O despertar de um herói

A saga e as conseqüências da primeira conquista de Gustavo Kuerten em Roland Garros, um marco para o tênis brasileiro

Arnaldo Grizzo E Eloi Silveira em 26 de Junho de 2007 às 07:07

HÁ DEZ ANOS, um magricela, de cabelos compridos presos por uma faixa, que vestia roupas coloridas “demais” – tons de azul e amarelo fortíssimos que estavam até nos seus tênis – e enfiava a mão na bola, subverteu a ordem estabelecida (alguns dizem que seu estilo contribuiu para transformar o tênis no jogo que vemos atualmente) e ganhou Roland Garros. Em 8 de junho de 1997, Gustavo Kuerten, ou somente Guga, instituiu mais um marco na história do tênis brasileiro ao levantar o troféu dos Mosqueteiros.

Em 1966, Maria Esther Bueno ganhou o sétimo e último de seus títulos de simples em Grand Slam, no US Open. O tênis ainda não era considerado um esporte profissional, mas os feitos de Estherzinha, apesar de não terem a divulgação que poderiam ter atualmente, já causaram impacto no esporte da raquete. Desde então, fazia mais de três décadas que o Brasil esperava um salvador da pátria. Não só os mais céticos, mas mesmo aqueles que ainda guardavam uma ponta de esperança, não acreditavam, pela falta de estrutura e incentivo, que novamente pudesse surgir um grande campeão em terras tupiniquins. Estávamos fadados a recordar as façanhas de Maria Esther e lamentar eternamente por não termos aproveitado o momento e feito do tênis algo maior.

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Entretanto, quis o destino que um catarinense – de família descente de alemães, cujo pai, Aldo, um fanático pelo esporte que morreu de infarto arbitrando uma partida quando Guga tinha apenas oito anos – superasse todas as dificuldades e se tornasse o mais novo herói, não só do tênis, mas de toda uma nação, sempre carente de ídolos para livrá-la de seu “complexo de vira-lata”. O filho de dona Alice, irmão de Rafael e de Guilherme, neto de Olga e pupilo do técnico Larri Passos, rapidamente assumiu esse papel e, de repente, o tênis se tornou um esporte conhecido no país do futebol.

Pessoas que nunca se interessaram passaram a acompanhar os resultados do “manézinho da ilha”. Por influência dele, muitos resolveram tirar o pó de suas raquetes (mesmo que fossem de madeira) e voltaram a bater uma bolinha nas quadras do clube, abandonadas até então. Outros, que sequer sabiam como empunhar tal instrumento, decidiram comprar um e se arriscar. Os anos seguintes à conquista de Kuerten trouxeram um significativo aumento no mercado. Porém, como três décadas antes, o sucesso de Guga pegou todos despreparados, sem que houvesse um caminho trilhado esperando apenas ser pavimentado.

Dez anos depois, vemos tentativas esparsas de contornar este atraso e somente algumas pequenas veredas foram construídas. Tomara que elas tomem um norte comum e indiquem um rumo para que, quando um novo sobressalto abalar o tênis nacional de forma tão avassaladora, ele encontre mercado e estruturas prontas. Enquanto isso não acontece, é interessante que olhemos para o passado, pois, apesar de o ditado celebrar: “Recordar é viver”, seria melhor ficar com outro mote da sabedoria popular que diz que devemos conhecer o passado para mudar o futuro.

TRAJETO PARA A GLÓRIA
A seguir, trouxemos um breve relato da campanha de Guga em Roland Garros 1997, entremeada por depoimentos de pessoas do tênis que acompanharam a conquista, de perto ou de longe, e tiveram suas vidas influenciadas por isso.

CAMPANHA DE GUGA EM ROLAND GARROS 1997
1ª rodada Slava Dosedel (CZE)
Ranking na época: 73º
Melhor ranking: 26º em 10/10/94
Placar: 6/0, 7/5 e 6/4
Tempo de jogo: 95 minutos

Guga chega a Roland Garros como 66º no ranking da ATP. Ele vem do título do Challenger de Curitiba duas semanas antes, mas nunca vencera um ATP até então. O sorteio da chave não lhe favorece e o coloca contra o tcheco Slava Dosedel, para quem havia perdido duas vezes naquela temporada (por 6/3 e 6/4, no Challenger de Indian Wells e, por 6/1, 3/6 e 6/1, no Masters Series de Monte Carlo).

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Porém, segundo os jornalistas presentes, Kuerten contou com um pouco de sorte, pois o tcheco estava com o ombro machucado e não conseguiu sacar bem. Com isso, o catarinense aproveitou e logo aplicou um “pneu”. Dosedel melhorou no segundo set, mas Guga conseguiu a quebra para fechar em 7/5. No terceiro, o tcheco abriu 4/1 e o brasileiro começou a ficar irritado com seus erros. “Estou viajando!”, gritou. Contudo, voltou a ter o controle, quebrou o saque de Dosedel duas vezes e selou a importante vitória, por 6/4.

GUGA Por Alain Riou
ASSIM COMO A imprensa francesa, a própria organização de Roland Garros se rendeu à simpatia do manezinho da ilha durante a campanha de 1997. Para o diretor adjunto da Federação Francesa de Tênis, Alain Riou, Guga, apesar de não ter gerado renda extra para o evento, trouxe de volta a magia do tênis como esporte, que havia se perdido no passado com a chegada de superatletas como Ivan Lendl, Mats Wilander e Jim Courier.

“Acho que o tênis se tornou muito profissional a partir dos anos 70 e todo mundo se tornou pragmático demais, mas o Guga mudou essa cara. E como organizadores, adoramos isso. Vimos em 97 o tênis como tênis novamente, que agradou a todos que estavam aqui. Se não trouxe ganhos imediatos, foi importante para trazer um ar fresco para o torneio”, explicou Riou, sempre com grande sorriso no rosto ao comentar as lembranças.

Duas delas são exatamente as mesmas da imprensa local. Uma se refere à forma que o tenista começou a ser notado nas quadras do complexo, justamente por sua simplicidade e pelo ar cativante que trazia para dentro de seus jogos. A outra, após o título, com a presença da batucada brasileira em local sério, acostumado com comemorações discretas e torcidas barulhentas apenas durante os duelos.

“Tudo que o cercou naquele ano o tornou especial. Ninguém o conhecia direito, a não ser alguns jornalistas que o haviam visto em torneios menores em anos anteriores. Mas o fato de ele ficar em hotel simples, a simpatia que mostrava nas entrevistas e nos jogos fez com que o público o adotasse”, relatou. “E depois da final, foi a primeira vez que vimos uma celebração tão inovadora, com a banda e ele descendo para ficar perto dos fãs. Vimos que tinha algo especial ali”.

Alain Riou diretor adjunto da Federação Francesa de Tênis

2ª rodada Jonas Bjorkman (SWE)
Ranking na época: 23º
Melhor ranking: 4º em 03/11/97
Placar: 6/4, 6/2, 4/6 e 7/5
Tempo de jogo: 157 minutos

Muitos já acreditam que Guga tinha feito demais ao vencer Dosedel e sabiam que passar pelo sueco Jonas Bjorkman, 32º do mundo, seria bastante complicado. O europeu estava em boa forma. Entretanto, após a primeira vitória, Kuerten vinha confiante e sua tática de soltar o braço, de direita e de esquerda, nas bolas de fundo dava resultados. E que resultados!

Os dois primeiros sets foram rápidos. No terceiro, Guga chegou a estar liderando por 4/1, com break point para aumentar a vantagem e selar passagem para a terceira rodada em três sets. Após perder a chance, o brasileiro apagou. O sueco confirmou o saque e fez quatro games seguidos. O quarto set seguiu parelho até 6/5. Bjorkman sacou um game longo. Kuerten teve seis match points, que não aproveitou (com direito a smash perdido). Mas, na sétima chance que o europeu lhe deu, fim de jogo e de sofrimento.

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GUGA Por Paulo Cleto
ALGUMAS POUCAS pessoas tiveram o privilégio de acompanhar a campanha de Gustavo Kuerten em 1997 desde o princípio. O capitão brasileiro da Copa Davis na época, Paulo Cleto foi uma destas pessoas. Ele foi à Paris com suas quatro irmãs e sua mãe, que estava completando 70 anos e, como presente, escolheu esta viagem com a família. Naquele ano, Cleto havia sido convidado pelo Jornal da Tarde para escrever uma coluna semanal sobre tênis e poderia escolher quais torneios cobrir. Quis o destino que estivesse em Paris e testemunhasse o fato. Anos depois, publicou o mais belo livro sobre as conquistas de Guga em Roland Garros.

“Para mim, pessoalmente, aquela vitória significou uma alegria muito grande. Lembro que fiquei radiante. Era uma sensação atípica. Estava com toda minha família lá, então estávamos muito próximos. Minhas irmãs sempre foram convidadas dele (Guga), em todos os jogos. E eu, que sempre fui apaixonado por tênis, não imaginava que fosse ver (um brasileiro vencendo em Roland Garros) e fiquei muito feliz”, admite o comentarista da ESPN.

Segundo Cleto, foi na partida contra Yevgeny Kafelnikov que Guga deu a impressão de que poderia vencer o torneio. “Ali ficou mais claro que ele tinha uma boa chance de ganhar. Mas era sempre uma incógnita. Cada jogo era, porque tudo era. Na verdade, não era nem para passar a primeira rodada. Eu tinha sérias dúvidas se ele ia passar a primeira. Ele tinha perdido para o Dosedel naquele ano duas vezes. E ele falou para mim assim: ‘Esse é meu pai, não consigo ganhar dele.’”, lembra.

Mas o ex-capitão do Brasil diz ter ficado impressionado com a confiança do jovem catarinense antes da decisão. “Estive com ele no dia anterior e, sem nenhuma arrogância, ele não tinha nenhuma dúvida de que iria ganhar a final. Era muito consciente, mais do que qualquer outro jogo. Estava bem consciente, bem tranqüilo, bem confiante”, garantiu.

Paulo Cleto comentarista da ESPN

3ª rodada Thomas Muster (AUT)
Ranking na época: 5º
Melhor ranking: 1º em 12/02/96
Placar: 6/7(3), 6/1, 6/3, 3/6 e 6/4
Tempo de jogo: 188 minutos

O austríaco Thomas Muster, número cinco da ATP, mas que foi número um do mundo em 1996, era considerado um dos maiores tenistas de saibro. Além de ter conquistado Roland Garros em 1995, foi bicampeão dos Masters Series de Monte Carlo e Roma. Após vencer Bjorkman e saber que o enfrentaria, Guga brincou: “Quem sabe ele não foge de novo?”, referindo-se ao confronto pela Copa Davis no ano anterior, em que o Brasil bateu a Áustria e voltou ao Grupo Mundial devido ao abandono de Muster durante o duelo de duplas. O austríaco alegou estar sofrendo ameaças da torcida brasileira e foi embora.

Para muitos, já é uma glória atingir a terceira rodada de um Grand Slam e cair diante de um grande campeão. Mas Guga jogou solto, sem medo. Perdeu o primeiro set no tiebreak, mas logo virou. O brasileiro tomava conta da partida, tanto que, durante o segundo set, Muster grita desesperado após tomar mais uma deixadinha desconcertante: “O que é isso? Estou jogando meu melhor tênis e este garoto está me matando. Quem é ele? Um gênio?” E o genial catarinense seguiu dominando até o início do quarto set, quando teve chances de quebrar o saque do austríaco no quarto game.

A partir daí, tudo mudou. Guga se tornou negativo em quadra, perdeu o set e viu o adversário abrir 3/0 na última parcial. Nesse momento, a consistência voltou e, com novas jogadas espetaculares, Kuerten ganhou um dos mais importantes jogos de sua carreira. Ali ele já seria notado pelo mundo todo, principalmente após as palavras de Muster ao final da partida: “Se continuar assim, não tenho dúvidas de que logo estará entre os melhores do mundo. Não fui eu que perdi, foi ele que ganhou”.

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GUGA Por Chiquinho Leite Moreira
DESDE 1985, O jornalista Chiquinho Leite Moreira acompanhava Roland Garros in loco. Com muitos anos de cobertura de tênis, ele, como a maioria, duvidava que um brasileiro pudesse ganhar um Grand Slam. “Uma vez encontrei o Paulo Pereira, que ainda atuava como juiz, e ele perguntou: ‘Quando vamos ter um tenista na segunda semana?’ Para nós, um tenista na segunda semana já era legal”. Mas, em 1997, o que se considerava quase impossível, aconteceu.

“Gosto de chegar um pouco antes. Esse ano, vi o Guga e o Larri treinando e já deu para sentir que era um ano especial, tinha uma coisa diferente”, garante Moreira. “Eu já estava de olho no Guga, porque o Betão (Roberto Jabáli) tinha perdido três vezes seguidas para o Guga (a última na semifinal do Challenger de Curitiba) e dei uma bronca no Betão: ‘Você vai perder desse cara toda hora?’ E ele: ‘O Guga está muito solto, está jogando muito’. O primeiro cara que me alertou do Guga foi o Betão”, lembra.

O jornalista se recorda que o colega de profissão, Renato Maurício Prado, se surpreendeu ao vê-lo assistindo a partida de Guga contra o tcheco Slava Dosedel, ao invés de ver o jogo entre Fernando Meligeni e o argentino Javier Frana no primeiro dia. “Eu disse: ‘Esse cara (Guga) está jogando muito. Vi ele treinando e realmente a bola dele anda’. E o Renato deu um pouco de risada: ‘Quem é esse Rayovac (em menção às cores do uniforme)?’”, conta Chiquinho.

D. Olga, avó de Guga, aconselhava o neto

Apesar de saber que o jogo contra Thomas Muster seria complicado, o jornalista admite que estava otimista, pois, segundo ele, Guga estava jogando de uma maneira moderna, sempre com as bolas na linha. “Vi o Pardal (Ricardo Acioly) de manhã no hotel e falei: ‘Acho que o Guga pode ganhar do Muster’. O Acioly respondeu: ‘Eu não acho, ele vai ganhar!’”, afirmou Moreira. Mas sua confiança no catarinense ficou um pouco abalada na semifinal. “Eu achei que o sonho ia acabar ali, porque esse Dewulf é um cara muito talentoso, muito louco. Era um franco atirador”, recorda.

Entretanto, assim que Guga ganhou, o jornalista diz que voltou a acreditar. Moreira, porém, lamenta que nunca mais tenha tido a oportunidade de rever aquela decisão. “Logo depois deve ter passado 300 replays daquele jogo e nunca consegui ver. Queria ver esse jogo especialmente porque não vi o match-point. Estava sentado muito perto da quadra e ventava. E uso lente de contato. No ponto decisivo, tive que me abaixar atrás do murinho, pois comecei a lacrimejar muito, e só fiquei esperando os gritos da torcida para saber se

Chiquinho Leite Moreira, jornalista Estado de S. Paulo

Oitavas-de-final Andrei Medvedev (UKR)
Ranking na época: 20º
Melhor ranking: 4º em 16/05/94
Placar: 5/7, 6/1, 6/2, 1/6 e 7/5
Tempo de jogo: 165 minutos

Após ganhar notoriedade ao vencer Muster, muitos vieram acompanhar Guga para verificar se o garoto, de apenas 20 anos, tinha mesmo potencial ou era apenas fogo de palha. A partida contra o ucraniano Andrei Medvedev foi mais uma batalha. Novamente Kuerten começou perdendo o primeiro set e virou o placar em grande estilo. Como na partida anterior, o jovem dominava as ações até perder algumas chances de quebra no terceiro game do quarto set. Novamente o fato desconcentrou o brasileiro, que perdeu a parcial facilmente.

Recomposto, o set final começou, mas não terminou. Com 2/2, o jogo foi interrompido por falta de luz natural às 21h20. No dia seguinte, Guga volta com tudo e logo abre 4/2. Porém, Medvedev empata. Kuerten saca e logo está 0/40. A torcida gela. “O que pensei naquela hora? Não pensei. Apenas soltei o braço e joguei”, revelou depois o catarinense. Com a ajuda de saques magistrais, ele fez cinco pontos seguidos e fechou seu game de serviço. Em seguida, o ucraniano saca e abre 40/0. Guga iguala, tem seu primeiro match-point, mas não conclui. Medvedev volta a sacar em desvantagem, em 5/6. Ele salva dois match-points, mas cede na terceira chance.

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Quartas-de-final Yevgeny Kafelnikov (RUS)
Ranking na época: 3º
Melhor ranking: 1º em 03/05/99
Placar: 6/2, 5/7, 2/6, 6/0 e 6/4
Tempo de jogo: 150 minutos

Mais um ex-campeão de Roland Garros aparece no caminho de Guga. O russo Yevgeny Kafelnikov, um dos tenistas mais regulares do circuito, era o atual campeão do torneio francês e terceiro colocado no ranking. Pela primeira vez, Kuerten atuaria na quadra central de Roland Garros, mas sua confiança estava em alta. “Sinceramente, não tenho medo dele (Kafelnikov). Todos os que chegaram às quartas têm condições de ganhar o título. Ele é um grande campeão, mas também estou jogando muito. Daqui pra frente, tudo pode acontecer”, disse Guga.

O brasileiro começou arrasador e venceu o primeiro set. No segundo, o russo abriu 5/2, mas Kuerten empatou e teve duas chances de quebrar o saque de Kafelnikov no 5/5. Mas o adversário salvou e quebrou Guga na seqüência. O campeão de Roland Garros seguiu firme, ganhou o segundo e terceiro set e tudo parecia acabado. Mas, na quarta parcial, o catarinense entrou em jogo novamente e logo abriu 4/0. “Lutei o máximo até 4/0. A partir daí, senti que iríamos para o quinto set e preferi me poupar. Kuerten estava perfeito naquele momento”, afirmaria o russo após a partida. Resultado, 6/0.

O set decisivo começa bem para Guga, que quebra Kafelnikov e segue liderando até 5/4. Neste momento, o brasileiro saca para fechar a partida, titubeia, cede uma chance de quebra ao russo, mas salva com bom saque e finaliza o jogo. “Rapaz, se antes do torneio alguém tivesse me falado que chegaria às semifinais, eu teria respondido: ‘Você tá maluco!’ Agora, diante de tudo o que aconteceu, sou eu mesmo que digo: ‘Ah, eu tô maluco!’”, brincou Guga.

GUGA Por Georges Homsi
“FOI SEM DÚVIDA o título mais memorável dos últimos 20 anos, porque ficou marcado na mente de todos”, afirma o jornalista francês Georges Homsi, que completa sua 20ª cobertura de Roland Garros, com trabalhos para o L’Equipe e a Federação Francesa.

Homsi lembrou um fato curioso ocorrido antes de aquela edição começar. Em um dia de treinos, ele assistia ao bate-bola do brasileiro quando Wojtek Fibak, ex-tenista tcheco, perguntou: “Quem é o menino magro?”. Homsi, que o conhecia de torneios pequenos na Europa, respondeu orgulhoso: “É o Guga. Brasileiro. Joga bem, não?”. Passados alguns anos, reencontrou o tcheco e foi ele quem retomou o assunto, ainda mais orgulhoso: “Lembra daquele ano? Depois de ver o treino do Guga, apostei 100 libras que ele seria campeão. Ganhei 1.000!”

O jeito humilde e o sorriso que Guga sempre carregava no rosto durante as coletivas, ainda em inglês parco, cativavam. “Encontramos alguém simpático, com grande personalidade e que trazia uma energia muito positiva. Ele parecia estar curtindo cada momento e não demonstrava estar nervoso. E, claro, o tênis que mostrou era impressionante. Sua movimentação era perfeita na quadra e o backhand era destruidor”, detalhou.

Guga deu prova de sua humildade ao descer nas “ruas” do complexo para sambar com uma banda que apareceu para a final. E se alguém ainda não havia se convencido da simpatia do brasileiro, se rendeu na hora em que os batuques ressoaram perto da Philippe Chatrier. “Acho que este momento ficou realmente marcado e ajudou a formar a opinião sobre Guga. Tivemos grandes campeões, como o próprio Bruguera, Courier, que jogavam bem, mas que ninguém se importava muito porque eram frios”, disse Homsi. “E vou ainda mais longe. Acho que era mais gostoso ver o Guga jogar do que o Nadal hoje”, encerrou.

Georges Homsi, jornalista francês

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Semifinal Filip Dewulf (BEL)
Ranking na época: 122º
Melhor ranking: 39º em 15/09/97
Placar: 6/1, 3/6, 6/1 e 7/6(4)
Tempo de jogo: 134 minutos

Apesar de enfrentar um adversário de ranking inferior ao seu na semifinal, Guga fez contra o belga Filip Dewulf uma partida bastante irregular. Dewulf era apenas o 122º no ranking e, para entrar na chave principal de Roland Garros, precisou passar o qualifying. Em sua campanha, havia derrotado Fernando Meligeni na segunda rodada, em um jogo duríssimo de cinco sets. Se, como diziam, Kuerten não tinha nada a perder, o belga tinha menos ainda. Era um jogo imprevisível.

“Não joguei tão bem hoje. Pelo menos não tão bem quanto nas outras partidas. Estava um pouco nervoso, ventava muito na quadra e a ansiedade em garantir a vaga na final fez com que eu perdesse um pouco a concentração, principalmente no segundo set e na hora de sacar para fechar a partida no quarto (teve 5/4 e saque). Ainda assim consegui vencer e estou muito feliz. Feliz, mas não completamente satisfeito. Agora quero o título. Tenho certeza de que farei, na final, a minha melhor apresentação em Roland Garros”, narrou o próprio Guga.

GUGA Por Odir Cunha
“QUEM NO MÁXIMO tinha visto um brasileiro chegar à terceira rodada de Roland Garros, presenciar a campanha arrasadora do jovem catarinense naquele 1997 e a forma implacável como destruiu o ótimo Sergi Bruguera na final pareciam o mais doce dos sonhos. Assisti pela tevê e marquei o jogo ponto a ponto, pois era editor da revista Match Point e daríamos uma edição especial sobre a conquista. Depois, a reportagem se estendeu a um grupo de torcedores que tinha acompanhado a partida das quadras do parque do Ibirapuera e todos estavam eufóricos.

Sempre ouvi dos que viviam no tênis, que no dia em que um brasileiro ganhasse um torneio de Grand Slam, este esporte explodiria no País. Vivia no e do tênis e esperei pela explosão, mas só veio um traque. O mercado cresceu 30% apenas. Acho até que muitos mais gostariam de entrar no esporte, mas deram de cara com a falta de estrutura, com a carestia do equipamento, das aulas, do aluguel das quadras, e desistiram ou ficaram pelo caminho. Os dirigentes do tênis nacional foram incompetentes para segurar a onda.

Acho que o Guga também poderia ter feito mais fora das quadras pela popularização do tênis, mas talvez isso fosse pedir demais para um garoto que já fazia muito de jogar bem e era mal assessorado. Enfim, o Guga nos trouxe o sonho de ter um tênis maduro, forte, popular, mas a semente não vingou no terreno árido de ganância, burrice e mesquinharia que prepondera no mundinho do tênis nacional. Vieram mais dois títulos de Roland Garros, ele se tornou o número um do mundo - milagre inimaginável até para os mais crédulos -, mas hoje vivemos, novamente, à espera de um novo redentor de raquete na mão.

Somos brasileiros, não desistimos nunca. Mas que às vezes ficamos de saco cheio de ver o futuro escorrendo pelos dedos, como pó de saibro, ah, isso ficamos.”

Odir Cunha, jornalista e escritor

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GUGA Por Jairo Garbi
A EUFORIA PELA primeira conquista de Guga foi impressionante, mas quem trabalhava no mercado do tênis brasileiro, como o lojista Jairo Garbi, garante que o “boom” só viria mesmo nos anos seguintes. “Em 97 tivemos um acréscimo razoavelmente discreto, porque o tênis era uma novidade. Não houve uma corrida, ao contrário do que as pessoas pensam”, afirma o lojista, que já estava no ramo há sete anos. “Imaginei que aquela conquista teria um efeito imediato, mas não sofri porque isso não aconteceu. Sou uma pessoa vivida dentro do tênis e não conseguia mensurar quanto isso representava. Posso ser antigo no que faço, mas com essa informação nova, realmente tudo era uma novidade, uma surpresa”, revelou.

Para Garbi, a seqüência das vitórias de Guga foi fundamental para o crescimento. “Em 98, já sentimos uma melhora que não consigo quantificar exatamente. Atingimos o pico em 2000, com o Masters de Lisboa. Atrevo-me a dizer que vendíamos de 60 a 80% a mais do que no passado, mesmo considerando um aumento de concorrência muito grande”, disse. O lojista acredita que hoje o Brasil tem 30% de tenistas a mais do que em 1997.

Segundo ele, os principais efeitos do título de Guga foi, além do aumento de vendas, um incremento na cultura do esporte. “As pessoas passaram a se interessar pelo esporte. O tênis atingiu vários grupos sociais. Isso aumentou a cultura tenística e de equipamentos. Até então, trabalhávamos com pouco material, pouca variação e qualidade, porque ninguém dava atenção ao Brasil. O Brasil consome aproximadamente 1% do mercado tenístico mundial. Temos um pequeno coeficiente, mas já foi de 0,5% e hoje pode estar beirando 1,5%. Ficou a cultura, o acesso à quantidade maior de equipamento e vendas. Infelizmente as vendas se acomodaram. Os anos passaram e não veio outro tenista”, lamenta Garbi.

Jairo Garbi, lojista

Final Sergi Bruguera (ESP)
Ranking na época: 19º
Melhor ranking: 3º em 01/08/94
Placar: 6/3, 6/4 e 6/2
Tempo de jogo: 110 minutos

Até então, a campanha de Gustavo Kuerten em Roland Garros era como um sonho. Por ter chegado até a final, todos esperavam nada menos que o título. O catarinense enfrentou o espanhol Sergi Bruguera, que havia vencido o Grand Slam francês em 93 e 94. No dia anterior à final, Guga treinou muito seu saque, uma de suas melhores armas, para sair dominando os pontos e evitar as longas trocas de bolas altas do espanhol. Além disso, a tática, segundo Larri Passos, era jogar no “T”, empurrando Bruguera para trás.

No dia seguinte tudo funcionou. Talvez nem Larri nem Guga tenham sonhado com um jogo tão perfeito quanto à final. Bruguera não pôde fazer absolutamente nada contra o brasileiro que, indubitavelmente, estava iluminado. “Coloquei na cabeça que era apenas mais uma partida. E tratei de jogar da melhor maneira possível, sempre batendo forte na bola. O mais forte possível para não deixá-lo ter o controle dos pontos. E tudo saiu muito bem. Meus golpes entravam e só então pensei: ‘esta é a final, mas se as minhas bolas continuarem entrando assim, vou ganhar’. E bati, bati e bati, como se fosse um treino. Estava muito solto na quadra e adorando jogar a final. Isto certamente me ajudou muito”, revelou Guga após o jogo.

Kuerten recebeu o troféu das mãos do sueco Bjorn Borg e antes de subir ao palco, fez uma reverência ao hexacampeão de Roland Garros. No vestiário, Larri extravasou com o pupilo: “Você foi perfeito e ganhar aqui é fantástico! Mas queremos mais, queremos muito mais, não é isso?” e Guga respondeu certeiro: “Queremos muito mais e vamos conseguir!“ Em seguida, foram comemorar com a torcida que batucava à sua espera.

Nascia um ídolo de grande carisma. “Quando era pequeno, olhava o saque do Sampras, a direita do Courier e tentava fazer igual. É engraçado imaginar que daqui pra frente pode ter gente querendo imitar algum golpe meu”, admitiu o catarinense ainda tímido. Segundo ele, sua trilha da vitória (que ouvia todos os dias pela manhã em Paris) era a música “O que é? O que é?” de Gonzaguinha. E, como diz a letra, ele viveu e não teve vergonha de ser feliz.

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GUGA Por Ruy Viotti
A PRIMEIRA CONQUISTA de Guga em Roland Garros emocionou e surpreendeu muita gente, inclusive alguém que já tinha uma bagagem tão grande como o locutor Ruy Viotti, pioneiro das transmissões de tênis na tevê. “Eu acompanhava tenis há muito tempo e até expressei na transmissão que estava vivendo um instante que não esperava nunca viver. Foi uma emoção muito grande. Cheguei até a soluçar um pouco. Deu uma bobeira grande, que não tem que dar em profissional, mas a emoção é grande mesmo. Eu ia fazer 68 anos”, recorda o locutor.

Naquele ano, a extinta TV Manchete transmitiu somente a semifinal e final. “Narramos de São Paulo e fizemos uma promoção. Pusemos vários telões na marquise do Ibirapuera. Foi gente à beça lá. Mandei fazer uma camiseta: ‘Valeu Guga!’ Distribuímos para o pessoal que estava assistindo”, lembra Viotti, que compara a emoção de ter apresentando os três títulos de Guga em Paris à da que teve narrando a Copa de 1958.

A final entre Guga e Bruguera bateu o recorde de audiência do tênis na TV brasileira. “O jogo deu 12% de Ibope na média, em São Paulo, com picos de 16%. Na final contra Magnus Norman (em 2000), a média deu 16%, mas o pico chegou a 25%. Esse jogo atingiu cerca de um milhão e 200 mil lares só em São Paulo”, celebra o locutor.

Mas Viotti admite que ficou receoso na semifinal. “Foi um temor grande que ele perdesse para um jogador que não tinha muita expressão. Ele deu um susto grande, fez uma partida difícil. O que mais me atemorizou foi que ele tivesse um tropeço contra o Dewulf. Se ele tivesse perdido de um campeão de Roland Garros ficaria: ‘Mas ele chegou até lá e perdeu do campeão’. Como a gente sempre justifica a derrota... Perder do Dewulf seria um negócio terrível. Pelo amor de Deus, perder do Dewulf, não...”, brinca.

Ruy Viotti, locutor televisivo

GUGA Por Paulo de Tarso
SEM DÚVIDA, O ano de 1997 foi decisivo na vida de muita gente. Três anos antes, Paulo de Tarso, que tinha uma empresa de comércio e importação, havia começado a representação da Head, marca esportiva austríaca. Na época, a marca não era muito conhecida, principalmente no Brasil, onde o tênis ainda era um esporte sem apelo. “O ano de 1997 foi um grande marco porque, quando pegamos a representação da Head, que é uma raquete feita na Áustria, ela não tinha preço. Era muito cara. Então, não eram todas as lojas que compravam”, lembra o diretor da DLD.

“Em 97, foi a coroação do nosso trabalho, porque ali todo mundo ficou conhecendo a Head. Naquele momento, abri um número muito grande de clientes. Foi o grande salto da minha representação. Foi um momento de muita sorte na minha vida empresarial. Tive que recorrer aos pais para levantar recursos para poder importar, pois meu capital não dava”, recorda Tarso, que em seguida, comprou um galpão e aumentou seu negócio.

Segundo ele, suas vendas aumentaram rapidamente, pois todos queriam comprar a raquete de Guga, a Head Pro Tour. Entretanto, o importador encontrou dificuldades para trazer a mercadoria para o Brasil. “Todo estoque terminou em menos de dez dias. Precisei importar dos EUA, onde eles tinham uma quantidade grande, porque nem na Áustria conseguia embarque imediato”, conta. Para piorar, a raquete de Guga saiu de linha em seguida. “Senti certo receio por parte deles (Head). Eles não sabiam se o Guga era um azarão ou não. Logo em seguida, a raquete dele saiu de linha. Não conseguia comprar a raquete e ele só usava a Pro Tour. Só em 99 ele começou a jogar com a mesma do Agassi. Mas, na verdade, sempre foi a Pro Tour. Eles faziam a maquiagem da Radical, mas a raquete dele era a Pro Tour”, confessa.

Tarso revela que, em 1997, dobrou o tamanho de sua empresa, que dobrou novamente no ano seguinte. “O pico foi em 2001, quando o mercado realmente cresceu. Em 2001, a Head era o dobro do tamanho que é hoje. Vendíamos o dobro de hoje. O tênis brasileiro não soube aproveitar o boom”, lamenta.

Para finalizar, o diretor da DLD relata como se deu o primeiro contrato internacional de Guga com a Head: “Fui para uma convenção da Head em Miami, em junho de 97, com a incumbência de solicitar um contrato de bônus para o Guga. Ele tinha acabado de ganhar um Challenger em Curitiba e estava na Europa. No primeiro dia de reunião, colocamos para o diretor comercial que tínhamos um jogador muito interessante no Brasil. E ele brincou que não conhecia a pessoa, mas ia avaliar e que estava disposto a dar o contrato. Brincando ele disse: ‘Vamos fazer o seguinte: se ele ganhar do Muster amanhã, esse contrato está certo’. E o Guga ganhou. No último dia, cheguei para o cara: ‘Então aquele contrato está fechado!’. Ele: ‘Agora estou perdido, vou ter que fechar mesmo’. Voltei para o Brasil, o Guga foi campeão e as coisas saíram da alçada desse diretor e foram para um nível hierárquico maior na Head”, conclui.

Paulo de Tarso, representante da Head

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