É verdade: aprende-se muito mais com derrotas do que com vitórias. E, se você diz que não aprende nada perdendo, é porque não aprendeu a perder ainda.
É preciso colocar em mente que as derrotas vão acontecer e que, quando vierem, trarão algum tipo de crescimento, maturidade. Ser derrotado por alguém tem que significar que você precisa observar melhor seus pontos fracos, repelir os pontos fortes do oponente e jogar com mais sabedoria da próxima vez.
Aceitar a derrota
Para muitos, no entanto, aceitar a derrota é praticamente impossível. Há aqueles que nunca admitem a superioridade do adversário e seu egocentrismo sempre lhes diz que o problema estava no seu jogo. Acontece de você perder para si mesmo? Sim. Todavia, sempre há um adversário do outro lado da quadra. E se ele não estivesse lá, passando as bolas para o seu lado da quadra para que você as errasse, você não perderia.
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Então, por mais que boa parte da culpa pela derrota seja sua (e muitas vezes ela é), o adversário sempre teve seus méritos e é bom reconhecer isso. Bom, inclusive, para você que perdeu, pois, assim, não vai ficar se crucificando eternamente por falhas. Dar valor ao rival é dar valor a si mesmo.
Nota-se isso claramente nos tenistas que já perderam para Federer, por exemplo. Todos eles - mesmo os que estiveram bem próximos de derrotá-lo, porém deixaram a chance escapar por erros próprios - costumam exaltar o suíço como o melhor de todos os tempos. Ou seja, eles tentam incutir em suas cabeças o sentimento: "Perdi, mas perdi com honra para alguém que é superior". Eles não se martirizam e certamente vão jogar com ainda mais determinação contra Federer da próxima vez.
Sendo assim, é preciso entender a derrota. Estudá-la. Lamentá-la, obviamente, pois aceitar um revés pura e simplesmente também não é salutar. Todo processo de amadurecimento seguramente passa por um aprendizado e não há aprendizado sem dor, sem sacrifício. Por fim, se é dito que errar é humano e persistir no erro é burrice, então aprenda logo com as primeiras derrotas (erros) para não cometê-los mais de uma vez. E lembre-se: "Ao vencedor, as batatas." E, acredite, as batatas são apenas batatas e nada mais.
Guia de desculpas
Você tem um nome a zelar? Pretende manter a fama de vencedor em seu clube ou academia? Não aceita uma derrota, principalmente para tenistas de nível inferior? seguem aqui algumas sugestões de desculpas que você pode usar para "resolver" esse mal-estar após a partida. Mas cuidado! se a desculpa parecer esfarrapada, você certamente vai ganhar fama de "chorão". e olha que ela pega!
Fatores:
Quadra
- tipo de quadra
Você sempre deve se considerar especialista no tipo de quadra oposto ao que acabou de jogar (se for saibro, diga que está acostumado a jogar em cimento)
- problemas com o piso da quadra
o saibro é muito propício para dar desculpas. Pode estar muito seco, muito molhado, ter irregularidades (apenas do seu lado!) e ainda pode causar uma "contusão" em caso de a derrota estar sendo muito feia e for irreversível.
Ps: ninguém vai lembrar do placar, apenas que você teve que abandonar a partida com uma lesão!
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Iluminação
- sol no olho nos games de saque
se não estiver atrapalhando, não peça para trocar, apenas use como desculpa.
- refletores
sua vista nunca deve funcionar em partidas à noite (pelo menos na cabeça dos adversários). se ganhar, ganhou no sacrifício. se perder, perdeu por culpa da vista.
Bolas
Neste caso, não é aconselhável jogar com seu próprio tudo de bolas. se as bolas forem do adversário, você poderá usá-las como desculpa no final do jogo. As opções de desculpas são quase ilimitadas, pois elas podem estar murchas, muito duras, muito leves, muito pesadas, muito carecas (na sua opinião, obviamente). Quantas opções! As bolas podem ser sua principal aliada em caso de uma derrota. Jogue a culpa nelas e nem precisará escutar reclamações. elas não reclamam!
Raquetes, cordas, grips, antivibrador, tênis
Essas sofrem. são jogadas ao chão e sempre culpadas pelos erros. Mas, se você pretende sair ileso de uma derrota, tem que manter essa tradição. Claro que não precisa jogá-las ao chão - até por que costumam custar uma boa grana - porém, jogar a culpa na pobre coitada, que mal tem? Dificilmente ela pegará magoa de você.
Lógico que, se você reclamar insistentemente de sua raquete, vai perder a moral, já que podem perguntar: "Por que não troca, então?". Contudo, neste caso, culpar o encordoamento pode ser uma boa saída. "Poxa, falei para o cara deixar mais dura. essa raquete parece um estilingue", ou então: "Assim fica difícil, parece que estou com um pedaço de madeira na não.".
No rol dos possíveis culpados por uma derrota há ainda o grip (muito escorregadio?), o antivibrador (presente ou ausente). Assim como o tênis também pode fornecer uma boa desculpa ("o solado está muito liso", "está grudando demais no chão").
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Alimentação e repouso
Ainda é possível criar desculpas baseadas em coisas extraordinárias como uma súbita diarréia (mesmo que seu intestino esteja completamente bom), ou uma má alimentação (por mais que você tenha comido sua banana e barra de cereais tradicionais) ou falta de energia devido a uma noite mal dormida (por melhor que tenha sido seu sono na noite anterior).
Fatores Extra-Quadra
- torcida
o tênis é um esporte diferente. A torcida, teoricamente, não pode incentivar e fazer barulho durante o jogo. se estiver jogando contra ela, sempre pode culpar a falta de educação dos torcedores. em interclubes, principalmente, esta é uma desculpa muito apropriada. Mas, se estiver jogando em casa, o discurso muda. "o tênis não é mais como antigamente, temos que nos adaptar. A torcida deve participar mais do jogo, é uma coisa normal".
- turma da cerveja (do amendoim)
se você joga em clube sabe bem como é isso. sempre tem aquele pessoal que chega às 7h da manhã, joga suas duplinhas e passa o resto do dia tomando cerveja com os amigos. Claro que isso é a coisa mais normal, ainda mais nos fins de semana, porém, em caso de seu jogo não estar bom, os cervejeiros podem ser apontados como principais culpados. se você tiver intimidade com o pessoal que está de fora da quadra, pode dar aquele famoso "migué": "Poxa... Não estão vendo a placa?" e apontar para a placa que pede silêncio. Claro que ninguém vai dar bola para sua reclamação, mas você já tem um motivo para justificar uma possível derrota.
Contusão
esse talvez seja um dos motivos mais usados em desculpas no tênis. "Logo no comecinho senti uma dor na pontinha do dedão, mas não quis parar o jogo. Mas, agora, no fim, está quase insuportável". Vai dizer que não é uma desculpa típica? é possível inventar dores nos mais variados lugares, mãos, braços, pernas, pés, abdômen etc. Qualquer canto do corpo pode servir de "escudo" e você poderá usar sem que ninguém questione. Podem até duvidar, mas nunca terão 100% de certeza se está doendo ou não.
PS: A verdade, meu amigo, é que nenhum desculpa cola. Seja educado e reconheça a superioridade de seu adversário. Esta, acredite, é a melhor desculpa: "Você jogou melhor do que eu!"